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Questões em aberto

Governo promete triplicar o número de matrículas na Universidade Aberta do Brasil (UAB), mas sistema ainda padece com problemas de evasão e falta de infraestrutura

Publicado em 01/06/2012

por Meire Cavalcante





Alcançar 600 mil alunos até 2014. Essa é a promessa do Ministério da Educação (MEC) para a Universidade Aberta do Brasil (UAB), que, por meio de cursos oferecidos na modalidade a distância, tem propiciado a professores de todos os lugares do país a possibilidade de se aperfeiçoarem. Por meio de parcerias com instituições de nível superior públicas e privadas, a UAB foi pensada para atacar diretamente as lacunas da formação docente, oferecendo cursos em diversas modalidades, como licenciatura (onde estão concentradas 51% das matrículas ativas) e especialização (que somam 27% dessas matrículas). Atualmente, existem 208,7 mil alunos matriculados na UAB, em todos os municípios do Brasil. A meta, então, é praticamente triplicar o número de matrículas.


Segundo João Carlos Teatini, diretor de educação a distância da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), responsável pela UAB, trata-se de um objetivo viável. “Até o final de 2012, chegaremos a 300 mil alunos, pois serão contabilizadas as matrículas do segundo semestre, decorrentes de dois programas específicos e de uma nova edição do  mestrado profissional para professores de matemática do ensino médio”, explica (leia texto aqui). Um dos programas mencionados por Teatini é o Programa Nacional de Formação em Administração Pública (Pnap), que oferece especialização na área com foco em educação, saúde ou administração pública, e que deverá ter matriculados cerca de 50 mil novos estudantes. O outro é em nível de graduação, que já tem cerca de 40 mil alunos. “Mais um salto já aprovado pela Capes, mas ainda não publicado, ocorrerá no ano que vem. A UAB oferecerá uma graduação nacional em biblioteconomia. A empregabilidade do curso é alta e atrairá muitos candidatos”, afirma Teatini.


Entraves
No entanto, para atingir esse número e garantir que a grande maioria dos alunos matriculados consiga se formar, o MEC e as instituições parceiras da UAB precisam solucionar problemas de naturezas diferentes. Um deles tem a ver com a evasão dos cursos, que hoje tem uma taxa bruta de 18,2%. O outro requer estratégias eficazes para que o regime de colaboração entre os entes federados realmente ocorra, pois há inúmeros casos de redes de ensino que dificultam ou impedem os professores de realizarem os cursos (negando apoio financeiro ou a dispensa do trabalho para os encontros presenciais). Além disso, é preciso garantir que a estrutura dos polos da UAB tenha condições adequadas de funcionamento.


Evasão, um desafio
No geral, a taxa bruta de evasão de todos os cursos da UAB é de 18,2%. A maior taxa bruta de evasão aparece nos cursos tecnólogos: 34,8%. Já nos de aperfeiçoamento, a desistência chega a 23,7%. Na modalidade formação pedagógica, o índice é de 20% (veja os dados por curso no quadro da pág. 62). É importante ressaltar que os dados fornecidos pela Capes apresentaram inconsistências – alguns cálculos foram refeitos por Educação. Segundo João Carlos Teatini, da Capes, a evasão tem relação direta com a falta de apoio por parte das secretarias de Educação de estados e municípios ou das -escolas onde atuam os professores-alunos. A educação a distância requer não só a disponibilidade de um computador conectado à internet e um aluno interessado, mas também sua presença em algumas etapas do processo de formação, pois os cursos são semipresenciais. É justamente nesse momento que muitos problemas surgem.


“A evasão é alta principalmente nos lugares onde não se valoriza o aperfeiçoamento dos professores e onde há ineficiência do regime de colaboração entre os entes federados. Há secretarias que não oferecem transporte ou ajuda de custo para o professor que estuda e não contratam professor substituto para cobrir sua ausência quando ele vai para os encontros presenciais”, diz o diretor de EAD da Capes. Teatini afirma que o assunto tem sido pauta de conversas entre o MEC, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).


Realidade
A rede municipal de Cachoeira do Arari (PA) tem feito sua lição de casa nesse sentido. A prefeitura é a mantenedora do polo da UAB. As licenciaturas em letras e matemática (graduação de quatro anos de duração) são oferecidas pela Universidade do Estado do Pará (Uepa). Os encontros presenciais dos cursos acontecem semanalmente às sextas-feiras, das 19h às 22h, e aos sábados, durante o dia inteiro. Segundo o coordenador do polo da UAB no município, João Vitor Barbosa da Gama, os professores da rede pública que cursam as licenciaturas recebem dispensa para comparecerem aos encontros presenciais. Os docentes da zona rural, que precisam se deslocar por mais tempo para chegar ao polo, são liberados mais cedo e a escola garante a presença de um professor auxiliar para que a aula não fique prejudicada. O professor cursista pode repor as aulas dispensadas em outras atividades e não tem desconto no salário.


Mas não é o que ocorre em todos os lugares. “Há duas prefeituras vizinhas que não liberam os profissionais e até descontam dos vencimentos as faltas. Não existe ajuda de custo para deslocamento, alimentação e hospedagem”, diz Gama. Como tudo sai do bolso dos professores, a solução para economizar com hospedagem surgiu da iniciativa de uma diretora de escola local que também é aluna da UAB. Há colchões na escola e ela libera o lugar para que oito colegas das cidades vizinhas possam ali pernoitar. A alimentação e o transporte são por conta de cada um. São cerca de três horas de viagem, sendo que é preciso cruzar um rio por meio de balsa. Quando o ônibus de passageiros perde a embarcação, é preciso esperar cerca de uma hora até a próxima viagem. Nessa situação, ou o professor falta ao serviço ou chega atrasado ao polo – o que prejudica seus estudos.


