NOTÍCIA

Ensino edição 241

“É preciso ter amor na educação”

Fundador da primeira instituição de ensino gratuita sul-africana, Taddy Blecher afirma que o ensino tradicional não desenvolve plenamente as pessoas

Publicado em 27/08/2019

por Marina Kuzuyabu

Taddy-Blecher-africa-do-sul Taddy Becher: críticas ao modelo de

Taddy Blecher é considerado um pioneiro – ou herói, dependendo de quem fala – em seu país, pois foi ele quem fundou a primeira instituição de ensino superior gratuita da África do Sul. Batizada Instituto Maharishi, a escola criada em 1997 já formou mais de 18 mil pessoas por meio de um sistema autofinanciável. São os egressos bem-sucedidos que sustentam os estudantes em formação. E eles não são estudantes quaisquer.

Quando Blecher criou o Maharishi, seu plano era dar oportunidade justamente àqueles que não conseguiam entrar na faculdade. Ele se voltou aos jovens mais desfavorecidos do ponto de vista econômico, social e cultural e lhes ensinou uma profissão. Como um modelo de ensino que aposta na aprendizagem ativa, em parcerias com o setor produtivo e no desenvolvimento da consciência por meio da meditação transcendental , hoje o Instituto Maharishi tem egressos espalhados por diretorias de grandes empresas locais e globais. Um dos reconhecimentos ao trabalho de Blecher veio do Fórum Econômico Mundial, que o apontou como um dos Líderes Globais do Amanhã (Global Leaders of Tomorrow) e um dos Jovens Líderes Globais do Mundo (Young Global Leaders of the World). Ele também passou a integrar o corpo docente da Singularity University, que o trouxe ao Brasil para participar do SingularityU Brazil Summit.  Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida à Ensino Superior. 

O que é o Instituto Maharishi e como ele foi criado?

Nós começamos do nada. Nós nunca recebemos um centavo do governo. Somos uma organização privada sem fins lucrativos e nossa meta é transformar o país mudando o sistema de ensino. Também queremos dar acesso ao ensino superior porque acreditamos que precisamos dobrar, quadruplicar a classe média. Porém, isso não envolve apenas ensinar estatística, contabilidade, programação ou engenharia. O que realmente importa é desenvolver o ser humano, seu propósito de vida, sua capacidade de sonhar com um futuro diferente, sua criatividade, sua maneira de aprender, o respeito por si mesmo, o respeito pelas outras pessoas.

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Nossa sociedade tem muitos problemas. Tal qual o Brasil, temos desigualdade, crimes, violência, toxicodependência, alcoolismo, populismo político. E por que isso acontece? Porque as pessoas nunca foram desenvolvidas totalmente. O que nós nos propusemos foi justamente provar como isso pode ser diferente. Não abandonamos a educação tradicional e, assim como outras instituições, temos aulas de estatística, finanças, programação, engenharia e tudo mais. Mas, junto com isso, também ensinamos as pessoas a desenvolverem a consciência e o coração.

Quando começamos, todos diziam que éramos malucos e que aquelas crianças e jovens precisavam de outro tipo de preparo, pois o destino delas era trabalhar no campo, polir sapatos ou, na melhor das hipóteses, trabalhar como secretários. Nós dizíamos: Não, eles vão se tornar CEOs de empresas, vão se tornar engenheiros, contadores, banqueiros, programadores”. Nós nos focamos naquelas pessoas que não podiam ir para as universidades públicas – e não apenas por causa do dinheiro, mas porque suas notas eram muito baixas – e provamos que elas podem fazer qualquer coisa na sociedade, embora as pessoas dissessem que elas iriam desistir, que eram intelectualmente incapazes, que não conseguiriam um emprego. Tudo isso se provou errado. Nossos alunos têm ótimo desempenho acadêmico e temos uma das maiores taxas de empregabilidade da África do Sul. Entre 95% e 100% dos nossos egressos estão empregados.

