NOTÍCIA

Ensino edição 231

Profissionalização da gestão ainda é prioridade no setor

Com as transformações da sociedade, repensar a estrutura foi assunto de décadas e ainda é atual dentro das instituições

Publicado em 09/09/2018

por Luciana Alvarez

profissionalização da gestão Algumas instituições afirmam que as transformações foram mais rápidas na área administrativa que acadêmica (foto: Shutterstock)

profissionalização da gestão

Algumas instituições afirmam que a área administrativa passou por  transformações mais rápidas que a  acadêmica (foto: Shutterstock)

A origem institucional, o tamanho do grupo e o tipo de oferta de cursos podem variar, mas nos últimos 20 anos todas as instituições de ensino superior repensaram suas estruturas de gestão. No período, a educação superior no Brasil se transformou em um setor econômico de peso e, mais do que isso, em um mercado extremamente competitivo. O maior lucro, contudo, passou a ser dos estudantes, que hoje contam com muito mais opções de estudos, em instituições mais bem organizadas e com grande eficiência.

Mais uma vez, a LDB foi determinante nesse processo, pois permitiu que grupos financeiros com fins lucrativos participassem da educação superior. O efeito dela na gestão começou a ser sentido algum tempo depois, a reboque do crescimento no número de matrículas.

“Entrei para o setor de educação no final de 2002, exatamente com a missão de implementar uma gestão eficiente. Um pouco antes, houve uma explosão do número de alunos, muitas instituições cresceram, mas a gestão não acompanhou”, lembra Francisco Elisio Sanches, diretor administrativo-financeiro da UniAraras, que vinha de um hospital e é engenheiro civil por formação. Esse fenômeno de a preocupação com a melhoria da gestão vir posteriormente é comum em todos os setores, garante ele. “Ninguém fala: vou me organizar primeiro. As empresas aproveitam a oportunidade que aparece e crescem – e só então vão olhar para a estrutura administrativa. O momento para o ensino superior foi muito positivo, mas a estrutura não se modernizou na mesma velocidade”, afirma.

Dentro da instituição de ensino, a transformação se deu em diferentes ritmos. “As mudanças avançaram mais rápido na área administrativa do que na acadêmica. Algo natural, porque professores são pessoas de alto nível intelectual e, portanto, mais críticos. É preciso que haja convencimento antes”, diz Sanches. Sem a sensibilidade para reconhecer e valorizar essas características específicas de uma instituição de ensino, um gestor vindo de outros setores econômicos pode ter dificuldades. “É preciso respeito pela cultura docente. Se o processo for muito apressado, o tiro pode sair pela culatra. Às vezes o “como” é mais importante do que “o quê” fazer. Acompanho se os professores estão satisfeitos, se o processo está adequado. Por isso, alguns processos demoram mais numa IES que numa indústria.”

Para Sanches, outro ponto importante foi desenvolver os próprios indicadores de sucesso. “Como saber se estávamos caminhando em direção às metas sem termos como medir?” questiona. Para ter balizadores, a UniAraras adotou os critérios da Fundação Nacional de Qualidade (FNQ). “Implementamos as práticas e criamos indicadores, para saber se estávamos atingindo os objetivos”, conta.

Longo prazo

Para nortear as estratégias de gestão e ajustá-las às diferentes necessidades com o passar dos anos, a instituições tiveram de definir de forma muito clara seus objetivos e missões. Fábio Figueiredo, diretor de planejamento e filho de um dos cofundadores da Cruzeiro do Sul, diz que 20 anos atrás ninguém imaginava o tamanho que a instituição teria hoje. “O grupo é composto por 17 instituições, com 250 mil alunos do berçário à pós-graduação. Com o EAD, chegamos a todos os estados. Mesmo nas discussões sobre planos a longo prazo não pensávamos que estaríamos deste tamanho. Mas a expansão nunca foi nossa meta – e também não é hoje. O crescimento foi um resultante. Queríamos construir um conglomerado de IES que fossem referências regionais, com bons indicadores de qualidade. O foco se mantém o mesmo”, afirma ele.

O primeiro passo, a partir do ano de 1999, foi a reconfiguração da sociedade. “A Cruzeiro estava num estágio de maturidade que exigia uma mudança de postura. A segunda geração, dos filhos dos fundadores, já estava adulta. Com ajuda de consultores, o grupo fez um plano de sucessão e gestão”, recorda Figueiredo. As famílias que decidiram continuar na sociedade tomaram decisões sobre como posicionar a Cruzeiro, para que a instituição pudesse crescer e ter um projeto de futuro.