Esses docentes, além de arcarem com faltas não abonadas, descontos no salário, viagens cansativas e custos, precisam se manter firmes para lidar com a pressão que sofrem da direção da escola onde trabalham.  “Eles são extremamente interessados, mesmo com todas as dificuldades. Nenhum deles desistiu do curso e eu os incentivo a ficar. Não é fácil. No fim do dia, eles estão visivelmente exaustos”, conta. O coordenador semanalmente emite declarações que confirmam a presença dos professores para estudo. Para Gama, tudo isso é uma grande ironia. Afinal, esses municípios dificultam o aperfeiçoamento de sua própria mão de obra (aperfeiçoamento que sequer gera custos para o orçamento municipal). É preciso lembrar que todos os professores que estão cursando a graduação nesse polo nunca fizeram uma faculdade antes, só tinham o curso de magistério. Um grande salto, que alguns municípios desprezam.


Para Denise Martins de Abreu-e-Lima, coordenadora da UAB na Universidade Federal de São Carlos e presidente do Fórum de Coordenadores UAB, essa é uma questão delicada e que precisa ser discutida. “Ao mesmo tempo que o professor deve ter direito de retomar seus estudos e melhorar seus conhecimentos – até mesmo para mudar sua realidade escolar -, há que se considerar que dispensá-lo de suas atividades gera um efeito colateral danoso se não for pensado com estratégia, pois não há como substituí-lo deixando os alunos sem professor nas escolas. É um problema cíclico. É um direito do professor e é um compromisso do governo (qualquer que seja ele) de garantir isso”, diz Denise. A professora afirma que há alternativas sendo pensadas, mas cuja articulação é difícil justamente porque envolve a gestão por parte dos entes federados. “O que me deixa otimista é o fato de que nunca houve tantos grupos e conselhos debruçados sobre essa questão como agora. Tenho certeza de que, de alguma forma, conseguiremos equacionar esse desafio”, analisa.


Estrutura é fundamental
Outro ponto decisivo para garantir a presença dos alunos nos cursos da UAB é a oferta adequada de estrutura dos polos que fazem o apoio presencial. Esses polos são de responsabilidade dos mantenedores (universidades ou secretarias de Educação), que se encarregam de oferecer computadores, laboratórios específicos (de acordo com o curso) e espaço para estágios. Esses mantenedores assinam um termo de compromisso que os obriga também a manter a limpeza, pagar servidores de apoio e custear serviços básicos, como água, luz e internet com velocidade adequada. No polo de Cachoeira do Arari, no Pará, apesar de o prédio ser novo e oferecer internet banda larga sem fio, a sala de informática conta com apenas 11 computadores – o que não é suficiente para atender à demanda. Segundo João Vitor, coordenador do polo, os trinta novos computadores que deveriam ter sido enviados pela Capes ainda não chegaram. “O que salva é que quase todos os professores possuem notebooks. Como temos rede sem fio, eles conseguem acessar a internet”, diz.


Segundo João Carlos Teatini, a qualidade dos polos tem sido alvo de avaliações criteriosas por parte da Capes. “Estamos avaliando cerca de 500 polos. Até junho, serão 770. A grande maioria apresenta boas condições e, por isso, é considerada apta. Os polos aptos com pendências são aqueles que apresentam problemas que devem ser resolvidos dentro de um prazo, mas que não impedem seu funcionamento (como ausência de placa de identificação na entrada ou acessibilidade do prédio). Os não aptos são aqueles que, por exemplo, não oferecem um laboratório exigido pelo curso, internet ou técnicos”, explica Teatini.


Novos horizontes
Equacionar todos esses desafios é fundamental para que a Universidade Aberta do Brasil possa cumprir sua missão de levar formação de qualidade a todos os lugares do país e em larga escala. Segundo a professora Denise, da UFSCar, a chegada da UAB trouxe grandes mudanças para o ensino superior. “Os professores das universidades públicas do país, participantes da UAB, são pesquisadores reconhecidos no país e no exterior. Muitos eram contra essa modalidade. A maioria começou a perceber como a interação no ambiente virtual aproxima os estudantes do professor e permite que ele faça um acompanhamento mais adequado do processo de cada um”, afirma.


Além de a qualidade do curso ser determinante, a modalidade a distância exige algumas habilidades do aluno que são fundamentais no mercado de trabalho. Responsabilidade, compromisso consigo mesmo, organização e bom gerenciamento do tempo são determinantes para o bom rendimento escolar. Isso requer certo investimento no aluno logo no início do curso, para que ele seja orientado em relação ao funcionamento do sistema e sobre como se organizar. “Futuramente, e estamos trabalhando para isso, não haverá distinção entre presencial e a distância. Haverá mais ou menos participação presencial nos cursos, mas ambas as modalidades se utilizarão das tecnologias de informação e comunicação de forma a permitir uma melhor compreensão e interatividade com a informação”, prevê Denise.

Autor

Meire Cavalcante


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