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Em nome de quê?

Forma de constituição dos Conselhos Estaduais de Educação, muitas vezes feita por meio de indicações do Poder Executivo, começa a ser colocada em dúvida

Publicado em 10/09/2011

por Filipe Jahn

Durante treze anos, da apresentação do projeto pelo ministro Clemente Mariani, em 1948, à sua homologação, em 1961, o projeto para uma lei de diretrizes e bases para a educação nacional tramitou no Congresso Brasileiro. Nesse intervalo, nove diferentes nomes tiveram assento na Presidência da República e um dos substitutivos ao projeto, apresentado pelo então deputado Carlos Lacerda (UDN), polarizou as disputas entre defensores da privatização radical do ensino e aqueles que fincaram pé na obrigatoriedade da oferta de educação pública e gratuita.

Quando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional passou a viger, em dezembro de 1961, muitas medidas começaram a se configurar no âmbito da educação. Uma delas foi a criação dos Conselhos Estaduais de Educação (CEE), órgãos que, pelo espírito da lei, deveriam ajudar a promover a descentralização das instâncias decisórias da educação rumo a estados e municípios.   

Desde então, cabe a cada ente federado legislar sobre a própria rede de ensino e criar seus conselhos. Anos depois, de certa maneira, o principal objetivo de todos os conselhos continua o mesmo: acompanhar e orientar a política educacional de seus estados, por meio de propostas e atos normativos. Questões relacionadas a propostas curriculares, tamanho da jornada e carreira do magistério, por exemplo, passam pelo conselho.

Mesmo que não possa atuar como fiscalizador, o conselho tem também a função de aceitar denúncias e encaminhar aos órgãos competentes, como a Assembleia Legislativa e o Tribunal de Contas, para apuração. Além disso, deve recomendar, autorizar e credenciar unidades de ensino. Suas considerações geralmente são acatadas pela Secretaria de Educação.

A nomeação para o conselho de educação é sempre decretada por ato do governador e cada órgão é responsável pela elaboração do seu regimento interno. Assim, as formas de organização e atribuições variam de estado para estado. Se essa liberdade garante a autonomia do conselho, pode fazer dele uma instância dominada pelo governo de turno ou por grupos com interesses comuns.

É o que vem sendo posto em questão por entidades e pessoas que veem nesse processo de designação dos cargos um instrumento que perdeu legitimidade ao longo do tempo.

Um levantamento feito pela ONG Ação Educativa e divulgado em agosto último apontou que há pouca presença da sociedade civil nos CEE. Dos 27 conselhos pesquisados, somente 11 estabelecem o número de conselheiros para cada setor, entre público, privado, docentes, pais e alunos. Outros 10 não preveem qualquer tipo de representação de segmentos em suas respectivas leis e cinco mencionam a participação de entidades, mas sem especificações. Denise Carreira, coordenadora do programa de pesquisa e monitoramento de políticas educacionais da entidade, diz que os conselhos de educação realizam hoje um papel assessório em relação às políticas de governo.”Eles vêm de uma tradição da área de saúde, com uma perspectiva mais normativa do que de controle social.”

Marcos Bassi, professor especializado em descentralização da educação, acredita que uma das principais características dos conselhos estaduais é a grande participação do setor privado, em especial representantes do ensino superior. Isso limita o funcionamento do órgão, pois confere grande influência a instituições particulares sobre os interesses da esfera pública, como atesta episódio recente ocorrido em Minas Gerais.

No mês de junho o Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou lista com nomes de seis cursos de instituições mineiras particulares criadas nos últimos 10 anos e que ainda funcionam sem autorização do MEC.  Por essa razão, o CFM se negou a registrar os formados nessas universidades. No entanto, um artigo da legislação estadual de 1989 permite que as universidades funcionem apenas sob a supervisão pedagógica do CEE. A disputa foi parar no Supremo Tribunal Federal, que julgou improcedente a forma de atuação do CEE mineiro, pois invade uma competência da União. Pela decisão, todos os diplomas já expedidos ficam mantidos, mas de agora em diante essas instituições terão de participar do Enade e outras avaliações do ministério.


Mistura


O CEE mineiro é um dos que não preveem qualquer participação específica de segmentos da sociedade civil. Segundo o membro José Januzzi de Souza, a indicação dos conselheiros é feita entre 28 organizações ligadas à educação do estado, mas a legislação do órgão indica somente que os eleitos são “pessoas de notório saber e experiência em matéria de educação”.

Antes de serem empossados, os candidatos de Minas Gerais são sabatinados pela Assembleia Legislativa. No Pará e Tocantins, em vez de avaliar, membros do Legislativo podem participar do conselho. No Ceará a constituição estadual possibilita aos parlamentares a indicação de membros. Essa confusão entre estado e governo piora no Acre, Alagoas, Amazonas, Amapá, Distrito Federal, Mato Grosso, Pará, Sergipe e Tocantins, que têm no conselho os respectivos secretários de educação como membros natos.