Para que os planos se concretizassem, foi necessário fazer aquisições e aceitar novos sócios. “Em meados dos anos 2000, o jogo começou a ficar muito duro com a abertura de capital de alguns grupos. A gente sempre cresceu, mas tínhamos de acelerar. Para ter velocidade, precisávamos de aquisições. Outro passo foi em fevereiro de 2012, quando recebemos um aporte de um fundo de investimentos britânico, que se tornou nosso sócio. Estiveram conosco por cinco anos, como previsto, e no ano passado, outro grupo, este de Cingapura, adquiriu a fatia dos britânicos”, conta Figueiredo.

Assim, mesmo instituições de ensino que se mantêm sob controle familiar, passaram a adotar práticas de boa governança corporativa, como no caso da escola de negócios Saint Paul. “A diretoria é controlada por um conselho, temos rigor na prestação de contas. Como presidente, sou avaliado anualmente, tenho de entregar resultados. Ninguém pode estar aqui só para esquentar cadeira”, afirma José Cláudio Securato, sobre a IES que nasceu como uma editora de livros de finanças. “É uma empresa familiar, e usamos isso a nosso favor: é mais fácil para tomar decisões, mais ágil. Mas adotamos práticas de compliance de grandes empresas”, garante.

Aprimoramento constante

Por estar no ramo da educação, Securato diz que seu trabalho envolve aprender constantemente. “Na diretoria, estamos o tempo inteiro estudando. Todas as vezes que nossos executivos vão a um congresso, eles voltam e compartilham o conhecimento, de temas de filosofia a antropologia. Um aprende com os outros”, afirma. Outro tema permanente em suas pesquisas é buscar entender como as pessoas aprendem. “Como fazer que aprendam mais rápido? E de forma mais barata? Passamos então a investir no on-line e lançamos recentemente a plataforma LIT, algo como um Netflix da educação, por assinatura mensal. O aluno tem um “robô tutor”, com base no uso de tecnologias de inteligência artificial.

Daniel Castanho, presidente do Conselho de Administração do grupo Ânima Educação, que há oito anos está na lista das melhores “empresas para trabalhar no Brasil pelo Great Place to Work (GPTW), diz que seria um paradoxo uma empresa de educação não investir na formação de seus quadros. “Uma das empresas que integram a Ânima, a HSM Educação Executiva, é a responsável pelo desenvolvimento de grandes eventos e oportunidades para que importantes vozes do mundo atual dos negócios capacitem executivos e gestores de todo o Brasil. Diante disso, os colaboradores e professores da Ânima, bem como de todas as nossas instituições, também têm a chance de serem capacitados com o que há de mais up to date em gestão e negócios no mundo”, afirma.

Outra forma de promover o crescimento é montando equipes diversas, com experiências múltiplas, defende Castanho. “Acreditamos que, justamente por meio desta diversidade, as soluções encontradas são mais criativas e muito mais ousadas. Trazer e abrir espaço para pessoas com múltiplas experiências e de outros setores favorece o cenário para que possamos construir e reinventar processos, sempre nos questionando se é possível fazer algo de maneira diferente do que a gente faz, prezando pela qualidade e eficiência”, afirma.

profissionalização do setor

Daniel Castanho, presidente do Conselho de Administração do Grupo Ânima: investimento na formação de seus profissionais para dar sustentação aos projetos de crescimento (foto: divulgação)

Mais desafios na gestão

Americo Matiello, vice-presidente de Graduação Presencial da Kroton, lembra que numa empresa de capital aberto como a na qual trabalha, a governança tem de ser robusta. Mas que a grande meta – e o grande desafio – dos gestores de IES deve ser o mesmo, independentemente do tamanho do grupo ou formato do negócio. “O objetivo da gestão é entregar qualidade de ensino com eficiência financeira. Tem de colocar o aluno como um cliente, mas um cliente que vai ficar quatro anos comigo, vindo todos os dias. Que outro setor precisa conquistar esse nível de fidelidade? Você precisa encantar o aluno todos os dias”, afirma.

Ainda que a gestão no ensino superior tenha dado um salto qualitativo nos últimos 20 anos, ela vai ter de se aprimorar ainda mais, por causa do aumento da oferta de cursos em EAD. “Às vezes, numa cidade média, havia apenas uma faculdade. De um ano para outro, podem chegar quatro novas instituições oferecendo EAD. Os gestores precisarão rever todos os processos”, prevê. Essa competição não deve assustar, mas sim estimular, acredita. “A competição é saudável: temos várias instituições brigando pelo aluno, e ele pode comparar para escolher a melhor. Então as IES precisam se esforçar e de fato melhorar a vida do aluno.”

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Autor

Luciana Alvarez


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