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A Decisão que vale por um ano: A Escolha do livro didático

Plano Nacional do Livro Didático vai investir mais de meio bilhão de reais em 2007 para entregar livros gratuitos a todos os alunos das escolas públicas do país; saiba o que levar em conta na hora da escolha

Publicado em 10/09/2011

por Ricardo Marques

Anos atrás, os professores de português da Escola Municipal Israel Pinheiro, no bairro de Alto Vera Cruz, em Belo Horizonte, sentiram-se desconfortáveis com o livro de português escolhido junto ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

Encravada em um bairro periférico, com a maioria de seus alunos vindos de uma favela, a escola recebera um título com histórias que transcorriam em shopping centers. "Era muito fora do cotidiano dos alunos. Houve críticas de vários professores em razão da inadequação das situações e trocamos no ano seguinte", conta a diretora Geralda Magela Martins, há 20 anos na escola.

Todos os anos, os 112 professores do Israel Pinheiro, que tem 1.580 alunos de educação infantil e ensino fundamental, recebem exemplares das editoras cujas obras foram aprovadas pelo PNLD, as analisam e depois discutem coletivamente, com coordenadoras e direção, quais títulos adotarão no ano seguinte.

O tempo para análise, segundo Geralda, não é o ideal. Mas os professores têm a oportunidade de ver todas as obras disponíveis e escolher. "Em geral, agrada a todos, Apenas um ou outro fica descontente. A única coisa que faQQlta mesmo é um livro específico para a alfabetização de jovens e adultos, que fazemos no período noturno", alerta a diretora.


Senso comum

O relato espelha uma constatação com a qual a maioria dos especialistas concorda: a qualidade dos livros e dicionários distribuídos às escolas públicas do país melhorou muito depois da implantação, em 1985, do PNDL, mantido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Ministério da Educação, com recursos do Orçamento Geral da União e do salário-educação. A lógica que predomina no PNLD é a de transferir ao professor de cada escola, sem ônus para aluno, o direito de escolher o livro adotado a cada ano.

O processo de seleção dos títulos obedece a um edital detalhado. As obras que cumprem as exigências prévias passam pela avaliação de uma comissão de especialistas de universidades, coordenados pela Secretaria de Educação Básica do MEC. Os livros recomendados nas disciplinas básicas (português, matemática, geografia, história e ciências) são, então, divulgados entre diretores e professores das escolas do país inteiro, que indicam os escolhidos, para que o governo os compre. O critério de corte, ou o piso de qualidade, tem se tornado mais exigente a cada avaliação, que se dá de três em três anos.

O processo de escolha dos livros a serem adotados em 2008 já definiu as editoras selecionadas (ver relação na pág. 84). Logo, os professores e diretores das escolas públicas de todo o Brasil receberão o Guia de Livros Didáticos, com a relação dos títulos aprovados no processo de licitação e os comentários sobre cada obra. Esse é o momento decisivo, a bússola que indicará o melhor caminho no processo de aprendizagem das escolas públicas em 2008.

O que interessa nesse instante é que o resultado do trabalho do professor e o desempenho do aluno dependem, sobretudo, do bom senso de quem faz a escolha dos títulos a serem adotados. Para o professor, o livro didático é um guia a ser utilizado durante o ano letivo, uma ferramenta estratégica no processo de aprendizagem e, para produzir o efeito que se espera, requer a aceitação do aluno. Um livro mal escolhido pode comprometer o trabalho de um ano inteiro.


Nilson Lepera, diretor de vendas da Editora Saraiva, defende a criação de um mecanismo que permita recorrer às decisões dos avaliadores: "o MEC não é infalível".

Antes, quando não havia tanta variedade, tudo era mais simples. Poucas opções, e fórmulas que se repetiam: matemática é com tal autor, geografia é com o outro, e assim por diante. De um lado, era confortável: um livro passava de irmão para irmão e o professor se repetia ano a ano, com aparente segurança, porque havia continuidade e o conteúdo não era contestado. De outro, a reduzida concorrência induzia à acomodação e à menor exigência em relação à qualidade.

