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Vereda da expressão

Estudantes e autores se reúnem e mostram que as atividades de dramaturgia têm alcance bem maior que o de apenas produzir a montagem de peças

Publicado em 10/09/2011

por Gabriel Jareta


Tuna Serzedello, do Colégio São Luís, com alunos: o estudante que faz teatro acaba se envolvendo também em outras atividades da escola, como o grêmio, a rádio e trabalhos de voluntariado

Na Escola Estadual David Zeiger, no extremo sul da cidade de São Paulo, um pequeno grupo de alunos se reúne todas as segundas e quartas-feiras em uma sala de aula, afasta as carteiras e começa a ensaiar pequenos esquetes de teatro. Para esses jovens, a atividade não é apenas um passatempo, mas uma oportunidade de vencer pequenas batalhas e, quem sabe, seguir uma carreira. O teatro chegou até lá graças a uma ONG que incentivou a criação do grupo, hoje mantido por uma professora. "Fazer teatro me transformou completamente, antes eu era uma pessoa muito fechada, muito tímida. Quando penso em teatro hoje, penso em conhecimento", conta Suevelin dos Santos, 15 anos, aluna do 2o ano do ensino médio.

No último fim de semana de maio, Suevelin e seus colegas atravessaram São Paulo até o Colégio São Luís, na Avenida Paulista, para participar de um workshop de teatro promovido pelo Projeto Conexões, iniciativa do National Theatre de Londres, há 13 anos presente em diversos países com o fito de incentivar a montagem de peças pelos jovens e para os jovens. Na edição inglesa deste ano, mais de 300 grupos participaram do projeto. Em São Paulo, foram discutidas quatro peças, duas escritas pelos autores britânicos Judith Johnson e David Farr e duas inéditas, redigidas especialmente para o público brasileiro pelo jornalista Caco Barcellos e pelo escritor Marcelo Rubens Paiva. Nove grupos totalizando 120 jovens de escolas públicas e particulares e de companhias amadoras de teatro dividiram-se para discutir os textos com os autores e dar início à divisão de papéis e aos ensaios. A previsão é de que as peças estréiem em novembro deste ano.


A atriz Lígia Cortez e alunos durante o workshop realizado no Colégio São Luís, em São Paulo

Se o grupo de teatro na escola de Suevelin é exceção nas escolas públicas, mantido na base da boa vontade, na terra de William Shakespeare o teatro está na grade curricular da maioria das escolas desde a 5ª série. Quando não há a disciplina curricular, o aluno pode freqüentar os muitos cursos oferecidos fora do espaço escolar. "Nos colégios britânicos, o teatro é importante em muitos sentidos: ajuda nas questões de relacionamento, na capacidade crítica, na habilidade de lidar com os problemas", explica a autora Judith.


Estímulo extra

Em São Paulo, algumas escolas particulares oferecem aulas de teatro como atividade extracurricular, com espaço próprio e um calendário cheio. No Colégio São Luís, por exemplo, cerca de 700 alunos, de um total de 2.200, freqüentam as aulas de teatro. Para o coordenador do curso, Tuna Serzedello, os resultados ultrapassam a experiência do palco e contribuem para uma sociedade baseada no diálogo. "O aluno que faz teatro acaba se envolvendo também em outras atividades na escola, como o grêmio, a rádio e trabalhos de voluntariado", diz.

Para David Farr, o outro autor britânico no workshop, o sentido de coletividade do teatro é peça fundamental na educação – em um grau tão importante quanto a leitura, que, afinal, é uma experiência solitária. "Para uma audiência de jovens, o teatro é a melhor maneira de discutir política", afirma. Antes do encontro com os grupos, ele visitou alguns dos locais onde eles se formaram, boa parte em áreas da periferia de São Paulo.

Segundo o autor, as diferenças entre as escolas públicas em áreas pobres de Londres e as da capital paulista são menores do que se imagina. A peça que Farr escreveu para o projeto, "Ruckus in the Garden" (traduzida como "Treta no Jardim"), aborda justamente a rivalidade que surge num encontro entre alunos de uma escola rica e de uma escola pobre. "Algumas escolas em Londres têm problemas sérios, estão abandonadas. Temos uma classe média muito grande, mas a minoria tem acesso à boa educação. Um dos meus personagens diz a certa altura para um aluno da escola rica: ‘Você sabe o que é ser escolhido. Eu não sei’", relata. O diálogo remete diretamente à fala de uma das alunas do Colégio Santa Cruz que aparece no documentário Pro Dia Nascer Feliz, de João Jardim, exibido no início deste ano. No filme, a adolescente desabafa exatamente sobre o peso de ser uma "escolhida".

