NOTÍCIA

Edição 225

A repetição repetitória

Teremos de repetir ad nauseam, bater na mesma tecla, cantar sempre a mesma cantiga todo o santo dia: o investimento na educação tem de ser prioridade prioritária

Publicado em 12/01/2016

por Gabriel Perissé

 

© iStockphoto

 

Um caçador de citações reconhece com rapidez trechos que, dentro de um texto maior, podem ser extraídos e apresentados como algo que possui vida própria. É o caso dessa regra geral formulada pelo escritor tcheco Milan Kundera, num de seus ensaios:

[…] é necessário lembrar [outra] regra geral: enquanto a realidade não tem nenhuma vergonha de se repetir, o pensamento, em face da repetição da realidade, acaba sempre se calando.

A realidade se repete. A guerra é um desses fenômenos redundantes. Mudam as armas mas a humanidade não para de guerrear.

Desde que o mundo é mundo, repetem-se as lutas pelo poder e as histórias de amor, as dúvidas e as certezas são as mesmas, reconhecemos iguais expectativas e angústias nas pinturas das cavernas e nos GIFs animados. A leitura de autores antigos muitas vezes nos surpreende por sua atualidade. Na verdade, não são atuais. Nós é que continuamos sendo antigos.

Em tempos passados (tantos deles bem passados…), os atores são outros, mas os papéis são os mesmos ontem e hoje. Uma obra literária clássica se apoia na repetição. Sua eventual genialidade está em reapresentar, em reeditar velhíssimos temas. Um psicólogo de avançada idade disse a um grupo de jovens estudantes: “Não se preocupem, os pecados são sempre os mesmos!”.

A medicina multiplica seus exames, diagnósticos e tratamentos, mas a enxaqueca, por exemplo (cujos sintomas Hipócrates, no século 4 a.C., já descrevia), continuará se repetindo em novas cabeças humanas (e rachando-as com tanta dor!), como se tivesse pulado do crânio do imperador Júlio César para o de Miguel de Cervantes, e depois para o de Blaise Pascal, e depois para o de Nietzsche, e mais tarde para o do poeta João Cabral de Mello Neto, que escreveu em homenagem à aspirina:

só a aspirina existe acima
da geografia e seus sotaques.

A vergonhosa situação

A educação é fonte contínua de dores de cabeça. Mas não basta tomar uma aspirina e desistir de falar dos recorrentes problemas que nos afligem. O pensamento precisa continuar pensando na vergonhosa situação em que se encontram milhões de pessoas, em todas as geografias e com todos os sotaques, pela ausência de uma educação de verdade.

Uma educação de verdade (temos de insistir, e insistir, e insistir) exige condições materiais determinadas e determinadas atitudes por parte dos professores e gestores educacionais, bem como dos estudantes e de seus familiares.

Envergonha ver professores à frente de salas de aula com 40 alunos ou mais. Uma cabeça pedagógica benfeita sabe de cor e salteado que o número ideal são 20, e que 25 matriculados numa classe são o limite máximo para que outras cabeças benfeitas possam ser formadas. Que uma turma de 40 alunos se torne duas de 20, e que o professor passe a ganhar o dobro para lecionar melhor nessas duas turmas!

Igualmente sovadas e monótonas são as aulas em que nós, professores, voltamos a reproduzir os erros que criticávamos na conduta dos nossos professores. Não é falta de imaginação nossa adotar instrumentos e métodos de avaliação que voltam a reduzir a inteligência criativa ao uso da memória?

Razão tinha o poeta Mario Quintana ao dizer que “os discípulos de um escritor só conseguem acentuar

os defeitos do Mestre”, o que, traduzido em termos pedagógicos, vale afirmar que uma adequada formação docente consiste em estimular cada professor a descobrir seus talentos pessoais e criar seu próprio estilo comunicacional.

A educação de verdade

Se o eterno retorno é um fato fatídico, saibamos reiterar, sem sentir vergonha, certas verdades de uma educação de verdade.

Uma dessas verdades verdadeiras é que economizar em educação acarreta prejuízos bem calculáveis. Sem intenso investimento na educação haverá mais empobrecimento. A educação empobrecida e fragilizada empobrece e fragiliza o nosso futuro.

O melhor investimento que se pode fazer é sempre investimento educacional. Investir na autoeducação. Investir na educação dos filhos. Investir na educação pública. Investir na educação do povo. Investir em educação é alimentar e vestir o futuro.

Teremos de repetir ad nauseam, bater na mesma tecla, cantar sempre a mesma cantiga todo o santo dia: o investimento na educação tem de ser prioridade prioritária.

A melhor política monetária é investir na educação. O melhor plano de desenvolvimento nacional é investir na educação. A melhor maneira de fortalecer as instituições sociais é investir na educação. Problemas no campo da saúde, da segurança e da mobilidade social podem ser amenizados, e muito, mediante um investimento generoso e corajoso em educação.

Professores sem boas condições profissionais (bons salários, boa e contínua formação, plano de carreira e ambiente de valorização) não professoram bem. E professores que não professoram comprometem a sociedade.

Estudantes que não aprendem a ler e a pensar, a pesquisar, analisar e interpretar, a argumentar e escrever, a criar e agir – estudantes, em suma, que não aprendem a estudar -, serão menos livres e, portanto, menos soberana (e menos poética) será a nação.

Autor

Gabriel Perissé


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