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A caixa de ferramentas

A arte de pensar é a ponte para o desconhecido. Fica ao lado das ferramentas existentes, mas num compartimento separado

Publicado em 10/09/2011

por Rubem Alves


Rubem Alves

São duas apenas as tarefas da educação. Como acho que as explicações conceituais são difíceis de aprender e fáceis de esquecer, caminho sempre pelo caminho dos poetas, que é o caminho das imagens. Uma boa imagem é inesquecível. Assim, ao invés de explicar o que disse, vou mostrar o que disse por meio de uma imagem.

O corpo carrega duas caixas. Na mão direita, leva uma caixa de ferramentas. E na mão esquerda leva uma caixa de brinquedos. Os animais não precisam de ferramentas porque seus corpos já são ferramentas. Seus corpos lhes dão tudo aquilo de que necessitam para sobreviver.

Como são desajeitados os seres humanos quando comparados com os animais! Veja, por exemplo, os macacos. Sem nenhum treinamento especial, eles tirariam medalhas de ouro na ginástica olímpica. E os saltos das pulgas e dos gafanhotos! Já prestou atenção na velocidade das formigas? Mais velozes a pé, proporcionalmente, que os bólidos de Fórmula-1! O vôo dos urubus, os buracos dos tatus, as teias das aranhas, as conchas dos moluscos, a língua saltadora dos sapos, o veneno das taturanas, os dentes dos castores…

Nossa inteligência se desenvolveu para compensar nossa incompetência corporal. Inventou melhorias para o corpo: porretes, pilões, facas, flechas, redes, barcos, jegues, bicicletas, casas… Disse Marshall McLuhan corretamente que todas as ferramentas que inventamos são extensões do corpo: meios para se viver. Sem ser dotado de força de corpo, pela inteligência o homem se transformou no mais forte de todos os animais, o mais terrível, o mais criador, o mais destruidor. O homem tem poder para transformar o mundo num paraíso ou num deserto.

A primeira tarefa de cada geração é passar aos filhos, como herança, a caixa de ferramentas. Para que eles não tenham de começar da estaca zero.

Muitas ferramentas são objetos: sapatos, escovas, facas, canetas, óculos, carros, computadores. Os mestres apresentam tais ferramentas aos seus filhos e lhes ensinam como devem ser usadas. Com o passar do tempo muitas ferramentas se tornam obsoletas. Quando isso acontece, elas são retiradas da caixa e esquecidas por não terem mais uso.

Outras ferramentas são as habilidades. Andar, falar, construir. Uma habilidade extraordinária que usamos o tempo todo, mas de que não temos consciência, é a capacidade de construir, na cabeça, as realidades virtuais chamadas mapas. Para nos entendermos na nossa casa, temos de ter mapas dos seus cômodos e mapas dos lugares onde as coisas estão guardadas. Fazemos mapas da cidade, do mundo, do universo. Sem mapas seríamos seres perdidos, sem direção.

A ciência é uma enorme caixa de ferramentas e, mais importante que suas ferramentas, um saber de como se fazem as ferramentas. O uso das ferramentas que já existem pode ser ensinado. Mas a arte de construir ferramentas novas, para isso há de se saber pensar. A arte de pensar é a ponte para o desconhecido. Na caixa das ferramentas, ao lado das ferramentas existentes, mas num compartimento separado, está a arte de pensar.

Diante da caixa de ferramentas, o professor tem de se perguntar: "Isso que estou ensinando é ferramenta para quê? Para que serve?" Se não houver resposta, pode estar certo de uma coisa: ferramenta não é.
Sobre a "Caixa dos Brinquedos", falo depois…



Rubem Alves – Educador e escritor



rubem_alves@uol.com.br

Autor

Rubem Alves


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