A partir do PNLD, as editoras acordaram e perceberam que o mercado era grande demais para ser tratado com tão pouco-caso. O governo entrou na briga e ditou normas com o poder de quem paga, decide e demonstra disposição para investir nesse segmento da educação. Os professores perceberam que havia um campo enorme para inovar e enriquecer a aprendizagem. Os alunos, quando tudo dá certo, são os principais beneficiados.

Os números impressionam: em dez anos, de 1994 a 2003, apenas no ensino fundamental, o PNLD gastou R$ 3,2 bilhões para comprar 915 milhões de livros didáticos – num país em que um romance que vende 5 mil exemplares é best-seller -, distribuídos a mais de 35 milhões de alunos matriculados em 173 mil escolas municipais, estaduais e federais. Em 2006, foram investidos R$ 563,7 milhões e, para este ano, prevê-se um gasto de R$ 679,9 milhões. Trata-se de um dos maiores projetos oficiais de distribuição gratuita de livros didáticos e dicionários em todo o mundo, que cresce ano a ano.


Mudanças relevantes

Na prática, o PNLD deu margem a três mudanças decisivas, segundo Egon Rangel, professor do Departamento de Lingüística da PUC-SP e presidente do Litteris – Instituto de Assessoria e Pesquisa em Linguagem: "A primeira foi a universalização do atendimento. Todos os alunos de todas as redes públicas passaram a ser atendidos pelo programa. Embora não receba o livro como propriedade pessoal, cada estudante recebe para uso individual, ao longo de um ano letivo, os livros distribuídos pelo PNLD".

A segunda mudança foi a extensão da abrangência, a partir do momento em que o programa passou a cobrir as cinco disciplinas consideradas básicas no ensino fundamental.

Por último, foi introduzida a avaliação técnica e pedagógica dos livros que as editoras apresentam ao MEC. Antes de 1996, o PNLD não avaliava a qualidade pedagógica do material que adquiria. A partir de certas especificações técnicas e das exigências feitas às editoras, os títulos apresentados eram inscritos no programa. Uma vez organizados em lista oficial, eram oferecidos às redes de ensino, que, assim como hoje, faziam suas escolhas. "Depois que o MEC instituiu a avaliação oficial, o PNLD só oferece às redes as coleções aprovadas, observando-se em cada área um piso de qualidade", diz o professor Egon.

Com a experiência adquirida como membro da equipe responsável pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de 5a a 8a séries e da Comissão Técnica da Secretaria de Educação Básica do MEC e como coordenador do Guia de Livros Didáticos, Egon destaca a importância de apoiar o professor no processo de escolha: "Hoje, em lugar das antigas listas, o MEC faz chegar a todas as escolas públicas do país o guia dos livros, com um volume para cada uma das disciplinas contempladas e resenhas individualizadas de cada coleção aprovada. Além disso, comenta os resultados da avaliação e orienta o processo de escolha, que é de responsabilidade de cada escola ou da secretaria de educação a que ela esteja subordinada".


Maquiagem


Iole Druck, professora do Instituto de Matemática da USP: "Um bom livro tradicional, que se assuma enquanto tal, também pode ser aprovado pelo MEC".

Iole de Freitas Druck, profes-sora do Instituto de Matemática e Estatística da USP e doutora em Lógica na Universidade de Montreal, concorda que houve avanços: "O PNLD provocou uma mudança positiva na qualidade dos livros didáticos. Propiciou a incorporação de uma inovação mais coerente com as propostas dos parâmetros, e isso começou a ter impacto no mercado e na produção dos livros", afirma.

Há, contudo, o outro lado da moeda, resultante de o edital do MEC ser muito extenso e especificar em detalhes os critérios a que a obra deve obedecer, o que o transformou na "bíblia" das editoras que investem no segmento.

"Se, por um lado, certo tipo de proposta pedagógica ganhou espaço no mercado e no imaginário dos autores e das editoras, em detrimento do livro mais tradicional, mais voltado para regras arbitrárias, repetição e memória, por outro lado houve a interpretação de que esses critérios são rígidos e têm de ser seguidos, e aí surge muita maquiagem, muita festa, cor, pseudocontextualização, algumas coisas meio ridículas e sem coerência", alerta Iole.

