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Ensino edição 227

Diversidade: a sua instituição já pensou sobre isso?

O mundo corporativo já reconheceu a importância de contratar pessoas com os mais diferentes perfis. No segmento do ensino superior, essa discussão ainda é incipiente, mas deve crescer

Publicado em 03/04/2018

por Paulo Jebaili

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Em setembro de 2016, a professora Márcia Abrahão tornou-se a primeira reitora da história da Universidade de Brasília (UnB), instituição com 55 anos de existência. A então diretora do Instituto de Geociências encabeçou uma chapa que concorreu com outras duas que também tinham candidatas mulheres na composição.

“Ser a primeira reitora da UnB é de uma responsabilidade enorme. Nos últimos anos, nós, mulheres, estamos consolidando a nossa presença no mercado de trabalho e na academia, nos fortalecendo. Entretanto, poucas ocupam cargos de chefia – e isso é verdade tanto na iniciativa privada quanto no setor público e nas universidades. Acredito que o fato de ser a primeira reitora da UnB é simbólico e significativo, como um sinal das mudanças nas relações de gênero”, analisa.

Apesar da conquista, ela ressalva: “Muito ainda precisa ser feito para que a equidade entre homens e mulheres seja efetiva, na Universidade e na sociedade como um todo. Avançar nesse aspecto, dentro da UnB, é um dos legados que pretendo deixar na minha gestão”.

A chegada da geóloga ao topo administrativo da UnB engrossa a presença feminina na alta gestão do ensino superior. Um levantamento do portal UOL com 63 universidades federais do país mostra que 19 reitorias são ocupadas por mulheres.

A expansão também se verifica em outros países. No Reino Unido, onde o ensino superior é predominantemente privado, um levantamento da plataforma Higher Education Intelligence apurou que no período de 2012 a fevereiro de 2016, 19 mulheres foram contratadas para 66 vagas de vice-chancellor, cargo que equivale ao de reitor com funções executivas. Um índice de 29%, após anos estacionado na faixa de 16%.

O recorte de gênero é uma das facetas de um tema que está conquistando espaço nas agendas de várias organizações nos últimos anos: a diversidade. A ideia – que ganhou relevo especialmente nas últimas duas décadas no mundo empresarial – parte do princípio de que quanto mais diversificada for a composição de quadros de uma organização, maior a capacidade para encontrar soluções para os desafios que se apresentam num ambiente cada vez mais complexo.

Há estudos que correlacionam a presença da diversidade à melhora de desempenho das empresas. Uma pesquisa da consultoria McKinsey de 2015, com 366 companhias de capital aberto, da América Latina, Reino Unido, Canadá e EUA, mostra que “as empresas no quartil superior em diversidade racial e étnica são 35% mais propensas a obter retornos financeiros acima da média nacional de seu setor”. No quesito gênero, as companhias com maior diversidade são 15% mais propensas a obter esse tipo de resultado do que as concorrentes.

O setor educacional

Se esse princípio da diversidade faz sentido para a gestão de empresas, como aparece no âmbito das instituições de ensino superior? Não há dados demográficos sobre a presença dos segmentos que compõem os quadros das IES. Mas é possível encontrar manifestações da diversidade no dia a dia de várias delas.

Conceitualmente, a própria ideia de universidade já evoca o sentido de congregação, como explica o filósofo Mario Sergio Cortella. “A universidade tem de ser um lugar de congregar ideias, perspectivas, posturas. Ela não pode ser um lugar de segregar, aquilo que afasta, que retira. Se ela é um lugar de congregar, a finalidade de a universidade ou IES existir é que essa congregação aumente o repertório de alternativas, perspectivas e soluções.”

Segundo Cortella, isso se estende à gestão. “Ter diversidade na universidade, especialmente no campo dos gestores, é uma expressão de inteligência estratégica. Para dar perenidade ao seu futuro, a IES tem de incorporar dentro dos seus níveis de liderança modos plurais de ação, de concepção, de relação, a fim de aumentar o seu estoque de conhecimento”, afirma.

Com mais de 35 anos de vida acadêmica, a percepção de Cortella é que o tema da diversidade na gestão ainda não entrou totalmente no radar das IES, mas deverá ser percebido gradualmente. “Em grande medida, uma parte significativa das instituições sempre foi ligada a grupos e estruturas familiares, que nem sempre são plurais. À medida que há também uma profissionalização da gestão das IES, em que a família fica como conselheira, como guardiã dos valores da fundação, mas não necessariamente como executiva do cotidiano, esta questão passa a ter importância. Não só para o alunado reconhecer-se na gestão, mas para que aquele que é diverso na composição do plural dentro da gestão também seja capaz de debruçar-se sobre questões que são específicas”, diz.

Com mestrado em diversidade humana pela FGV-SP, onde é professor, Rodrigo Mendes explica que o contexto da diversidade tem origem em uma série de fatores, como legislações decorrentes de mobilizações sociais, globalização das empresas, estruturas de trabalho multifuncionais e políticas de responsabilidade social corporativa.

