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Entrevistas

Ouvir antes de enunciar

Vice-presidente da Fundação Padre Anchieta e responsável pelo Núcleo de Educação da TV Cultura se compromete a ouvir as demandas das secretarias municipais para conceber a nova programação da emissora pública de rádio de São Paulo

Publicado em 10/09/2011

por Fernando José de Almeida

Professor da PUC/SP e ex-secretário de Educação municipal de São Paulo, na gestão Marta Suplicy (2001-2004), o professor Fernando José de Almeida é o responsável pela empreitada de colocar em pé o Núcleo de Educação da TV Cultura. Lançado em abril deste ano, quando a Fundação Padre Anchieta, responsável pela emissora, ainda era dirigida pelo ex-deputado Marcos Mendonça, o formato inicial do Núcleo, que incluía a mudança da Rádio Cultura AM para Rádio Educação, durou apenas dois meses. Com a chegada do jornalista Paulo Markun à presidência, a idéia foi revista e a nova programação, que já estava no ar, cancelada.

A missão de Almeida é retomá-la de forma "mais articulada", diz ele. O trabalho do Núcleo incluirá um processo de escuta das secretarias de educação e, depois disso, decidir a programação. Leia, a seguir, a entrevista concedida a Rubem Barros.


A programação da Rádio Cultura AM mudou por apenas dois meses, após a criação do Núcleo de Educação. O que houve?

Houve um projeto feito na TV Cultura, na Fundação Padre Anchieta, que criou o Núcleo de Educação. Foi um projeto bem bolado e articulado. Eram programas que iam ao ar duas vezes por semana, com 30 minutos. Mas não ficaram com a mesma densidade do projeto. O projeto era superior à produção. Com isso, parou-se de produzir. Vamos redirecioná-los agora, de forma mais cuidadosa no sentido do tempo, mais articulada, e voltaremos a ter essa programação.


Houve outros problemas?

Sim. Um é seriíssimo: nossas torres de transmissão AM estão fracas, precisam ser modernizadas, o que acontecerá em breve. O programa terá mais capacidade de ser ouvido. Outro, que não era prioridade mas agora será, é que temos de conversar com as secretarias de Educação da Grande São Paulo, onde a rádio é ouvida. Precisamos saber o que eles precisam e a que hora. Porque, por exemplo, se as HTPCs (Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo) acontecerem de 8h às 8h30, combinamos com as secretarias a melhor hora para os programas. Só na rede municipal de São Paulo, há 60 mil professores.


O público-alvo dessa programação são os professores?

É o público preferencial. Mas a idéia é que possamos fazer programas de qualidade do ponto de vista do conhecimento, que os pais possam ouvir, compreender e entender o que o filho está estudando.


Há uma data prevista?

Não. Estamos redesenhando os programas a partir dos protótipos já existentes. Vamos conversar com as secretarias de Educação, que vão mobilizar suas equipes pedagógicas para nos ajudar a conceber a estrutura e a difusão do programa. Outra coisa que faremos é colocar esses programas na internet, para que qualquer pessoa do Estado de São Paulo ou de fora dele, ao entrar no site da TV Cultura Rádio AM, possa escutá-lo. Essa mobilização pode ser feita com as redes estadual ou municipal de São Paulo, gerando uma visibilidade e uma adequação muito maiores do que a que havia.


Quando essa engrenagem deve estar funcionando a todo vapor?

Dentro de aproximadamente um ano, em meados de 2008.


Segundo pesquisas, as crianças são os maiores ouvintes passivos de rádio no Brasil. Há idéia de se ter uma programação de rádio direcionada à criança, como faz a TV Cultura?

Estamos com a idéia de ter uma programação infantil de dez horas na televisão. Falo da TV porque vamos rebater isso na rádio. Teremos um jornal ao meio-dia que será feito pelas crianças e jovens. Eles serão os repórteres, os analistas e os escolhedores do conteúdo. Essa é uma inovação que gostaríamos de fazer na rádio, é um enorme desejo dessa nova gestão. A rádio deve ter momentos em que as crianças escolham, analisem e comentem as músicas. Há uma pessoa que está estudando a possibilidade de jovens e crianças produzirem programação, e não apenas serem objeto dela.


A Cultura tem realçado, agora com o novo slogan, sua condição de TV pública. Como essa condição se traduz no momento de definição da programação educativa da TV? Quais são seus interlocutores nesse processo?

A TV não tem de sair inventando programa. Isso tem de ser resultado de uma profunda diagnose do que a escola pública precisa. Nosso compromisso é com a educação pública e com a escola pública de qualidade social. Para ser assim, ela precisa ter permeação com as equipes da secretaria de Educação que demandam conteúdo, cuidam da formação continua­da de seus professores, da avaliação e das estruturas curriculares. O único jeito de uma TV ser pública em relação ao projeto educacional é ir à escola pública e ouvir suas demandas. É ter um diálogo, criar com eles e a partir do conteúdo deles, mas colocando o nosso formato – que passa pela estética, arquivos e ideologia da TV Cultura, em profunda consonância com o Estado.


Nos últimos anos a Cultura tem sofrido com a falta de verba. Isso direciona o trabalho do Núcleo e como?

Claro. A escassez de verba pode gerar criatividade e a quantidade de verba pode gerar amplificação e aperfeiçoamento da tecnologia dos programas. As duas coisas são para o bem, não são para o mal. Muito dinheiro pode gerar acomodação, pouco dinheiro também pode gerar um estado de penúria que nos impeça de fazer programas que dão prejuízo, mas são partes da execução da nossa missão.