Denise Carreira, da Ação Educativa:"tradição da área de saúde, com uma perspectiva mais normativa do que de controle social"

Em São Paulo, o secretário de Educação não faz parte do conselho, mas pelo jeito esse tem sido o caminho natural daqueles que já comandaram a pasta. Em agosto foram nomeados seis conselheiros e entre eles estavam três ex-secretárias, duas da atual gestão, Maria Helena Guimarães de Castro, Maria Lúcia Vasconcellos, além de Rose Neubauer (gestão Mario Covas, também do PSDB).

Na explicação do atual presidente do conselho, Arthur Fonseca, o conselho paulista não tem como finalidade representar segmentos da sociedade civil, ao contrário de outros estados, mas servir como um órgão de orientações técnicas à secretaria.

Dentro dessa perspectiva, o candidato deve ter um trabalho reconhecido na área de educação para ser nomeado, assim como nos moldes do conselho mineiro. Cabe à Secretaria de Educação indicar os novos membros e, segundo Fonseca, o CEE não se manifesta sobre as escolhas. “Não há dúvida de que o conselho deve levar em conta os anseios da população, mas isso não significa manter um diálogo direto. Considero a atual composição paulista bastante adequada”, avalia.

Na opinião do ex-secretário de Educação das cidades de São Carlos e Suzano (SP), porém, a composição do conselho do estado é “obscura”. Rubens Barbosa aponta um predomínio do setor privado, com uma visão de sistema próxima das ideias de mercado e que atende interesses partidários. “Está acontecendo um choque de competências, com um claro prejuízo para a população”, comenta. Denise Carreira lembra que não se pode separar questões técnicas e políticas e que é necessário o conselho se ajustar a uma forma de funcionamento que permita agregar perfis para determinadas demandas. “A intenção não é diluir, mas estimular o diálogo”, completa.

Gilda Cardoso, professora na área de educação da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e ex-vice-presidente do conselho capixaba, vai mais longe e diz que o aparelhamento faz parte da configuração da maioria dos conselhos estaduais, que estão longe de atender às necessidades públicas. “Nesse aspecto, os conselhos são praticamente nulos”, expõe.


Novas diretrizes


Alguns estados contudo preveem a participação de segmentos em seus conselhos, como pais e alunos, geralmente com indicação de suas entidades representativas. É o caso no Amapá, que depois da reformulação da lei que regulamenta o CEE, em dezembro de 2008, tem alunos de ensino médio regular ou Educação de Jovens e Adultos e representantes de pais no Conselho.

Em Goiás, o CEE tem vagas específicas para representar professores e estudantes e são as organizações dessas categorias que indicam os nomes. Ainda que a secretaria apresente oficialmente os conselheiros eleitos e tenha um número determinado de vagas, ela não pode interferir na escolha daquelas pertencentes a outros segmentos. Entretanto, assim como no Amazonas e Piauí, os conselheiros precisam ser aprovados pela Assembleia Legislativa antes da posse.
Outro detalhe importante é que o CEE goiano está vinculado diretamente ao gabinete do governador, o que para o presidente do conselho, Marcos Elias Moreira, permite uma independência do órgão sobre a secretaria de educação. “Quando se está abaixo de um secretario, fica mais difícil tomar decisões fora dos desejos da secretaria”, fala, sem comentar o grau de dificuldade de se tomar decisões quando se está perto da figura central de um governo.

Moreira entende que o conselho deve ser um instrumento central de estímulo à construção de um sistema de qualidade. A representatividade de categorias diferentes contribuiria, assim, para a pluralidade de ideias e concederia uma estabilidade ao órgão, que não se torna o centro de disputas políticas.

No Mato Grosso do Sul organizações civis como a Federação dos Trabalhadores em Educação (Fetems) e Movimentos Populares têm vagas determinadas. Elas indicam os titulares e seus suplentes, mas, ao contrário de Goiás, o poder legislativo não pode interferir nas escolhas. Quando uma norma está sendo elaborada, o conselho costuma realizar audiências públicas para ouvir as partes interessadas. A presidente Vera de Fátima comenta que é comum haver conflito sobre os temas colocados em pauta, mas a relação de experiências diferentes faz com que o órgão não seja apenas uma extensão do governo. “O conselho estadual de educação fundamentalmente tem de representar a sociedade. É isso que dá condições de funcionamento e torna a casa democrática”, conclui.


Correção de rumos


Para Gilda Cardoso, da UFES, os conselhos de educação podem atender aos anseios públicos sobre educação. Uma maneira seria criar uma agenda de política educacional de longo prazo, o que pode diminuir a influência partidária. A especificação na legislatura sobre a participação de segmentos da sociedade no órgão é vital, entretanto. “As categorias têm de procurar garantir o seu espaço e que o interesse público esteja acima dos particulares”, atesta.

Na visão de Denise Carreira, aprimorar a educação hoje exige que grande parte dos conselhos abram um diálogo com os órgãos de outras áreas, como os da assistência social. Os conselhos menores, como os escolares, também precisam ganhar maior relevância. Outra questão importante, mas pouco tratada pelos conselhos, é a divulgação. Poucas pessoas sabem de sua existência e atribuições. Torná-los mais conhecidos ajuda a assegurar que suas responsabilidades sejam estabelecidas em conexão com outras instâncias sociais. E que o eventual caráter técnico não mascare relações de poder.

Autor

Filipe Jahn


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