Além das questões sociais, o escritor e dramaturgo Marcelo Rubens Paiva acredita que o teatro, até por ser a mais antiga forma de expressão literária, é uma das bases para uma "revolução" que precisa ser feita no país: a da leitura. "O Brasil tem um índice baixíssimo de leitura, o jovem não se sente estimulado, não há livros em casa, não há bibliotecas nas escolas", diz. Para ele – que não concorda com a segmentação de livros e peças "para jovens" -, as escolas deveriam incorporar em seu currículo uma disciplina específica de literatura. "O aluno deveria ficar uns três anos na escola estudando literatura, lendo textos teatrais. Uma carga pesada mesmo", defende.


Menos timidez, mais criatividade

Para os participantes do projeto, é clara a influência do teatro em uma melhora significativa das relações sociais e mesmo no desempenho na sala de aula. Aluna da 8ª série do Colégio São Luís, Mariana Gonçalves, 14 anos, conta que seu maior aprendizado é a improvisação. "A gente aprende a se virar, não tem medo de passar vergonha e desenvolve a criatividade." Sua colega Flávia Guedes, 15 anos, acredita que, além de superar a timidez, as aulas de teatro ajudam a controlar os ânimos. "Eu era muito agressiva, ainda sou um pouco, mas percebo que isso já melhorou", diz.

"Veterano" nos palcos do colégio, Martim Moreau Maita, 17 anos, aluno do 3o ano do ensino médio, fala com desenvoltura de dramaturgos brasileiros como Nelson Rodrigues, Plínio Marcos e até de autores menos conhecidos, como Mário Bortolotto. Tem especial interesse pelo texto teatral e pretende prestar a prova da Escola de Artes Dramáticas da Universidade de São Paulo (EAD). "O texto de teatro não é muito valorizado no Brasil, isso deveria ser mais desenvolvido." O sonho de seguir carreira no teatro é compartilhado por Fabrício Pereira, 16 anos, aluno do ensino médio na EE David Zeiger que só recentemente assistiu a uma peça "de verdade" por falta de opções culturais na região onde mora, próximo a Parelheiros, zona sul da capital paulista. "Nunca existiu nada cultural lá, mas hoje já penso em me profissionalizar", diz.

Como diz Judith Johnson sobre o caráter universal do teatro: "A mesma história pode funcionar em locais distintos, para públicos diferentes, as preocupações são as mesmas na Inglaterra ou no Brasil".



Colégios de São Paulo investem nas salas de teatro

Já se foi a época em que a maioria das escolas públicas proporcionava aos estudantes e professores um amplo anfiteatro (muitas vezes chamado de "salão nobre"), para uso em formaturas, palestras e, principalmente, apresentações teatrais no final do ano letivo. Poucos colégios tradicionais – públicos ou particulares – ainda mantêm um espaço do tipo, embora sejam raramente utilizados para espetáculos teatrais. Na contramão dessa "tendência", algumas escolas de São Paulo estão investindo não só em aulas de teatro para os alunos, mas também em tecnologia, mecânica cênica, ampla estrutura, diversidade de atrações e direção independente. E, além dos estudantes, os moradores dos bairros próximos também estão ganhando novas opções culturais. 

Na região de Interlagos, zona sul de São Paulo, a ausência de centros culturais próximos está sendo suprida em parte pelo Teatro Humboldt, que pertence à instituição de ensino de mesmo nome, um colégio bilíngüe alemão. Inaugurado há três anos e com capacidade para 430 espectadores, o espaço conta com itens de teatros "profissionais", como mesa de luz computadorizada e design de palco. Mais do que trazer benefícios para os próprios alunos, o Humboldt leva estudantes de outras escolas para assistir às peças em cartaz e realiza, a cada dois anos, uma mostra envolvendo grupos de colégios da região. "Nossa proposta é fomentar o teatro em diversos âmbitos: desde a produção até a circulação das peças apresentadas", diz o professor Joaquim Grava, diretor do Grupo Experimental de Teatro do colégio. Segundo ele, o grupo existe há cerca de dez anos e envolve jovens da 6ª série ao 3º colegial. "São cerca de 30 alunos por série, e todos ensaiam juntos, uma vez por semana", conta.

Outros colégios de São Paulo, como o Santo Agostinho, Santa Cruz, Mary Ward e São Luís oferecem amplas salas de espetáculos – só essas escolas, mais o Humboldt, oferecem cerca de 2,5 mil lugares no total. A vantagem é que alguns estão em regiões muitas vezes fora do circuito cultural da cidade, como o Teatro Eva Wilma, do Mary Ward, que fica no Tatuapé, zona leste de São Paulo. No caso do Colégio São Luís, embora localizado próximo à Avenida Paulista, a tradição teatral vai além dos limites do ambiente escolar. "Todo final de ano, nosso grupo apresenta autos de Natal em creches e asilos", conta Tuna Serzedello, coordenador do curso de teatro. O colégio também sedia a mostra intercolegial de teatro, que neste ano terá sua sexta edição.


Para saber mais


A Escola no Teatro, de Taís Ferreira (Editora Mediação, 2006)
Jogos Teatrais na Sala de Aula, de Viola Spolin (Perspectiva, 2007)

Autor

Gabriel Jareta


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