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O professor quer aprender

Apesar da falta de articulação nacional em formações para o uso pedagógico da tecnologia, professores buscam cursos e compartilham suas experiências, uma das estratégias mais eficazes para se especializar no tema

Publicado em 04/11/2014

por Udo Simons

Shutterstock

Será que os professores realmente são avessos à tecnologia? Segundo a pesquisa TIC Educação, divulgada em julho deste ano, metade (51%) dos professores dos ensinos fundamental e médio no país fez algum curso específico para usar computador ou internet, em 2013. Mas a grande maioria (79%) pagou de seu próprio bolso por essa capacitação. Isso desmistifica a ideia de que o professor resiste ao uso da tecnologia, segundo Alexandre Barbosa, gerente do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETICbr.), entidade responsável pelo levantamento. Deixa claro, também, o quanto esse interesse crescente dos docentes, percebido nos últimos quatro anos de publicação da pesquisa, é resultado de um esforço pessoal dos professores, e não da oferta de uma política pública direcionada para esse fim.

O que falta, então, na formação dos professores brasileiros nessa área? Que tipo de curso está sendo oferecido e ainda precisa ser criado para os professores no campo das TICs? Na formação inicial, ao menos, o contato com as possibilidades do uso da tecnologia em sala de aula ainda é escasso. Para se ter uma ideia, apenas 44% dos professores das escolas públicas, por exemplo, tiveram alguma disciplina de TIC em sua formação. “Isso é inadmissível com o atual momento. Não há como exigir de um professor do ensino fundamental que ele use novas ferramentas ou conhecimento tecnológico se não teve formação”, avalia Alexandre.

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Há iniciativas de formação continuada do docente em tecnologia pelo Brasil, mas elas são pontuais e heterogêneas, diz o especialista. Vão desde a ênfase em conceitos básicos do uso do computador, até a construção de conteúdo pedagógico. É diversa ainda a condição de ter vários níveis de usuário de tecnologia num mesmo ambiente de ensino em todas as regiões do país. Por isso, geralmente, as ações desenvolvidas impactam de forma distinta cada um dos docentes. E do ponto de vista de análise de cenário, as experiências praticadas, nos estados ou cidades, não “conversam” entre si. Ou seja, é muito difícil que alguma ação que esteja acontecendo no Norte, por exemplo, seja replicada no Sul e vice-versa. Para os especialistas, isso acontece porque não há canais ou instâncias que possam dar visibilidade às iniciativas.

Troca de experiências
“O Brasil sequer tem uma diretriz para o uso da tecnologia na educação, o que dirá para a formação de professores”, analisa Anna Penido, diretora do Instituto Inspirare, entidade ligada a movimentos educacionais e de acompanhamento do uso de tecnologia na educação. Ela lembra que seria “maravilhoso” se existissem dentro das universidades núcleos de estudo e experimentação para o uso de inovações tecnológicas na educação, a fim de influenciar os programas de formação inicial e continuada. “Mas temos muito poucas ações nesse sentido. É preciso juntar quem tem conhecimento em tecnologia com experts em pedagogia para trabalharem juntos na concepção de programas realmente efetivos para formar os docentes”, aponta.

De acordo com estudos do Inspirare, as inovações tecnológicas promovem a qualidade na educação quando expandem o acesso à informação, permitindo que professores e alunos entrem em contato com diferentes locais para aprofundar suas pesquisas e, consequentemente, seu conhecimento e repertório. Exemplos de como fazer isso acontecer são encontrados nas redes sociais digitais e em comunidades de aprendizagem, recursos que, pelo Inspirare, podem ser amplamente utilizados na preparação de aulas e em pesquisas para projetos escolares ou na realização das lições de casa. “Temos de usar a tecnologia para educar e não mais educar para o uso da tecnologia”, diz Anna. Nesse sentido, a troca de informação entre os professores sobre maneiras de se apropriar das ferramentas tecnológicas e de desenvolver conteúdo para os meios eletrônicos é vital. “O encontro dos pares, com suas dúvidas, anseios, soluções é uma das mais indicadas formas de capacitação”, completa.

Viver para aprender
Diversas iniciativas coletivas já existem e oferecem suporte para quem busca o uso pedagógico da tecnologia. Mais de 43 milhões de professores, por exemplo, estão conectados em todo o mundo por meio da rede Edmodo, uma rede social de educação que reúne docentes espalhados por 190 países, com forte presença de brasileiros. A troca de experiências é apontada por especialistas como uma das principais ferramentas de formação continuada de professores (veja box à esq.). “É importante para o professor vivenciar a cultura digital para que ele possa quebrar paradigmas. Descobrir o prazer de estar imerso nessa cultura”, pontua Anna, que completa: “É preciso desenvolver programas práticos de formação continuada. O professor precisa aprender a usar a tecnologia como seus alunos a utilizam. Esse aprendizado não é teórico, é uma vivência”, avalia.