Quantas pessoas começaram com você?

Somos três sócios e estamos juntos há mais de vinte anos. Primeiro, nós começamos a trabalhar nas favelas com as crianças mais pobres das escolas. Não tínhamos nosso próprio instituto e trabalhávamos em parceria com as escolas. Com a nossa abordagem de desenvolvimento da consciência, conseguimos, em nove escolas, aumentar em 25% a nota dos alunos. Nas escolas que não receberam a nossa abordagem, as médias subiram apenas 1% durante um período de três anos. Foi a partir desses resultados que vimos que tínhamos algo importante nas mãos.

Escutamos muitas vezes que a prioridade era conseguir livros para as escolas, mas nós insistíamos que educação diz respeito a corações e mentes. Ensinamos meditação, ensinamos as pessoas a ter visão. Foi essa experiência que nos deu a ideia de criar a primeira universidade gratuita do país. Somente agora, neste ano, é que o governo introduziu o ensino superior gratuito. Mas há 20 anos isso não existia. Fomos nós que lideramos esse movimento. Hoje temos seis universidades gratuitas e ótimos resultados. Nossos egressos ocupam cargos de direção das empresas, são líderes. Tem gente que fica chocada e pergunta como isso é possível. É possível porque os seres humanos são ótimos. Só é preciso quebrar o ciclo da pobreza. Somos, de longe, o maior fornecedor de talentos da Accenture em Johanesburgo e Durban em comparação com todas as universidades, incluindo aquelas que têm cem anos, as grandes e famosas universidades.

Taddy Becher educação gratuita
Taddy Becher: críticas ao modelo de Harvard, Yale e Stanford. São elitistas e não transformam a sociedade (foto: divulgação)

Quais cursos vocês oferecem?

Somos uma escola de negócios e, além da graduação em Administração, também oferecemos especializações e programas de certificação em parceria com empresas e indústrias para pessoas que queiram se aprofundar em áreas específicas, como segurança cibernética. Sendo assim, eles podem sair com o diploma mais uma certificação. Uma parte importante da formação acontece fora do Instituto. Durante três anos, eles trabalham, pois acreditamos muito que as pessoas aprendem fazendo coisas na prática. Desse modo, todo estudante sai com um currículo. Nossa formação não é exclusivamente teórica.

Como funciona essa parte prática?

Eles vão trabalhar na Accenture ou em uma companhia de seguros ou em um banco. Temos muitas empresas parceiras e eles passam quatro horas por dia em uma delas e são remunerados por isso. Contudo, metade do valor é destinado ao financiamento de outro aluno. E quando eles se formam, se estiverem empregados, eles doam um décimo do que ganham para ajudar outro aluno.

Por quanto tempo isso?

O tempo que for necessário para financiar os estudos de outro aluno. Mas eles só pagam se forem bem-sucedidos. Se não tiverem sucesso, não pagam. O nosso modelo, portanto, só funciona inteiramente se tudo correr bem; não podemos ter desistências nem fracassos. Só podemos produzir pessoas de sucesso. Dessa forma, tudo tem de ser pensado de maneira diferente, pois a universidade não recebe dinheiro do governo e os estudantes não têm dinheiro para pagar mensalidades. Eles pagam apenas US$ 12 por mês para, ao final, receber o diploma e as qualificações sul-africanas. Eles também fazem os exames do setor, como o Microsoft SMP, além de terem alimentação, livros, materiais, acesso a programas de desenvolvimento de liderança, de desenvolvimento da mente etc.

Tudo isso combinado custaria em torno de US$ 100 mil, lembrando que eles têm um diploma americano, globalmente reconhecido. Os alunos pagam uma ínfima fração disso, mas, em compensação, precisam financiar outra pessoa. Nosso verdadeiro custo é de cerca de US$ 1,7 mil dólares por ano para fornecer tudo isso, mas estamos trabalhando para baixar nosso custo para 500 dólares.

