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Da qualidade da educação

E a dificuldade de enxergá-la como um fim em si

Num campo cheio de dúvidas e dilemas como a educação causa perplexidade a existência de algumas certezas que de tão solidamente compartilhadas jamais comparecem ao "Tribunal da Razão", para recorrer a uma imagem cara aos iluministas. É o caso da arraigada convicção de que a escola pública não tem – e parece pouco provável que um dia venha a ter – "qualidade", "verdade" tão evidente que parece insensato e desnecessário colocá-la em juízo. Mas sejamos insensatos.

Como podemos saber se uma escola tem "qualidade"? Seria a "qualidade da educação" uma propriedade primária, como a cor de um objeto, cuja identificação é imediata? Bastaria olhar para a escola para enxergar "qualidade"? Seriam computadores e laboratórios índices inequívocos de qualidade? Qualquer aluno que tenha passado pela experiência de ter tido aula com um bom professor de literatura que interpretou de forma comovente um poema mimeografado numa página borrada sabe quão pouco decisiva é a técnica de reprodução para a excelência da aula. Deixemos de lado, pois, o fetiche do objeto como indicador de qualidade numa atividade que é fundamentalmente a troca de experiências humanas.

Seria, então, a qualidade uma propriedade secundária que, embora não diretamente observável, poderia ser inequivocamente identificada por testes indiretos (a exemplo da tuberculose, cuja ocorrência é atestada pela presença do bacilo de Koch)? E qual seria o bacilo de Koch da "qualidade da educação"? O Enem? Os exames vestibulares mais concorridos das grandes universidades públicas?

Talvez aqui comece o consenso, afinal nossa sociedade parece crer firmemente que a educação não é um fim em si – algo cujo valor é intrínseco, como a amizade ou a ação moral – mas um meio para outro fim: o êxito econômico do indivíduo. Ora, o que é apenas um meio – como o dinheiro – não se busca por si, mas por algo que possa vir a proporcionar. Seria esse o sentido da "qualidade da educação"? Estranho sentido que não se busca por qualquer valor que possa ter por si… Seríamos, então, tentados a considerar um inequívoco êxito educativo a formação de jovens que, não obstante a aprovação em difíceis vestibulares, assistem ou são coniventes com trotes que resultam na humilhação ou na morte de colegas? Ou ainda cuja carreira, apesar de bem remunerada, não tem a menor relevância pública?

Ora, o fato é que a certeza da inexistência de "qualidade" na educação pública resulta, em grande medida, da identificação da "qualidade da educação" como mero meio de se ter distinção e êxito econômico na vida privada. Nesse sentido, trata-se, realmente, de uma meta inatingível. No Estado de São Paulo, por exemplo, há mais de 1,5 milhão de jovens no ensino médio e menos de 3 mil vagas nos cursos superiores mais disputados das universidades públicas. Se nossas escolas públicas tiverem um surto repentino de "excelência", ainda teremos 1.497.000 jovens fora dessas escolas que formam a elite. E a qualidade estará sempre num lugar além. Pairando independentemente de nossas escolhas, nossos esforços formativos, nossas crenças e mesmo de nossas aulas. Ela estará no "mercado de trabalho", em seus ardis, em sua volatilidade voluntariosa. Terá passado das mãos humanas dos educadores para a "mão invisível do mercado". 



José Sérgio Fonseca de Carvalho


Doutor em filosofia da educação pela Feusp

jsfc@editorasegmento.com.br

Autor

José Sérgio Fonseca de Carvalho


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