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Entrevistas

A população crê na escola

Mais da metade dos latino-americanos acredita que a educação em seus países vai melhorar nos próximos anos. Para Álvaro Marchesi, secretário-geral da OEI, a resposta estimula exigências pela qualidade educacional

Publicado em 05/11/2012

por Ensino Superior

Entre pesquisas, opiniões e notícias que frequentemente apontam um horizonte sombrio para a escola pública no Brasil e em outros países latino-americanos, passou despercebido um estudo recente que revelou um inesperado otimismo na população desses países. Entre outros dados, o estudo realizado pela organização social Latinobarômetro (com a participação do Ibope, no Brasil) mostrou que, sim, a maior parte da população acredita na melhoria da escola e da educação. Por aqui, apenas 9% dos brasileiros pensam que o ensino vai piorar na próxima década.







OEI Brasil/Arquivo
Álvaro Marchesi: em 2013, a OEI vai apresentar um estudo sobre o desenvolvimento profissional dos professores
O estudo, que ouviu pouco mais de 20 mil pessoas, foi encomendado pela Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), organização de cooperação internacional, e apresentado em setembro durante uma conferência que reuniu ministros da Educação de duas dezenas de países, em Salamanca, na Espanha. Seus resultados sugerem, no mínimo, que é preciso ouvir com mais atenção a sociedade, que continua acreditando na escola pública e nos professores. No Brasil, por exemplo, quase 60% dos entrevistados identificaram a melhora no salário dos docentes como prioridade para o avanço da educação, índice muito superior ao verificado nos demais países. Ao mesmo tempo, apenas 25% dos brasileiros identificam o investimento em instalações escolares como prioridade.
“É um dado muito importante, pois as expectativas positivas são um estímulo para o progresso e uma exigência para que exista um maior cuidado com a educação”, acredita o secretário geral da OEI, Álvaro Marchesi. Há dois anos, a OEI articulou o Projeto Metas 2021, um plano de metas assinado por quase todos os países ibero-americanos, com o sentido de estimular o apoio entre as nações e acelerar as mudanças.

Pesquisador da Universidade Autônoma de Madri, Marchesi é menos conhecido no Brasil do que seus livros (entre eles, O que será de nós, os maus alunos, Artmed) e suas principais obras – como vice-ministro da Educação, Marchesi foi um dos artífices da reforma educacional espanhola, que tanto influenciou a educação brasileira, e da Declaração de Salamanca, que embasou uma nova visão sobre educação especial, na década de 1990.  Foi nessa mesma cidade espanhola que Marchesi concedeu a seguinte entrevista à revista Educação.
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A maior parte dos países latino-americanos comemora, nesta década, o bicentenário de independência. Na educação, o que há para comemorar?
A educação na América Latina vem tendo um desenvolvimento extraordinário. Há mais investimento, mais consciência social de sua importância para o progresso dos países e para o desenvolvimento das pessoas e um crescente compromisso dos poderes públicos. Tudo isso se traduz em taxas de acesso às escolas e melhora de qualidade de ensino. Contudo, há uma história de profundas desigualdades entre as escolas e enormes atrasos em comparação entre os países mais desenvolvidos, que obriga a manter o esforço durante muitos anos mais. Não pode haver qualidade sem maiores níveis de igualdade na oferta educativa a que podem acessar os alunos de diferentes regiões de cada país.


No desenho do Projeto Metas Educativas o senhor visitou todos os países ibero-americanos, por diversas vezes, para tratar das metas comuns possíveis. O que encontrou?
O projeto Metas Educativas 2021 propõe um impulso importante à educação e uma maneira de estreitar a cooperação entre uns e outros países. Praticamente todos os países latino-americanos estão incrementando o financiamento à educação. Mas os enormes desafios e desigualdades da educação não se resolvem somente pelo incremento ao financiamento. Há que acertar também as prioridades e a gestão dos recursos e do sistema educativo. Ademais, não se pode esquecer que a educação escolar não se transforma de um dia para o outro, mas precisa de pelo menos uma década para que as mudanças se manifestem nos indicadores educativos e no progresso dos alunos. O Brasil é um bom exemplo. A educação vem melhorando, mas também melhoraram as condições sociais da população. A confluência de reformas positivas no campo social e educativo é a garantia de êxito. Por isso, o Brasil e seus ministros de Educação assumem uma liderança contínua em fóruns internacionais e suas políticas são uma referência para grande parte dos países ibero-americanos.