A cidade de São Paulo traz esse conceito de colaboração para o ensino da tecnologia entre os professores pelo programa Professor Orientador de Informática Educativa (POIE). Criado em 2008 para planejar e desenvolver as atividades com os alunos no laboratório de informática educativa, um dos objetivos da iniciativa é a promoção da troca de conhecimento entre os docentes para o desenvolvimento de projetos propostos com o uso de tecnologia. Ou seja, o professor compartilha suas experiências com seus colegas, a fim de construir um saber tecnológico coletivo.

Já no interior de Pernambuco, um grupo de 120 professores da rede pública participou, em 2012, do projeto de pesquisa: “Saberes e Conhecimentos Docentes na Implementação de Programas de Inclusão Digital em Escolas de Educação Básica em Garanhuns/PE”, de Sônia Fortes da Silva, professora de Políticas Educacionais e de Tecnologia Aplicadas à Educação, da Universidade de Pernambuco (UPE).

Entre várias outras conclusões da pesquisa, os docentes entrevistados formularam, coletivamente, um pensamento para resumir como se viam nesse cenário. Eles afirmaram: “Ou acompanhamos essa evolução, que é uma evolução humana, ou ficaremos para trás. A gente vai perdendo a nossa função de professor, com a pressão social do momento. Às vezes, a gente acha que sabe muito de um computador, mas vê que não sabe nada. Nós estamos acreditando que realmente vai dar certo, nós acreditamos. Mas, o que se sabe hoje não basta para amanhã.” Sônia é enfática ao comentar esse pensamento. “Os professores vivem sob pressão por todos os lados. Cobrança dos alunos, dos gestores, dos governos.”

Transposição midiática
A questão é fácil de entender quando se coloca a perspectiva dos fatos. “Em diversos casos, alguns professores são quase analfabetos digitais, têm pouquíssima familiaridade com os meios eletrônicos e, ao mesmo tempo, são expostos à tecnologia e demandados a fazer uma transposição midiática de seu conhecimento”, analisa Sônia.

Compreender o que é essa transposição é um caminho para facilitar a capacitação docente. “Esse termo é utilizado para a transferência do saber de cada um para outros meios (mídia)”, resume Sônia. Nesse caso, para os aparelhos eletrônicos, lousas digitais, tablets, smartphones, seja qual for. Fazer isso requer domínio da parte periférica dos dispositivos (hardware, de forma geral) com o que se está trabalhando; e a definição do melhor formato a ser construído para a exposição desse conteúdo. “A transposição midiática é feita na experiência docente. Eu tenho algo a ensinar e algo a ser aprendido pelo aluno. Tenho de transformar o que sei para a aprendizagem dele. Sou um mediador.”

Sônia é, também, um exemplo em si de que questões geracionais, de idade, deixaram de ser barreira para o aprendizado da tecnologia digital por um docente. No magistério desde a década de 1970, seu primeiro contato com computadores foi no início dos anos de 1980. De lá para cá, tornou-se especialista no assunto.

“Sempre trabalhei com a ideia de que o computador é um meio de suporte, não uma substituição a minha pessoa”, descreve. Por diversas vezes, como lembra, os alunos a ensinaram, e continuam a ensinar, como utilizar programas e computadores. “Quando não tenho conhecimento técnico, pergunto. Vou de acordo com minha necessidade. Aprendendo diante de meu trabalho.” Essa característica, para ela, requer disposição e humildade. E acontece não só na relação entre aluno e professor. “Independentemente da geração, como professor preciso saber como interajo, como faço minha transposição midiática.”

Para conhecer tecnologia

Formação continuada: a melhoria da prática docente é um processo gradual e contínuo, ocorre por um trabalho constante;

Atenção aos diferentes perfis do docente: o desenvolvimento do curso é personalizado para habilidades, competências e níveis de ensino;

Integração entre teoria e prática: as novas teorias são incorporadas mais rapidamente quando aplicadas no cotidiano;

Troca de experiências: buscar o compartilhamento de experiências, entre os professores, na resolução de situações semelhantes;

Envolvimento: o trabalho de coordenadores, diretores escolares e técnicos da secretaria é de apoio e acompanhamento ao professor.

Autor

Udo Simons


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