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Pressão da globalização

Escolas que se propõem a educar crianças em dois idiomas se multiplicam e atraem cada vez mais público; a exigência do mercado de trabalho é o principal motivo citado para a expansão

Publicado em 03/06/2013

por Natália Leão

Globalização virou palavra fora de moda nos estudos sociais, mas na área de educação nunca se falou tanto nela. Pelo menos é um dos termos mais usados quando o assunto é bilinguismo na escola. A exigência do mercado de trabalho é a principal justificativa de pais que optam por esse tipo de educação para seus filhos, e que ajudam a aumentar a percepção de que cresce a oferta de escolas com grade curricular em mais de um idioma. Os dados são escassos, mas estima-se que, entre 2008 e 2011, só na cidade de São Paulo, o número de alunos matriculados em escolas desse tipo cresceu 43%, enquanto as escolas monolíngues registraram crescimento de 14%.
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“O mundo mudou. Com a globalização, a abertura de comércio entre países, a utilização de novas tecnologias e o crescente intercâmbio intelectual, falar outra língua se tornou fundamental, o mínimo exigido para qualquer profissional”, afirma Fernando Barão, sócio-consultor da Corus Consultores, responsável pela pes+quisa, que ouviu 45 escolas. Segundo ele, o mercado ainda vive um momento de crescimento, com o aumento do número de escolas por conta da alta demanda. “Como a maioria dessas escolas foi inaugurada recentemente, é natural que a quantidade de alunos cresça rapidamente, mas quando este ciclo de oferta e demanda estiver completo, esse nicho tende a se estabilizar”, estima Barão.


Escola do bairro
O ritmo do crescimento de matrículas é menos intenso do que no passado, mas continua forte. A See-Saw, escola bilíngue do Panamby, no bairro do Morumbi, em São Paulo, por exemplo, abriu as portas em 1994 oferecendo apenas educação infantil, com quatro alunos matriculados. Hoje, o ensino fundamental foi adicionado ao currículo e a escola soma 561 alunos. Na be.Living, escola localizada no Jardim Paulista, o crescimento é de 20% ao ano. Animadas com a alta, as diretoras Analívia Lacerda e Patrícia Pavan se preparam para a abertura da segunda unidade.


O fenômeno se estende para a abertura de novas escolas. A diretora da Oak Tree, Cláudia Freesz, estima que o número de instituições desse tipo triplica a cada ano. “Antes, os pais que queriam seus filhos em escolas bilíngues tinham de se deslocar entre bairros. Hoje, eles podem escolher entre opções mais próximas, com uma proposta pedagógica que lhes agrade e com preço que cabe no seu bolso”, estima Cláudia.


Mais uma vez, o mercado é a justificativa para o crescimento. “O mercado internacional é, sem dúvida, um grande motivador desse salto”, diz Christina Sabadell, diretora nacional da Pueri Domus, uma das mais tradicionais escolas bilíngues de São Paulo, fundada em 1966, na avenida Brasil, e que atualmente conta com cinco unidades na cidade. “Hoje em dia, falar outra língua não é o suficiente, é necessário ser “fluente” em várias linguagens, saber comunicar-se e colaborar com pessoas de diferentes culturas, desenvolver a criatividade, engajar-se em uma cidadania global sem perder sua identidade cultural”, defende Christina.


Esses foram os principais motivos que levaram a professora Marina Lagreca e o empresário Milton Steagall a matricularem seus filhos Enrico, de 13 anos, e Francesco, de 6, em escolas internacionais e bilíngues. Quando o mais velho fez 6 anos de idade, Marina decidiu investir na escola internacional St. Nicholas, em Pinheiros. “Nós o matriculamos pensando principalmente no futuro profissional. Um dos nossos objetivos é que ele passe um tempo estudando no exterior e o inglês fluente vai facilitar isso. Quem sabe ele até consiga uma bolsa de estudos lá fora”, explica Marina. Quando chegou a vez de Francesco ir para a escola, Marina decidiu por uma monolíngue durante a alfabetização e depois escolheu a bilíngue Oak Tree, no Sumaré, para os estudos do menino.


O principal fator para a decisão foi o custo. Quando comparou o preço da escola internacional em que seu filho mais velho estudava com outras escolas bilíngues, tomou sua decisão. “As escolas internacionais são ainda mais caras que as bilíngues”, pondera Marina. “Por isso não colocamos o Francesco na mesma instituição de ensino do irmão.”


A chegada da classe média
O alto custo da educação bilíngue ainda faz com que muitas famílias brasileiras pensem duas vezes antes de optar por esse tipo de ensino. O valor das mensalidades pode sofrer alterações exponenciais de acordo com a localização, a idade do aluno, o número de horas que ele permanece na escola, entre outras variáveis. Um mês de estudo bilíngue pode custar mais de R$ 5 mil em uma instituição e cerca de R$ 900 em outra, apesar de a grande maioria operar com valores mensais próximos aos R$ 3 mil reais. “Apesar do aumento no número de escolas, o ensino bilíngue ainda é privilégio de classes mais altas”, afirma Walter Assis, diretor geral do Colégio Monteiro Lobato, na zona norte de São Paulo. “São raras as instituições que procuram oferecer esse serviço a um preço mais acessível, principalmente porque a estrutura de custos, materiais e profissionais, ainda é bastante elevada. Isso dificulta a oferta desse serviço para as classes emergentes”, diz Assis. A mensalidade em sua escola é de cerca de R$ 900.