Um dos temas principais hoje em todos os países é o chamado Direito à Educação. Essa conquista tem sido associada à oferta de vaga para todos. Contudo, nos tempos modernos, a democratização da educação ganhou outras conotações, como o direito à aprendizagem. Em sua concepção, o que é direito à educação no século 21?
O direito à educação implica que todos os alunos tenham acesso aos bens educativos de forma similar. Isto supõe igualdade de oportunidade no acesso, mas também igualdade nos programas educativos e no processo de aprendizagem. No século 21, é preciso garantir que todos os alunos aprendam a cultura básica do nosso tempo, uma cultura baseada na informação e no uso das novas tecnologias. Para isso, são necessários professores bem formados, recursos suficientes, tempo dedicado ao ensino-aprendizagem e uma estreita colaboração entre as famílias e a escola.

A ideia de qualidade na educação vem sendo associada à eficiência do sistema – em outras palavras, menor reprovação, menor abandono, melhor desempenho nas avaliações padronizadas. Em sua concepção, esta é a visão de educação que deve prevalecer nos debates com a sociedade?
A educação tem três finalidades principais: ensinar aos alunos novos conhecimentos e motivá-los para querer aprender mais; ensinar a conviver com os demais em uma sociedade plural e multicultural, e ensinar a respeitar e defender os valores cidadãos e democráticos. Os desafios que enfrentamos, em parte devido à crise econômica, mas em parte também a razões ideológicas, são de três tipos. Em primeiro lugar, a educação tende a converter-se em uma formação para o emprego, esquecendo outros objetivos importantes; em segundo lugar, a educação escolar se concentra em determinados conhecimentos que logo vão ser controlados em avaliações padronizadas, e se esquecem outros muitos importantes. A arte, a música, os valores, a convivência, por exemplo, não se avaliam, e por isso o compromisso da educação com esses aspectos fica em segundo plano. Em terceiro lugar, a competição entre escolas, estimulada por meio de rankings, conduz muitas vezes à ampliação das desigualdades.


O Pisa é um referencial que está sempre presente em países latino-americanos, entre eles o Brasil. O senhor é um especialista em avaliação. As medidas do Pisa podem ser tomadas ao pé da letra?
É preciso entender o Pisa em seus termos justos: são provas padronizadas sobre determinadas competências dos alunos que se aplicam de forma homogênea em países de situação social e cultural muito diferente. Os resultados não devem espantar: nos países cuja população tem maior nível educativo e cultural, onde existem menores diferenças entre os distintos setores sociais e culturais e existem altas expectativas sobre a educação, os alunos costumam obter os melhores resultados. É possível que os resultados tenham uma certa inclinação em favor dos países desenvolvidos. Mas não devemos nos enganar: é esperável que os países tenham resultados piores porque seus cidadãos estudaram menos, vivem em um ambiente de muitas diferenças sociais e a educação pública ainda precisa melhorar muito. Na Finlândia, por exemplo, que é o primeiro colocado no Pisa, o analfabetismo acabou no final do século 18 e, atualmente, mais de 80% das pessoas maiores de 25 anos estudaram pelo menos até finalizar a universidade. Pensemos no analfabetismo e nível de estudos da população latino-americana. O problema não é apenas que a educação não tenha suficiente qualidade. A questão que limita em grande medida nossos resultados é o baixo nível educativo dos pais, mães, avôs e avós de nossos alunos.


Recentemente, a OEI divulgou o estudo Latinobarômetro, que revelou a aposta que a população faz na melhoria da educação. O dado o surpreendeu?
Há que se reconhecer que o estudo nos surpreendeu: mais da metade da população consultada considera que a educação irá melhorar nos próximos anos. Apenas 10% optaram por dizer que pioraria. Isto significa que os cidadãos confiam no compromisso da sociedade e dos poderes públicos com a educação. É um dado muito importante, pois as expectativas positivas são um estímulo para o progresso e uma exigência para que exista um maior cuidado com a educação. Eu compartilho das respostas dos cidadãos expressas no Latinobarômetro: confiança na melhora da educação, pelo compromisso social e político com ela.


Neste ano, o Projeto Metas Educativas prepara um estudo sobre os professores. Eles são a chave da melhoria educativa?
A qualidade do sistema educativo é proporcional ao nível de qualidade de seus professores. Por isso, vamos apresentar um estudo em 2013 sobre o desenvolvimento profissional dos professores. As respostas obtidas deverão servir para orientar e renovar, se necessário, as políticas educativas na relação com o professorado nos três âmbitos fundamentais: a formação inicial e permanente dos professores, suas condições de trabalho, e seu desenvolvimento profissional e compromisso com a tarefa educativa. Temos de conseguir que a profissão docente seja atrativa e valorizada pela sociedade. Para isso, temos de oferecer uma formação rigorosa, melhorar as condições de trabalho e zelar pelo bom desempenho profissional dos professores.

Autor

Ensino Superior


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