Vocês também pretendem aumentar o número de alunos atendidos?

Nós atraímos muitas pessoas, mas ainda estamos crescendo. Nosso sonho é ser tão grande como o grupo Anima [o evento foi realizado pela HSM, ligada ao grupo educacional] porque precisamos desenvolver a classe média da África do Sul e provar, mais enfaticamente, que o antigo modelo de Harvard, Stanford e Yale é elitista,  absurdamente caro e ineficaz para a condução de transformações sociais. Se eles estão interessados nos gênios, nós queremos criar grandes pessoas e grandes líderes, ainda que tenham abandonado a escola, ainda que tenham sido crianças de rua e tenham histórico de vício em drogas.

Vocês têm dificuldades para contratar professores?

Sim. Por isso muitos de nossos professores são graduados em nossa instituição. Eles já emanciparam suas mentes. A maioria dos professores só quer ensinar os melhores alunos da turma; todos os demais são ignorados. Para nós, isso é uma falha na educação. Todo mundo é valioso, todo mundo é único, todo mundo aprende, ainda que de formas diferentes. Os jovens que chegam descrentes de suas possibilidades precisam ser acolhidos. Precisam encontrar alguém que acredite neles, que os respeitem. É preciso ter amor na educação.

Como acontece essa transformação das pessoas?

Todo ser humano tem sua grandeza, mas a educação nunca a desenvolve. Temos potencial para 100 trilhões de conexões no cérebro, mas apenas uma pequena parte dele é usada. Porém, se você desenvolver o cérebro, o QI (Quociente de inteligência), o QE (Quociente emocional), o QS (Quociente espiritual), o funcionamento cognitivo, tudo muda. É como um computador, cuja velocidade de processamento pode subir, cuja memória pode melhorar e assim por diante. O cérebro humano também pode melhorar, mas isso não acontece quando ele é usado para memorizar o que está nos livros. Nós trabalhamos com metacognição, pois queremos que os estudantes atinjam o grau de maestria. Este deve ser o verdadeiro objetivo do aprendizado.

Além da memorização, você também fez críticas às provas. Não há provas no Instituto Maharishi?

Nós não acabamos com as provas, mas os alunos podem realizá-las com o livro aberto, pois o desafio não é memorizar conteúdos, mas sim resolver problemas, usar o conhecimento para um propósito. Nós também buscamos despertar a paixão dos alunos, pois, quando você se apaixona por algo, o conhecimento se torna útil. Nesse estado, todo mundo quer aprender. E não há problema com o aprendizado, porque aprender é fácil.

E de onde surgiu a ideia de realizar sessões de yoga e meditação antes das aulas? Você é um praticante?

Sim, absolutamente. O nome da minha instituição é Maharishi porque a educação que defendo é uma educação baseada na consciência. Somos seres humanos e o que é esse ser? É o estado fundamental da consciência, é como o estado básico da mente. Nesse nível da mente, tudo é possível. Se um aluno aprende a pensar a partir desse nível de consciência, ele pode se desenvolver muito mais e alcançar níveis elevados de criatividade e felicidade. No momento em que você dá a um aluno a oportunidade de acesso a esse estágio dentro de sua própria mente, de atingir essa percepção total, tudo muda. É como se você colocasse óculos. A maioria de nós, contudo, está dormindo. Essas pessoas não ouvem os pássaros, não enxergam as árvores, não veem a beleza. Elas estão apenas presas em uma consciência muito estreita, e é por isso que os jovens de hoje não estão desenvolvendo plenamente o córtex pré-frontal.

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Esse processo de transformação leva quanto tempo?

