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Dupla regulação

CAPA | Edição 203 Instituições que têm ou pretendem ter graduação em direito devem atender tanto às diretrizes do MEC quanto às da OAB; além de gerar regras mais rígidas, atuação conjunta entre os dois órgãos culminou com a proibição de novos cursos por Marina […]

Publicado em 19/10/2015

por Redação Ensino Superior

CAPA | Edição 203

Instituições que têm ou pretendem ter graduação em direito devem atender tanto às diretrizes do MEC quanto às da OAB; além de gerar regras mais rígidas, atuação conjunta entre os dois órgãos culminou com a proibição de novos cursos

por Marina Kuzuyabu

Getty Images

Por volta do mês de abril deste ano, os diretores das Faculdades Integradas Padre Albino, localizadas em Catanduva (SP), receberam um comunicado da OAB de São Paulo anunciando a realização de uma visita técnica para avaliar o curso de direito. O informe não mencionava qualquer participação do Ministério da Educação, o órgão oficialmente responsável por tais atos de verificação e que, inclusive, havia feito recentemente uma avaliação in loco e atribuído o conceito de curso (CC) 5. O coordenador pedagógico do curso também já havia ido a Brasília apresentar o projeto pedagógico a membros da OAB federal, que deram parecer satisfatório ao programa. Por causa de todos esses aspectos, a visita da OAB regional foi recebida com reservas. “O processo de avaliação já tinha se encerrado. Foi um ato totalmente fora de propósito”, desabafa Antonio Carlos de Araújo, coordenador pedagógico da instituição e assessor educacional da Fundação Padre Albino.

O diretor da Faculdade Itaituba, no Pará, também ficou surpreso ao saber que teria de ser analisado pela seccional de Santarém da OAB. A surpresa veio do fato de que essa etapa também não havia sido informada pelo MEC quando pediu autorização para o curso de direito. Por volta de 2007, o ministério chegou a lhe conceder parecer favorável depois de avaliar o projeto pedagógico, a qualidade do corpo docente e as condições da instituição, que havia montado uma biblioteca completa, construído uma sala de atendimento jurídico e estabelecido parceria com o fórum local. De acordo com o diretor Abel Huyapuam de Sá Almeida, bastava a publicação do deferimento no Diário Oficial para que a instituição iniciasse o processo seletivo das vagas. “Porém, no meio do processo, foi estabelecido que eu precisava do parecer da OAB regional. Ficamos esperando até que, em 2010, tivemos um parecer contrário. Perdi todos os investimentos realizados”, revela. Sem obter sucesso nos recursos apresentados, Almeida finalmente arquivou o pedido.

Esse é o ambiente regulatório sob o qual vivem instituições de ensino superior que oferecem ou desejam oferecer graduação em direito. Além de atender às diretrizes do MEC e passar por sua avaliação, as IES ainda têm de se submeter ao crivo de um segundo órgão, a Ordem dos Advogados do Brasil.

Parceria histórica

A atuação conjunta entre as duas instituições não é novidade. Há aproximadamente três décadas, o conselho federal tem sugerido propostas ao governo para melhorar a qualidade do ensino jurídico e, pelo menos desde 2001, o órgão tem o direito de se manifestar nas situações em que são solicitadas autorização, expansão de vagas e/ou reconhecimento de cursos de graduação. Também não é exclusividade da OAB esse trabalho conjunto com o MEC. O Conselho Nacional de Saúde também opina na regulação dos cursos de medicina, odontologia e psicologia.

O que chama a atenção são os contornos que a parceria está tomando. Em abril de 2013, o MEC estabeleceu um acordo de cooperação técnica com a OAB e proibiu a abertura de novos cursos de direito. A medida já se estende há dois anos e meio e não há previsão de quando será suspensa. “O fechamento do protocolo abre uma discussão quanto à inconstitucionalidade do ato. Se a educação é livre à iniciativa privada, não pode ter fechamento de protocolo”, ressalta Ivan Dias da Motta, que integrou a subcomissão de direito do Conselho Consultivo do Programa de Aperfeiçoamento dos Processos de Regulação e Supervisão da Educação Superior (CC-PARES).