Em decorrência do valor elevado das bilíngues, o público-alvo desse tipo de instituição tem sido majoritariamente as classes AA e A. No entanto, uma fatia significativa das bilíngues afirma que nem sempre a classe social é determinante no momento da matrícula. Apesar de as famílias do topo da pirâmide social ainda serem maioria nesses locais, os diretores acreditam que pais da classe média que compreendem e valorizam uma educação de qualidade para os filhos estão se tornando clientes em potencial. “Nós temos todos os tipos de pais na escola, os que pagam a mensalidade com bastante facilidade e os que, por acreditar na proposta, se esforçam para manter os filhos conosco”, afirmam as diretoras da be.Living.


Realmente, apesar das limitações, algumas famílias da classe média já enxergam nas bilíngues uma opção mais vantajosa, inclusive financeiramente. A mãe de Enrico e Francesco acredita que, se os filhos estudassem em escolas monolíngues e cursassem inglês em escolas de idiomas, ela gastaria o mesmo, quem sabe até mais que aquilo investido na educação bilíngue. “Com a diferença de que eles levariam a vida toda para aprender a segunda língua com perfeição”, completa.


Primeiras palavras
Quando os médicos Giuliana Fongaro e Rafael Fraga começaram a pensar na educação da filha, Ana Beatriz, de 3 anos, a escolha da escola não foi unânime. O pai queria que a filha estudasse desde o início em uma bilíngue. “Ele sempre acreditou que a bilíngue seria melhor para ela, pois ela teria mais facilidade no futuro, para ter sucesso no mercado de trabalho”, lembra Giuliana. Mas a mãe não fazia questão da bilíngue. “Quando ela entrou na escola, com um ano e meio, nem falava ainda. Eu queria uma escola em que ela se sentisse acolhida, confortável”, afirma Giuliana. Mas essa não era a única ressalva da mãe: ela temia que a entrada precoce em uma escola bilíngue acarretasse um atraso no desenvolvimento da linguagem da filha em português.


A diretora da Oak Tree, Cláudia Freesz, afirma que os pais ainda têm muitas dúvidas sobre a educação bilíngue, principalmente no que tange à confusão com a língua materna. “Alguns pais ainda não entendem a utilização de outro idioma como forma de comunicação e não como matéria, ou acreditam que as crianças se confundem”, afirma Freesz. “Outros pensam no vestibular, e acreditam que a educação bilíngue não prepara bem os alunos para a entrada em universidades”, completa. A diretora inclusive constatou em pesquisa interna que a maioria das crianças que hoje cursam a Educação Infantil bilíngue não dão continuidade a este tipo de educação. As principais razões são: orçamento doméstico, falta de conhecimento sobre a educação bilíngue, pouca oferta de escolas de educação bilíngue e internacionais de Ensino Fundamental I e II e ensino médio, e a preocupação com o vestibular. Os pais de Ana Beatriz ainda estão em dúvida sobre o futuro educacional da filha. “Talvez ela volte para uma monolíngue durante o período de alfabetização”, pondera a mãe.


Para as mães entusiastas do “quanto mais cedo melhor”, já existem berçários bilíngues como o Primetime Child Development, localizado no Morumbi. Lá, crianças de 3 meses de idade a 3 anos recebem formação intelectual, emocional e física. “Nós consolidamos ao mesmo tempo a língua mãe e o segundo idioma, que rapidamente se torna intuitivo. Quando eles começam a falar, falam português e inglês com a mesma naturalidade”, diz a dona da escola, Christine Bruder.







Internacionais também crescem

Na lista de instituições que oferecem instrução bilíngue ainda se somam as escolas internacionais e as estrangeiras. As primeiras utilizam o português como uma segunda língua, e dão ênfase a mais de um idioma extra, já as estrangeiras, adotam currículo e idioma oficial do país de origem, e o português é obrigatório apenas para os brasileiros. “Hoje existem mais de seis mil escolas internacionais no mundo todo”, estima Ricardo Chioccarello, gestor da Escola Internacional de Alphaville, em São Paulo. “Segundo estatísticas do ISC Research, órgão do Internacional Consultancy Group, a expectativa é que em 2020 este número ultrapasse onze mil escolas”, diz. E não são apenas as instituições que oferecem o inglês como segundo idioma que têm visto seu sucesso crescer no Brasil. O colégio alemão Humboldt, por exemplo, está no país desde 1916 e hoje tem mais de mil alunos matriculados. “A procura está muito ligada ao movimento econômico. O Brasil está em alta, logo, estrangeiros nos procuram e mais brasileiros interessam-se por uma formação internacional, multicultural que lhes abra as portas para o mundo”, explica Everton Augustin, diretor geral do Humboldt.

Autor

Natália Leão


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