É tudo muito rápido. Em seis meses, as pessoas ficam menos deprimidas, com menos raiva, com menos medo. Publicamos um estudo sobre isso na revista internacional Psychological Reports em que mostramos uma queda significativa nos índices de depressão e estresse pós-traumático nos estudantes que chegavam nessa condição. Este transtorno de estresse pós-traumático é um grande problema, pois a vivência nas ruas, em comunidades violentas, equivale para muitos jovens à vivência de uma guerra. E quando eles atingem esse nível de estresse, eles não conseguem estudar; suas mentes se tornam obcecadas com questões de segurança e violência. Nesses casos, o trabalho a ser feito é criar uma mente livre.

Esse deve ser o verdadeiro ponto de partida da educação. Imagine um fazendeiro que queira iniciar uma plantação. A primeira coisa que ele precisa fazer é tornar o solo fértil, pois, do contrário, todo o trabalho que vier depois – a semente, a água – será em vão. A educação, contudo, não faz isso. Ela não prepara a mente dos alunos e, muitas vezes, trabalha em solo estéril.

Como você chegou a essa abordagem?

Eu estava na universidade, estudando ciências atuariais, e sofria porque estava sempre exausto. Por mais que eu estudasse, eu também não conseguia entender nada. Foi assim que eu perdi o terceiro ano da faculdade. Nessa mesma época, minha mãe foi diagnosticada com câncer de fígado. Ela chegou em casa um dia e falou para os seus cinco filhos que, segundo o médico, ela viveria apenas mais três meses. Porém, sendo muito corajosa, minha mãe não aceitou o diagnóstico e foi buscar ajuda. Encontrou a meditação transcendental e, graças a isso, está viva até hoje.

Ela recebeu o diagnóstico com 50 anos, aproximadamente, e hoje está com 83 anos. Foi ela quem me incentivou a adotar um novo estilo de vida e, desde então, tudo mudou. Em pouco tempo, eu que não conseguia me concentrar por sequer 10 minutos, passei a trabalhar 15 horas por dia com grande concentração. Minha mente acordou. Terminei os estudos como o melhor aluno da universidade, apesar de um professor ter dito que eu jamais conseguiria ser um atuário. Eu me qualifiquei em dois anos, o que nunca tinha acontecido antes na universidade. Passei em todos os exames internacionais. Aquele meu professor não acreditava.

Foi quando eu comecei a me apaixonar por essa abordagem educacional e foi por isso que eu fiquei no meu país, apesar do convite para trabalhar nos Estados Unidos. Eu pensei em todas as crianças que, como eu, estavam perdidas, e que não seriam salvas pela educação. Na melhor das hipóteses, elas conseguiriam um pedaço de papel ao final do curso. Porém, passariam a resto de suas vidas odiando outras pessoas, julgando outras pessoas, vivendo em uma pequena caixa. Você conhece aquela música do Bob Marley, Redemption song? Ela diz que precisamos nos emancipar da escravidão mental. Ninguém, senão nós próprios, pode libertar as nossas mentes. Esse deveria ser o objetivo da educação, nos emancipar da escravidão mental, porque estamos criando pessoas com mentes subdesenvolvidas. Mas, quando não há essas amarras, podemos transformar qualquer um, até um viciado em drogas, em alguém tão grande quanto Richard Branson ou Bill Gates.

É por isso então que você diz que pretende transformar o sistema educacional?

Sim. Aos poucos, queremos mudar o pensamento das pessoas sobre o que realmente deveria merecer o nome de educação. Se no Brasil as pessoas estrão destruindo as florestas, isso acontece porque elas estão pensando de maneira restrita, ou seja, no dinheiro imediato que vão receber. Não entra na conta a perda irreparável da biodiversidade. Esse problema é um problema de desenvolvimento humano. Desenvolvam seu pessoal, desenvolva seu pensamento, sua visão, sua expansão, sua consciência. Vocês podem mudar o Brasil. Nosso trabalho não é fácil, mas estamos provando que é possível. Nós estamos dizendo: você está pensando em uma caixinha. Abra a caixa. Apenas abra a caixa porque essa caixa não é a vida, não é o que o país precisa, não é o que o mundo deve ser.

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Autor

Marina Kuzuyabu


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