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Ensino edição 243

Por que investir na felicidade dos alunos

Hector Escamilla, reitor da Universidade Tecmilenio (México), conta como conseguiu dobrar o número de alunos em cinco anos e elevar a qualidade de sua formação após se propor a formar pessoas com propósito de vida

Publicado em 11/11/2019

por Marina Kuzuyabu

Hector-Escamilla-felicidade Hector Escamilla: trabalho de monitorar as tendências globais

Nas empresas mais bem-sucedidas do mundo, o trio ‘missão, visão e valores’ não se reduz a um conjunto de belos enunciados expostos em algum quadro da parede. Os seus dizeres são conhecidos e praticados pelos funcionários, que, orientados por diretrizes claras, conseguem alcançar metas ambiciosas. A Universidade Tecmilenio, do México, exemplifica bem esse modelo de organização. Fundada em 2002, a instituição percebeu que havia chegado a hora de repensar seu papel na sociedade e seus objetivos depois de experimentar quedas sucessivas no número de ingressantes. O próximo passo era fazer a comunidade acadêmica abraçar a proposta de formar pessoas com propósito de vida e competências para realizá-lo.

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Com base na Psicologia Positiva, um ramo da psicologia que busca enfatizar aspectos que geram felicidade na vida das pessoas (e não os seus problemas), a instituição conseguiu criar um ambiente favorável ao desenvolvimento pleno dos alunos, explica o reitor Hector Escamilla.

Como resultado, nove em cada 10 estudantes terminam a formação empregados. Esse diferencial da Tecmilenio, de busca do bem-estar, contribuiu para o seu crescimento. De 34 mil alunos em 2012, a universidade saltou para 60 mil. E até 2025, serão 160 mil, estima o reitor, que veio ao Brasil a convite do Semesp.

Na entrevista que segue, Escamilla detalha o projeto pedagógico da Tecmilenio e garante que nenhuma meta seria alcançada sem a determinação das lideranças.

O senhor afirmou que a empregabilidade é uma questão central na Tecmilenio. Como vocês promovem isso?

A Universidade Tecmilenio valoriza dois elementos e um deles é, certamente, os altos níveis de empregabilidade. O bem-estar e o propósito de vida constituem o outro pilar. Todos os egressos precisam ter essas competências, que são fundamentais para o século 21. Entrando no tema do emprego, para nós é muito importante monitorar as tendências globais nas diferentes indústrias e identificar as competências que são requeridas pelos diferentes empregadores. Todos os planos de estudo são desenvolvidos com base nessas competências e nas necessidades do momento presente e do futuro. Em todos os nossos campi, nossos alunos têm um semestre empresarial.

felicidade dos alunos
Hector Escamilla: trabalho de monitorar as tendências globais do mercado de trabalho para melhorar a formação profissional (foto: divulgação)

Dessa forma, em um curso de oito semestres, um deles é feito dentro de empresas, período no qual os alunos trabalham e estudam. A cada ano temos mais de mil alunos em diferentes empresas do México fazendo o semestre empresarial. Nos Estados Unidos e na Alemanha essa prática é comum, mas não no México. Graças a esse modelo, nove de cada 10 alunos arrumam emprego antes de concluir a graduação. Eles participam desse projeto entre o 6º e o 7º semestre e muitos deles, 70%, recebem ofertas para continuar na empresa. Nós também queremos pesquisar se o trabalho está alinhado com o propósito de vida dos alunos. Quando as pessoas trabalham em um emprego alinhado a seus valores, elas conseguem resultados muito melhores. Vamos começar a medir isso.

Quais eram esses índices antes da ampla reforma que vocês promoveram em 2012?

Era em torno de 50% de empregabilidade. Nós sempre focamos o desenvolvimento de competências.  Na Tecmilenio as pessoas se graduam com diplomas e certificados. Nós melhoramos os programas dos certificados e acrescentamos as ferramentas de felicidade e bem-estar. Com isso, conseguimos alcançar níveis de emprego muito altos.

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Vocês disseram que os alunos podem personalizar 40% da grade curricular. Como isso se tornou possível e como vocês gerenciam a organização das turmas?

Em todos os campi nós temos programas presenciais, mas todos eles também são dados online. Em um campus muito pequeno, quando não há um número suficiente de alunos para formar uma turma presencial, nós damos a opção de que o aluno faça o curso online e consiga a certificação.

O senhor disse que a Tecmilenio foi criada para impactar um número maior de mexicanos. Isso significa se posicionar como uma instituição mais popular ou mesmo mais acessível do ponto de vista financeiro?

O que buscamos é garantir um alto retorno sobre o investimento realizado na formação, o que significa garantir altos níveis de empregabilidade. O maior retorno, contudo, não é esse. O bem-estar e a felicidade são úteis para transitar no século 21, marcado por altos níveis de ansiedade e depressão. Com essas competências, que trabalhamos por meio da Psicologia Positiva, ajudamos os jovens a transitar bem pela vida profissional e a ter bons retornos.