Quanto à participação das seccionais da OAB, ela foi estabelecida pela própria entidade, que em 2008 editou a Instrução Normativa nº1/2008 para regulamentar os procedimentos e critérios para manifestação da Comissão Nacional de Ensino Jurídico, composta por membros do próprio conselho.  Como explica Dircêo Torrecillas Ramos, presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB de São Paulo, a participação tanto da OAB federal quanto das seccionais não é redundante ou exagerada. A primeira analisa o Projeto Pedagógico e o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), que depois atribuiu às regionais a tarefa de verificar determinados aspectos.

Embora reconheça a raridade dos casos, Ramos denuncia que há instituições que alugam uma biblioteca inteira antes de serem avaliadas e outras que mantêm professores contratados em regime diferente do informado ao MEC.  As visitas são realizadas em todos os casos para verificar irregularidades como essas, afirma.

Excesso de advogados

O endurecimento da regulação é atribuído ao excesso de cursos no país e, portanto, de bacharéis. Enquanto em 2003 existiam 704 graduações em direito no Brasil (359 em instituições particulares e 113 em públicas), em 2013 esse número saltou para 1.149 (967 em particulares e 182 em públicas). A notável expansão de 61%, contudo, não ficou restrita à área jurídica. Considerando o mesmo período, o número de cursos presenciais no Brasil saiu de um patamar de 16.453 para 32.049 (alta de 94%). Vale considerar, no entanto, que hoje o curso de direito é o que detém o maior número de matrículas na rede privada: 677.875, contra 557.948 em administração e 213.142 em pedagogia, que ocupam o segundo e o terceiro lugares, respectivamente. Na rede pública, o curso de pedagogia é o que apresenta o maior número de matrículas: 106.429 contra 91.298 em direito e 85.121 em administração.

Por outro lado, embora o curso forme um número alto de profissionais, não são todos que vão exercer a advocacia depois de formados. A graduação também se destina a muitos objetivos, como ressalta José Roberto Covac, diretor jurídico do Semesp. Contadores, empresários de vários setores e economistas são exemplos de profissionais que procuram o direito para obter uma formação complementar. Há que somar ainda os candidatos a concursos públicos e aqueles que vão para uma segunda graduação por interesse pessoal no tema. “A quantidade deve ser observada dentro desse contexto”, pondera.

Além disso, o próprio Exame de Ordem, obrigatório para todos os que pretendem exercer a advocacia, já exerce o papel de reduzir o estoque de profissionais. “Portanto, não há justificativa para essa decisão de fechar o protocolo de autorização de cursos sob o argumento de que há muitos advogados”, ressalta. “Não é improvável que a gente tenha de criar um ‘Mais Advogados’ no futuro”, observa.

O acordo de cooperação técnica, aliás, mencionava o objetivo de identificar periodicamente a demanda quantitativa e qualitativa de profissionais do direito. Em entrevista concedida por e-mail, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, presidente nacional da OAB, não informou como esse levantamento foi ou será realizado, mas declarou que em nenhuma região do Brasil haverá escassez de profissionais. O MEC não quis conceder entrevista.

Sem uma estimativa de quando o governo reabrirá os protocolos de autorização, instituições como a Facer vão adiando seus planos. Localizada em Jaraguá (GO), a faculdade planeja criar uma graduação em direito com, inicialmente, 100 vagas. De acordo com o diretor Marcos Terra, há uma grande demanda pelo curso, embora a cidade tenha menos de 50 mil habitantes. “Todos os dias, em torno de 10 ônibus deixam a cidade rumo a Anápolis (a 76 km, aproximadamente) para levar os estudantes que cursam direito naquela cidade”, informa.

Mudança de regras

Além de restringir a expansão de cursos, o acordo de cooperação técnica também gerou mais um fruto, a portaria nº 20 de 19 de dezembro de 2014. O documento estabelece os procedimentos e o padrão decisório para os pedidos de autorização em trâmite no MEC. Tendo em vista que não foram feitas novas solicitações depois de março de 2013, os novos requisitos se aplicam aos processos abertos antes disso e que ainda estavam ou estão pendentes. À época, eram 88. De acordo com o ministério, nesse meio-tempo 32 foram deferidos e 36 indeferidos. Há ainda 22 ainda em análise.

A portaria traz mudanças importantes para as instituições, sendo uma delas a elevação do conceito de curso de 3 para 4, sendo que cada uma das dimensões deverá ter conceito igual ou maior que 3. “A graduação em direito é a única que tem de apresentar CC 4. Por que esse tratamento especial?”, questiona Covac.