Qual é o orçamento do Núcleo para este ano?

Ainda não temos. O que há é uma perspectiva de, com prestação de serviços, gerar algo em torno de R$ 10 milhões, valor que será canalizado para essas produções. Estamos entrando em concorrências e editais públicos com a Unesco, no Ministério da Ciência e Tecnologia e no Ministério da Educação. Só no MEC temos perspectiva de receber R$ 45 milhões, se ganharmos. Faremos programas na área de matemática, química e biologia, com o custo de R$ 15 milhões cada – vamos dar conta de todo o conteúdo do ensino médio. Temos uma série de produtos dessa natureza que geram recursos.


Como está estruturado o Núcleo de Educação em termos de pessoal e de objetivos?

O Núcleo tende a ser muito enxuto na sua estrutura formal e definitiva, com três degraus de enucleação. Tenho cinco pessoas comigo, intrínsecas ao Núcleo. Depois, há três ou quatro pessoas de apoio ao Núcleo. Por último, temos o serviço externo. Essa é uma diretriz desta gestão: estimular a contratação de produtores independentes. Por exemplo, se precisarmos produzir um documentário – e vamos fazer quatro sobre a formação de professores -, não faremos aqui dentro, embora exista um Núcleo de Documentários. Vamos abrir concorrência, ver qualidade, preço, afinação ideológica e história da produtora em trabalhos dessa natureza. A idéia é que o Núcleo tenha uma estrutura enxuta, outra um pouco mais larga de prestadores de serviço quase definitivos e outra de prestadores de serviços ocasionais, de produção de programas feitos fora, mas com a nossa diretriz, acompanhamento e avaliação.


Os documentários sobre formação de professores têm temas definidos?

Nosso contrato com a Secretaria Estadual de Educação supõe a produção de quatro documentários. O tema será definido pela Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (Cenp). Podemos escolher para o ensino médio, sobre ciências exatas, português, matemática ou história da rede. Construiremos o tema mais adequado à formação de professores.


O que o senhor quer dizer com identificação ideológica com os prestadores de serviço?

Não estou falando de ideologia partidária. Conversei com uma produtora de vídeo que me disse: "Olha, meu interesse é trabalhar com duzentos jovens do Jardim Ângela que fazem e discutem poesia semanalmente". Um documentarista assim me atrai mais do que um que não tem essa perspectiva de olhar a juventude de hoje, que não é do Jardim Paulistano ou da rua Oscar Freire. Quando penso em juventude, penso nesses garotos que pegam trem apertado ou acabam a escola e não têm o que fazer no seu bairro. Eles  merecem o cuidado dos meios de comunicação mais do que têm tido até agora.


O Núcleo já definiu que tipo de coisa vai produzir?

Nosso atendimento prioritário e focal é para a escola pública de São Paulo. Temos perspectiva de criar projetos para as  redes municipal, estadual e para uma possível Universidade Virtual do Estado de São Paulo. Essa é uma encomenda do governador e já está nas mãos do secretário de Ensino Superior, o professor Carlos Vogt. Seremos o braço que vai apoiá-lo na produção dos materiais e nas interações que acontecerão nessa possível Universidade. Temos também uma frente de cooperação com o Centro Paula Souza. Atendemos hoje 90% das televisões públicas brasileiras em todo o país, que vêem a TV Cultura. Isso porque 50% das programações educativas e culturais nos 25 Estados que as têm são de programação da TV Cultura. Nossos programas são gratuitamente passados para eles.


Qual a visão de educação que embasa o Núcleo?

Uma construção pela qual o aluno pratica, pensa no que praticou, troca o que praticou e publica o que praticou. É um conceito de educação que faz sentido e ao qual nós podemos dar uma contribuição. Mas não é uma contribuição espontânea. Esses programas têm de estar voltados à idéia de que o jovem participe da sua cidadania.


Sua gestão na secretaria de Educação de São Paulo pode ajudar em alguma coisa no Núcleo?

Certamente. Foi uma experiência rica, porque ensinou que a escola pública é de enorme qualidade, precisa ser ouvida e é dela que nascem os conteúdos, as metodologias e as soluções para os seus problemas. A experiência mais forte do ponto de vista educacional foi ter criado os Grupos de Estudos e Apoio Pedagógico, nos quais juntávamos cinco escolas de uma mesma região para discutir seus problemas e estruturar uma análise da sua realidade. Além disso, os grupos faziam demandas às universidades para atender problemas específicos. Invertemos a lógica do apoio da universidade, que vinha com grandes conferencistas em grandes palestras, todos anotavam tudo, se emocionavam e não aplicavam nada.


Qual o principal desafio do Núcleo?

Auscultar o que a educação pública do Brasil e do Estado de São Paulo necessita, qual é o seu diagnóstico. E em que a televisão e o rádio podem colaborar no complexo processo de formação do professor, que não é só dar aula nem ensinar programas, mas ter reuniões pedagógicas, encontro com os pais, condição de leitura, melhoria de salário, planos de carreira e estrutura curriculares. Sem essas coisas trabalhando harmonicamente, não há formação que resista. Meu desafio é mostrar que a televisão e o rádio podem dar articulação a esse processo.

Autor

Fernando José de Almeida


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