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Educação no Mundo

Quanto menor, melhor

Com baixo índice de formandos, escolas de ensino médio de Atlanta, na Geórgia, são divididas em unidades pequenas, com diretores independentes; decisão triplicou o número de alunos que se formam

Publicado em 10/09/2011

por Beatriz Rey

Jobias McLester é um adolescente de 16 anos matriculado no 3º e penúltimo ano do ensino médio na cidade de Atlanta, na Geórgia. Em outras palavras, ele é um junior. Jobias pretende ingressar, após sua formatura, na Universidade do Sul da Flórida, para estudar medicina esportiva. Ele não tem dúvidas sobre a escolha: já está habituado com alguns conceitos e conteúdos da área, pois estudou na Escola de Saúde e Ciências, no complexo de escolas chamado The New Schools of Carver (As Novas Escolas de Carver), uma instituição reformulada há três anos pela Atlanta Public Schools (APS, ou Escolas Públicas de Atlanta). "Estar numa escola de ciências me deixa mais preparado para minha entrada na universidade. Se eu estivesse no ensino médio regular, não saberia o que já sei de medicina esportiva", conta.

A Escola de Saúde e Ciências é apenas uma das cinco escolas que foram criadas a partir da Escola de Ensino Médio Carver, antigo colégio de ensino médio regular que convivia com problemas de toda ordem. Para começar, 40% dos alunos que moravam no perímetro da instituição deixavam de estudar ou migravam para escolas particulares. No ano escolar 2005-2006, o índice de formandos foi de 23%. Além disso, os resultados dos testes de final de curso, realizados pelos estudantes nas séries finais das etapas equivalentes aos ensinos fundamental e médio no Brasil, estavam bem abaixo do esperado pela APS. Em álgebra e geometria, por exemplo, a porcentagem dos alunos não aprovados correspondia a 73% e 72%, respectivamente. "Sabíamos que não existia uma cultura de ir à universidade", diz Kathy Augustine, superintendente de instrução da APS.
 
Com tantos números negativos em mãos, a APS optou, em 2005, por dividir Carver em cinco escolas temáticas menores, com diretores independentes, e uniu um currículo preparatório para as universidades (college prep) a um currículo mais técnico, que forma o aluno em áreas relacionadas a ciências, tecnologia e artes (school-to-career). Há a Escola de Artes, a Escola de Tecnologia e a Escola de Saúde e Ciências, por exemplo. Há também uma instituição que se dedica exclusivamente à preparação do aluno para a universidade, chamada Escola de Antecipação da Universidade, que permite ao estudante ganhar créditos na Universidade do Estado da Geórgia, ao mesmo tempo que assiste a aulas regulares do ensino médio. Para abrigar os alunos que estavam na antiga Escola de Ensino Médio Carver, foi criada a Escola de Empreendedorismo, cujo último ano de existência é o de 2008, período em que esses estudantes se formam. "Não manteremos essa unidade por questões de espaço. O que essa escola fez foi mostrar que, ao colocar as crianças em outro ambiente, as expectativas e a cultura mudam", continua a superintendente.

Quando fala em mudança de ambiente, Kathy se refere primeiramente aos prédios das cinco escolas que foram reformados ou construídos, operação financiada por um fundo formado  a partir de um imposto de 1% cobrado sobre vendas, criado em 1985 no Estado, para diversos projetos de melhorias públicas. "A idéia era assegurar que os prédios proporcionassem o tipo de experiência de ensino médio que estamos oferecendo", diz Kathy.

Para chegar a esse modelo, a APS contou com a ajuda da comunidade para entrevistar pais, alunos e os representantes da indústria local. Aos pais e aos alunos, perguntou-se o que gostariam de ver para motivar os estudantes a irem à escola. Aos representantes, a instituição questionou de que tipo de formação o mercado estava precisando. Assim, os temas das escolas foram pensados para chamar a atenção dos alunos, ao mesmo tempo que representam as áreas com boa demanda profissional. "Não podemos perder de vista que o propósito das escolas é oferecer ao aluno opções após o ensino médio", aponta Charlotte Spann, diretora do projeto de reforma.