Quem são os alunos da Tecmilenio? Eles têm um perfil diferente em comparação aos estudantes do Instituto Tecnológico de Monterrey, pertencente ao mesmo grupo?

A nossa universidade está voltada para pessoas que buscam definir seu propósito de vida, que buscam se desenvolver no campo do bem-estar e da felicidade e adquirir competências altamente relevantes no mundo empresarial. Isso nos diferencia de qualquer universidade no mundo. E buscamos dar um alto retorno em relação ao investimento feito. Isso nos permite acessar uma grande quantidade de mexicanos. Damos uma quantidade de bolsas impressionantes – 65% das pessoas têm algum percentual de bolsa; esse percentual varia de 10% a 90%.

Quem financia essas bolsas? É a própria universidade? Qual é o impacto disso na sustentabilidade financeira?

Não recebemos recursos externos. Nós mesmos viabilizamos isso e o segredo está na eficiência. A eficiência da gestão é um ponto muito importante, bem como o uso da tecnologia. Além disso, somos uma universidade sem fins lucrativos. Tudo o que recebemos nós investimos.

Sobre o bem-estar, como promover isso na prática entre alunos com problemas financeiros, problemas de relacionamento etc. Como ensinar uma pessoa a conquistar o bem-estar?

Todos os nossos alunos têm um mentor, que é como um coach de êxito, que os acompanha e os ajuda a desenhar a carreira. Eles também dão conselhos, mas até um certo limite, naturalmente. Quando percebemos que os alunos precisam de uma ajuda especializada, nós indicamos serviços médicos, como psicólogos. Mas os alunos se sentem muito bem com essa rede de ajuda, da qual também participam os diretores de carreira e os tutores. Muitos alunos precisam desse suporte e se beneficiam dele.

Nós também ensinamos os ensinamos a se conhecer, a desenvolver o engajamento, o positivismo, a manter relações positivas, a buscar um sentido para a vida, a conquistar o bem-estar físico (alimentar-se bem, descansar, dormir) e a atenção plena, o mindfullness. A meditação, e isso está comprovado cientificamente, aumenta os níveis de bem-estar e felicidade de uma pessoa. Ela também aumenta o desempenho acadêmico – e isso também está comprovado. Todos os alunos têm prática de mindfullness. Todos esses elementos integram nosso ecossistema de bem-estar e felicidade.

É possível medir a taxa de bem-estar?

Sim. Nós fazemos isso basicamente por meio de uma autoavaliação. Nesse quesito, nossos alunos apresentam uma pontuação de 8.5 numa escala que vai de 0 a 10 – a escala é a P.E.R.M.A, desenvolvida por Martin Seligman. Mas essa é a média. Não nos guiamos por dados da média. Nos interessam as pessoas individualmente.

E como está o desempenho acadêmico dos alunos? Como dizer que essas práticas realmente melhoram a aprendizagem?

Como aplicamos essas ferramentas a todos os alunos, não temos como fazer comparações. Todos são integrados a esse ecossistema e se beneficiam dele.

O senhor mencionou Harvard, Stanford e Yale entre as universidades que também estão atentas ao tema do bem-estar e da felicidade. Elas têm promovido cursos sobre o tema e atraído um grande número de alunos. O senhor tem uma opinião sobre o porquê desse interesse crescente?

Nós não adotamos essa abordagem para resolver um problema, mas para favorecer os alunos, reforçar sua potência. Todos os seres humanos buscam a felicidade e um propósito de vida. Mas, de fato, as novas gerações têm muito interesse nos temas de bem-estar e felicidade. Elas também estão apresentando altos níveis de ansiedade e depressão – muito em função das redes sociais. Mas a nossa abordagem os ajuda a lidar com esses problemas, a desenvolver a resiliência, a trabalhar a força de caráter. Tudo isso ajuda muito.

Vocês investem muito na formação de professores, em tecnologias educacionais, em todos esses programas que compõem o ecossistema de bem-estar. O senhor também mencionou um alto número de concessão de bolsas. Que lições vocês poderiam ensinar às demais instituições em termos de gestão. Como tornar isso possível?

Esses resultados não dependem exclusivamente de recursos. O mais importante é ter determinação, mas determinação no mais alto nível. Os diretores devem estar altamente convencidos do propósito, que, no caso da Tecmilenio, é formar pessoas com propósito de vida e competências para alcançar o sucesso. Essa é a missão que nos inspira e que nós transmitimos a nossos colaboradores. É uma questão de prioridade, declarada na missão. Se a missão é clara, a estratégia tem um norte a seguir. Além disso, há um foco no aluno, onde o aluno é o centro de atenção da universidade. Esse é o elemento mais importante do nosso projeto.

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Autor

Marina Kuzuyabu


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