A preocupação em cumprir os critérios, segundo a professora da USP, não é necessária: "Um bom livro tradicional também será aprovado pelo MEC, desde que se assuma como tal na parte em que explicita seus pressupostos teóricos e metodológicos. Não será excluído se não houver erro conceitual. Só que as editoras acham que devem preencher os critérios, e por isso surgem os equívocos".

Aurélio Gonçalves, diretor editorial da Abril Educação, que comanda duas das maiores editoras brasileiras de didáticos – a Ática e a Scipione -, resume os critérios do edital: "Os livros devem respeitar os princípios educacionais estabelecidos na legislação do país, apresentar clareza e rigor conceitual, ser freqüentemente atualizados e não veicular preconceitos de qualquer espécie. Devem ser elaborados com profissionalismo, respeitando a experiência dos professores, as suas condições de trabalho e a capacidade cognitiva da faixa etária a que se destinem. Devem, ainda, no manual dirigido ao professor, explicitar as concepções pedagógicas em que se baseiam".


Editoras têm queixas

Para o diretor da Abril, houve avanços no setor nas duas últimas décadas: "Graças ao PNLD, o livro escolar se tornou objeto de uso difundido em todo o país. As etapas mais difíceis para o estabelecimento de um conjunto básico de critérios de qualidade do livro escolar já foram vencidas, e os editores se tornaram parceiros importantes no esforço de aperfeiçoamento das obras".

Ressalva, porém, que ainda há muito a melhorar nos critérios e procedimentos estabelecidos e é preciso aprofundar os novos temas que interferem na concepção dos livros – novos parâmetros para o ensino médio e ensino fundamental de nove anos, por exemplo. "Subsistem aspectos ligados à operacionalização dos programas que precisam de aperfeiçoamento, sobretudo no que se refere aos prazos e aos procedimentos cumpridos em cada etapa, em especial as de triagem e avaliação. Essa última questão é controvertida, uma vez que não admite nenhuma defesa por parte das editoras e autores, quando existe discordância com o relatório de avaliação da obra", observa Gonçalves.

Nilson Lepera, diretor de vendas da Editora Saraiva, reitera a queixa: "A única ressalva ao processo de aprovação das obras é a reivindicação dos autores e editores de se criar mecanismos que tornem possíveis o direito de defesa e o direito a recurso após a avaliação, pois o MEC não é infalível e pode cometer enganos".


Livros didáticos versus apostilas


 
Há outras mazelas a serem corrigidas, diz Lepera. A concorrência se torna mais agressiva a cada ano, atraída pelos expressivos volumes de compra. E denuncia: "Em que pese ser um programa de vital importância para a educação e, portanto, para a sociedade, o PNLD vem sendo ameaçado. Muitas prefeituras, principalmente em São Paulo, onde isso ocorre em 129 dos 645 municípios, estão preterindo os livros didáticos de qualidade indiscutível em troca de apostilas editadas pelos sistemas de ensino, de valor, no mínimo, duvidoso, já que não passam por nenhuma avaliação oficial nem são escolhidas pelos professores. Essas apostilas têm preços exorbitantes, até 2.100% a mais do que os livros adquiridos pelo governo federal e entregues sem custo aos municípios".  

Lepera explica ainda que as editoras tiveram de reinventar seus processos para atender ao PNLD, pois o ciclo da operação com o governo é muito diferente. "Os livros de 5ª a 8ª série que concorrem à edição 2008, cuja lista de títulos foi divulgada em abril, foram entregues pelas editoras para análise em maio de 2006, um ano antes de chegar ao mercado".


Veja  a lista das editoras selecionadas no PNDL/2008

Ática – M P G J
Casa Publicadora Brasileira – M
Dimensão – C
Editora do Brasil – M P C
Escala Educacional – P C G H
FTD – M P C G H
Ibep – P C G
Moderna – M P C G H
Positivo – M P C G H
Quinteto –  P G H
Saraiva – M P C G H
Scipione – M P C G H

M – Matemática / P – Português / C – Ciências / G – Geografia / H – História
 

Autor

Ricardo Marques


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