Pontos centrais


Básicos, os pilares da reforma na escola são: investimento na criação de ambientes pequenos (escola e salas de aula), em que diretores e professores sabem os nomes de todos os alunos; diretores com boa formação acadêmica e espírito de liderança; professores envolvidos com a chamada prática "baseada na indagação"; comprometimento da própria APS com a formação contínua de seus professores; e, por último, um currículo que abriga grandes áreas como língua inglesa, matemática, história, biologia, somadas às eletivas, que seguem os temas das escolas.

Como em Carver as salas de aula não têm mais de 15 alunos, é possível programar, por exemplo, reuniões semanais entre um professor e um grupo específico de alunos, para que troquem informações sobre dificuldades no estudo e até na vida pessoal. "O aluno começou a perceber que não precisa ser o mais inteligente para chamar a atenção do professor. Acreditamos que esse ambiente pequeno é a maior razão para os números de evasão terem diminuído tanto", aponta a superintendente de instrução.
 
Desde 2005, ano em que o colégio foi dividido em cinco escolas, houve um aumento de 50% nas matrículas, além de o índice de formandos ter subido, no ano escolar 2006-2007, para 66% (triplicou em relação aos 23% anteriores). Quando a direção detecta faltas sucessivas de um aluno, ou até mesmo atrasos, os pais recebem uma ligação, questionando se há algum problema. Kathy ilustra sua afirmação com a história do time de futebol da escola, que antes da reforma colecionava derrotas e estádios vazios nos campeonatos dos quais participava. Hoje, não só vence como atrai pais, alunos e até ex-alunos aos jogos. Assim, os pais, envolvidos pelos alunos, começaram a participar mais ativamente da escola também.

No início desse processo, a superintendente da APS, Beverly Hall, percebeu que não era possível implantar metade do que pretendia sem uma gestão eficaz em cada escola. Depois de uma verdadeira jornada pelos EUA buscando os melhores diretores, Beverly chegou aos seguintes números: nas 96 escolas em todo o sistema educacional gerido pela APS, ela já mudou 150 diretores.

Adotando a mesma estratégia da educação pública de Nova York – que opta pela demissão do diretor quando o identifica como ineficiente -, ela chegou a diretores com um perfil que considera adequado, vendo-os como comprometidos com a liderança de sua equipe e, ao mesmo tempo, com uma formação adequada ao cargo que ocupam. Outra medida que a instituição adotou foi aumentar o salário dos professores, para equipará-lo ao das cidades próximas a Atlanta. Kathy Augustine explica que a APS mantém, desde 2000, um programa de bonificação pelo desempenho da escola em relação a metas estabelecidas (são aproximadamente 16 para o ensino fundamental e 12 para o ensino médio).
Nas escolas que alcançam 70% ou mais desses objetivos, todos os funcionários – diretores, professores, merendeiros e motoristas de ônibus, entre outros – ganham um "salário-incentivo". Para os professores e diretores, por exemplo, o valor pode chegar a US$ 2 mil por pessoa, número que cai para US$ 200 no caso da equipe administrativa. "Em 2000, apenas oito escolas conseguiram. Hoje, pelo menos um terço de todas as nossas escolas chegam ao pretendido", aponta.


As deficiências do plano


Pouco tempo depois do começo das reformas em Carver, a Fundação Gates procurou a APS para investir no novo projeto. Além de subsídios financeiros, a instituição ofereceu os serviços do McKinsey&Company, grupo internacional de consultores. Foram eles que aconselharam a equipe comandada por Beverly Hall a ir mais devagar no projeto de reformar as outras escolas de ensino médio da rede – até agora, apenas três foram transformadas, incluindo Carver.