O parecer do conselho também ganhou importância, pois caso seja desfavorável, a IES terá de apresentar Índice Geral de Cursos (IGC) ou Conceito Institucional (CI) maior do que 4 (nos demais casos basta IGC ou CI igual ou maior do que 3) e conceito igual ou maior que 4 em cada uma das dimensões do CC (3 é suficiente nos outros casos). Ou seja, embora uma manifestação contrária por parte da OAB não desclassifique automaticamente a IES, ele acrescenta um grau extra de rigor. O único caso em que a instituição prescinde desse parecer é quando o CC for igual a 5.

Ivan Motta reconhece que a definição de critérios para a abertura de novos cursos é um direito daqueles que definem as políticas públicas. “O problema está em mudar as regras no final do jogo”, aponta. As IES passaram a ser analisadas com critérios diferentes daqueles utilizados quando fizeram o pedido. “Têm processos tramitando há seis anos, aproximadamente. O impacto disso para o setor privado é muito grande. Muitas IES já tinham parecer favorável do MEC. Afinal, quando elas protocolaram o pedido, o padrão avaliativo era um e ele foi seguido. O antigo padrão, no entanto, foi suspenso e substituído por outro. Essa é uma atitude ilegal”, pontua.

Como o tempo de tramitação dos processos é excessivamente longo, algumas instituições ainda têm de passar por mais de uma mudança ao longo do processo.  A Faculdade Orígenes Lessa, de Lençóis Paulista (SP), pediu autorização para o curso de direito em 2012 e até hoje não conseguiu a autorização. O périplo ganha ares de novela conforme são detalhados os estágios pelos quais a instituição passou.

Feito o pedido, a faculdade foi avaliada pelo Inep meses depois. Em agosto de 2013, foi atribuído o CC 4. O parecer da OAB, no entanto, só chegou em abril de 2014 e, para piorar, veio desfavorável por causa do porte da cidade. A instrução normativa da OAB estabelece que a cidade deve ter, no mínimo, 100 mil habitantes, embora sejam considerados dados relativos à área equivalente a um raio de 50 km do município. Segundo Marcelo Mascarenhas Ribeiro, diretor acadêmico da instituição, a somatória da população dos municípios vizinhos totaliza 350 mil habitantes. A instituição recorreu à Comissão Técnica de Acompanhamento da Avaliação (CTAA) do Inep, que desqualificou o parecer, feito em um prazo superior a 60 dias, como definem as regras.

O caso que parecia estar perto de uma conclusão sofreu uma nova reviravolta com a publicação de uma portaria estabelecendo novos critérios para o curso. Até que a instituição pudesse se readequar, foi divulgada mais uma alteração, a portaria de 2014. O processo agora está sendo analisado pelo Conselho Federal de Educação, em paralelo a outros indeferimentos.

“Os investimentos já realizados giram em torno de R$ 168 mil. Mas de 35% a 45% do acervo da biblioteca já está defasado. Além das perdas financeiras, ainda temos de lidar com o desgaste de imagem. Já tínhamos iniciado parcerias com a prefeitura, com o fórum, com escritórios de advocacia. A cidade inteira sabe que o pedido foi feito e que até agora não conseguimos obter a autorização. Atendemos todos os requisitos legais e, apesar disso, não é essa a imagem que fica”, pontua o diretor.

Quando o MEC reabrir o protocolo de autorização, o que deve ocorrer após a definição de novas diretrizes curriculares e da reforma do instrumento de autorização (leia texto acima), é possível que outros requisitos sejam definidos, reforçando o cenário de insegurança jurídica.

 

Mais mudanças a caminho
O debate em torno do novo marco regulatório do direito e da reforma do instrumento de avaliação 

Há dois anos e meio, o MEC não recebe pedidos de autorização de cursos de direito. Questionado sobre quando a medida será revogada, o governo informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o protocolo “somente será reaberto após a definição do novo instrumento de avaliação do direito e do novo marco regulatório para analisar esses processos, ainda em fase de elaboração e debate na Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) juntamente com a OAB”.