“Os grandes programas, os grandes investimentos nesse tema vêm ainda das grandes corporações, especialmente com matrizes fora do Brasil, que têm uma história de pressões sociais, mobilizações, que nasceram nos EUA na década de 1960. O que temos aqui é muito o reflexo do que avançou lá”, diz. Sobre as IES, ele tem uma hipótese. “Como as faculdades aqui são grupos mais regionais, mais familiares, acho que leva um tempo maior para o assunto chegar a reverberar”, supõe.

A importância do planejamento

Apesar de estudos sinalizarem que empresas fiquem mais competitivas em alguns aspectos ao cultivar um ambiente de diversidade, Mendes ressalva que não se trata de uma relação de causa e efeito. “A presença da diversidade, por si só, não garante o aumento da performance. O que existe é uma potencial geração de benefício que convive com uma potencial geração de ruídos, de dificuldade. Aí que entra o papel do gestor”, observa.

Nessa perspectiva, ele aponta as potenciais vantagens: “O que se fala, por meio de pesquisas, é que tendo uma riqueza maior de backgrounds, de histórias, de competências, de pontos de vista, existe uma chance maior de a empresa entender o seu mercado, as necessidades do cliente. E também ter potencial de criação, de inovação, de solução de problemas mais amplo na sua equipe”.

Mas, para que esses fatores venham à tona, é imprescindível a presença da gestão. “Alguns estudos sinalizam que as empresas se tornam mais criativas, mais inteligentes, desde que planejem, acompanhem, gerenciem. Porque há casos de empresas que investiram nessa questão de ser diversa, mas não houve gerenciamento e o resultado foi tiro no pé: conflito interno, turnover, evasão”, alerta.

De todo modo, a pauta diversidade vai surgindo de formas variadas no cotidiano acadêmico. Em junho de 2017, foi o tema do encontro de reitores, realizado pelo Santander Universidades e Universia Brasil, evento que acontece de duas a três vezes por ano. O diretor do Santander Universidades, Ronaldo Rondinelli, explica que o enfoque foi voltado para a empregabilidade. “Promover um debate sobre diversidade com reitores de renomadas instituições de ensino superior é um convite à reflexão que fazemos sobre como estamos preparando uma geração de jovens para o mercado de trabalho em constante transformação, e como a diversidade é importante para empregabilidade no século 21.” E acrescenta: “O futuro é composto de múltiplas escolhas e as organizações precisam de alguma forma refletir a multiculturalidade que vemos em nossa sociedade.”.

Universo estudantil

No que diz respeito às relações com alunos e comunidades externas, os exemplos de promoção da diversidade são relativamente frequentes nas IES. Na Universidade Cruzeiro do Sul, o tema é evocado para se referir ao universo de alunos que chega à instituição. De acordo com a reitora Sueli Marquesi, além de toda a diversidade de gênero, etnia, raça e idade, eles também carregam muitas diferenças na formação básica. “Muitos chegam com dificuldade e nós temos de superar esse problema para que eles possam acompanhar o processo de aprendizagem, avançar e alçar outros patamares profissionais”, diz.

Ela conta que a instituição tem três projetos que, em linhas gerais, identificam dificuldades na formação dos alunos e oferecem reforços em comunicação e matemática. “É uma forma de evitar a evasão e uma ‘quebra’ na vida do aluno”, diz a reitora. Outra ação que ela considera em linha com o tema da diversidade é a criação de um curso a distância de Licenciatura em Educação Inclusiva, previsto para o ano que vem.

Nas Faculdades Rio Branco, a inclusão de alunos com deficiência auditiva é divulgada como uma marca da instituição. A presença de intérpretes de Libras se dá desde a abertura da instituição, há 18 anos. Segundo o diretor-geral Edman Altheman, esse suporte é uma herança do Centro de Educação para Surdos Rio Branco, outra entidade mantida pela fundação. “A gente aproveitou esse conhecimento de Libras e o incorporou à instituição. Hoje temos dez alunos surdos em turmas diferentes e dez intérpretes”, explica. “O professor que ensina Libras é surdo, assim como a professora que o antecedeu. Temos funcionários contratados com problemas de mobilidade e fala. Essa ideia de inclusão é um valor da instituição”, complementa.

A questão de gênero também ocupou o calendário de várias escolas, com debates sobre questões LGBT ou semanas da diversidade. A propósito, para o Enem de 2016, 842 inscritos pediram para usar o nome social, aquele em que pessoas trans ou travestis preferem ser identificadas enquanto o registro civil não é adequado à sua identidade. De acordo com a assessoria de imprensa do Inep, só 408 tiveram o pedido aceito porque cumpriram os requisitos (o envio de documentos exigidos dentro do prazo). Em 2014, o número de pedidos foi de 102 e no ano seguinte, 278.

Aos poucos, o cotidiano vai mostrando que universidade e diversidade formam mais que uma rima.

Autor

Paulo Jebaili


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