Além de apontar os custos altos, a consultoria avaliou que, feitas com pressa, as transformações poderiam deixar ainda mais latentes as deficiências existentes, como a formação dos professores. Como acontece no Brasil, os professores norte-americanos, diz Kathy, saem das universidades despreparados para o cotidiano escolar.

A APS tem dois objetivos relativos a essa formação pós-universitária: torná-la contínua e preparar os professores para que ensinem com a prática baseada na indagação. A definição que a instituição dá para o termo é simples: utilizando essa prática, o professor partiria de uma questão para ensinar. "Em vez de ter uma aula de geometria em que o professor fala de ângulos e hipóteses, ele parte de uma pergunta como: de que maneira a geometria é essencial para maximizar o espaço dentro de um carro em viagens de longa distância?", explica Charlotte Spann, diretora da reforma.

Um dos espaços pensados para isso são as "comunidades de aprendizagem profissional", grupos de educadores que se reúnem constantemente para refletir e analisar sua prática pedagógica. Há diversos tipos de comunidades do gênero pelo campus de Carver, como a de interdisciplinaridade, que acontece duas vezes por semana. As comunidades acontecem também nos campi dos outros colégios reformados (Escola do Sul de Atlanta e a Escola Daniel McClaughin Therrell).
Outra iniciativa pela formação contínua dos professores, esta exclusiva da primeira escola transformada, provém da parceria com o Institute of Student Achievement (ISA), que oferece cursos com estratégias para ensinar com a prática baseada na indagação. Kathy Augustine afirma que, além das questões como a formação dos professores, a APS identificou outros problemas no processo de reformulação de Carver, como a abertura do currículo para as questões mundiais. "Os alunos precisam saber que as coisas não funcionam em função de seus bairros, ou de seu Estado. É preciso saber de tudo o que acontece no mundo", revela. Em um país onde ainda é possível encontrar um pai de aluno californiano que identifica Buenos Aires como a capital do Brasil, a intenção é mais que bem-vinda. 


O aluno da Escola de Ciências e Saúde Jobias McLester:" estar numa escola de ciências me deixa mais preparado para minha entrada na universidade"

O modelo americano

O governo federal norte-americano não administra nenhuma escola ou rede de ensino, incumbência dos Estados. Cada Estado tem um departamento de educação, responsável por distritos educacionais ao longo do país, ou agrupamentos de escolas, geralmente localizados em condados ou cidades. No caso do Estado da Geórgia, por exemplo, o Departamento de Educação local cuida de aproximadamente 200 distritos educacionais, a maioria deles em condados e alguns localizados em cidades, como é o caso de Atlanta. Na área metropolitana de Atlanta, há sete distritos educacionais, entre eles a Atlanta Public Schools (APS), responsável pelas mudanças em Carver. A APS administra 96 escolas regulares, três alternativas (onde estudam os alunos com problemas de aprendizagem e disciplina) e oito escolas "de privilégio", liberadas de alguns dos regulamentos que se aplicam a outras escolas públicas, em troca do compromisso de produzir resultados específicos.



Realidade local

Além das novas escolas de Carver, a APS reformulou também a Escola do Sul de Atlanta e a Escola Daniel McClaughin Therrell, ambas divididas em quatro outras escolas de menor porte. O próximo colégio a ser transformado, no ano escolar 2008-2009, será a Escola de South Side, mas haverá uma diferença: em vez de pequenas escolas, com diretores independentes, South Side será reduzida a pequenas comunidades de aprendizagem. "Na prática, haverá apenas um diretor, que cuidará do orçamento, por exemplo, e trabalhará com os chamados líderes acadêmicos, responsáveis por cada comunidade", explica Charlotte Spann. A decisão por esse modelo foi tomada com base na realidade da escola, que há aproximadamente três anos já trabalha com as comunidades. "A diretora é forte na escola, já demitiu 71% dos professores e contratou novos. Ela recomendou que optássemos pela manutenção do modelo, o que foi considerado e aprovado. Ela já estava no caminho certo, e não gostaríamos de atrapalhar", pondera.

Autor

Beatriz Rey


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