Esses dois projetos – o marco regulatório e o novo instrumento de avaliação – começaram a ser discutidos em 2013 com a criação, pela CC-Pares, da Câmara Consultiva Temática de Política Regulatória do Ensino Jurídico. Ela foi composta por membros da Seres, além de representantes da Secretaria de Educação Superior, OAB, Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Ministério da Justiça, Associação Brasileira do Ensino do Direito (Abedi) e Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular. Especialistas no ensino jurídico e docentes de IES brasileiras e estrangeiras também foram convidados a colaborar.

As discussões em torno do margo regulatório se concentraram notadamente na revisão das diretrizes curriculares. De acordo com relatório gerado pela Câmara Consultiva, estão entre as sugestões dar mais ênfase ao estágio curricular supervisionado, transformando-o em componente curricular obrigatório e objeto de acompanhamento pela instituição de ensino, para citar algumas medidas.

Reconhecendo que os trabalhos de conclusão de curso se converteram em “um procedimento de pouca expressividade na formação do egresso”, foi proposto um aprimoramento do modelo para que ele possa contemplar, por exemplo, a realização de um “trabalho social como sucedâneo de um texto escrito”.

Quanto aos conteúdos curriculares mínimos, a Câmara indica a inclusão de novos conteúdos no atual currículo, como direito eleitoral, direito de tecnologia da informação, mediação, conciliação e arbitragem, além da reintrodução do direito romano e da história do direito.

Avaliação

Uma subcomissão da mesma Câmara Técnica também se debruçou sobre a avaliação dos cursos de direito. A primeira proposta do grupo é criar um instrumento específico, com indicadores especiais para o curso de direito.
Outra proposta de impacto é mudar a periodicidade do Enade, de trienal para anual. Se aprovadas as sugestões, o exame também gerará resultados individualizados por aluno, com direito à inclusão no histórico escolar, e adotará a metodologia da Teoria de Resposta ao Item (TRI). A “aproximação entre o MEC e a OAB no que diz respeito ao Enade e ao Exame de Ordem” é outra sugestão listada, mas não detalhada.

Como informou o MEC, as indicações feitas pela comissão agora estão sendo avaliadas pela Seres, que por sua vez encaminhará ao Conselho Nacional de Educação as questões relativas às diretrizes curriculares nacionais, e à Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes) a pauta da avaliação. Esta ainda, depois de dar um tratamento à questão, direcionará o documento também ao CNE.

Não há informação quanto à forma que estão tomando as sugestões. De acordo com o MEC, como os temas ainda estão sendo debatidos, não há qualquer informação que possa ser divulgada. Também não há previsão de quando o CNE receberá as pautas para votação. Sabe-se que haverá mudanças, só resta saber quando.

 

Enade x Exame da Ordem
De acordo com mais recente relatório Exame de Ordem em números, produzido pela FGV com base nas últimas 12 edições da prova, a taxa média de aprovação na prova da OAB foi de apenas 17,5%. Os dados são frequentemente mencionados quando se discute a qualidade das instituições de ensino que oferecem graduação em direito. Os números são preocupantes, mas, para alguns especialistas, é preciso tomar cuidado ao usar a prova como indicador de qualidade de ensino. Ivan Motta, que também é docente do Centro Universitário Cesumar, afirma que o Exame de Ordem não tem o tratamento estatístico adequado para esse fim. Prova disso é que os resultados não permitem comparar o desempenho dos estudantes recém-formados com o dos demais candidatos. “Pense no caso do aluno que há dez anos faz cursinho e não consegue passar. A ‘culpa’ é da faculdade ou do cursinho? Se simplesmente a OAB fizesse essa depuração, teríamos um índice muito alto de aprovação entre os recém-formados”, acredita. Pelo fato de existir um acordo de cooperação técnica com o MEC, foi proposta à OAB a utilização do Enade como substitutivo da primeira fase do Exame de Ordem. A sugestão foi feita durante as reuniões da subcomissão de direito do Conselho Consultivo do Programa de Aperfeiçoamento dos Processos de Regulação e Supervisão da Educação Superior (CC-PARES).  “Nessas condições, os alunos certamente fariam o Enade e se interessariam em ir bem na prova – o que traria resultados para a IES”, destaca. De acordo com o relatório gerado pela subcomissão, há a intenção de aproximar os dois exames, porém, o documento não dá pistas sobre a concretização dessa alternativa.

 

Autor

Redação Ensino Superior


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