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A Jai

Como transformar laranjas, pratos e tigelas em ferramentas de ensino

Publicado em 10/09/2011

por Rubem Alves

A Jai é a mulher que me ajuda, pondo em ordem as minhas bagunças. Descobri a sua inteligência acidentalmente. Foi assim: estava montando um quebra-cabeça de mil peças. Os prazeres se sucediam, os machos se encaixando nas fêmeas como amantes apaixonados. Até que cheguei ao céu azul, sem uma única nuvem. Só o azul. Esse é o terror: peças de uma cor só. A gente fica sem referências. Aí os prazeres foram ficando mais raros, fui cansando e finalmente abandonei o quebra-cabeça sobre a mesa, como estava. Foi quando uma coisa estranha começou a acontecer. Eu vivo só no meu apartamento. E não é que o quebra-cabeça começou a completar-se sozinho?  A pessoa responsável pelo milagre só podia ser a Jai… Começamos, então, a competir, ver quem fazia mais, ela de dia, eu à noite. Até que ela pôs a última peça… Foi assim que descobri que ela é muito inteligente.

Mas a inteligência dela aparece em tudo. É só provocar a curiosidade dela para que ela abra um largo sorriso de dentes brancos. Fui à Itália. Na volta, contei-lhe da viagem. Perguntei se sabia onde era a Itália. Não sabia. Nunca olhara um mapa. Mostrei-lhe um Atlas. Mostrei e expliquei os continentes e oceanos, o norte e o sul. Contei-lhe sobre os polos onde só há gelo e os dias e as noites duram seis meses. "Você sabe que a Terra é uma bola que gira?" Ela respondeu: "Já ouvi dizer…". "Então", disse eu, "venha aqui na cozinha…" Peguei uma laranja e a aproximei  da lâmpada acesa. "Imagine que a lâmpada é o sol e a laranja é a Terra. Onde é que é dia e onde é que é noite?" Ela apontou logo para a parte iluminada da laranja: "Aqui é dia, na sombra é noite". "Então", conclui, "enquanto aqui é dia, do outro lado da laranja é… noite. Os chineses e os japoneses estão dormindo agora…"

Num outro dia foi uma lição de física. Tenho uma tigela redonda para salada. Pondo em ordem os pratos e talheres sobre a pia, à noite, pus um prato dentro da tigela. De manhã ela veio ao meu escritório: "Seu Rubem, o prato está entalado na tigela. Não sai de jeito nenhum…"  Fui à cozinha e comprovei. Estava entalado mesmo. Aí eu disse: "É só por a tigela no fogo que o prato sai…"  Ela me olhou incrédula. Eu expliquei: "o calor faz as coisas ficarem maiores. Se eu puser a tigela no fogo ela vai ficar maior e vai soltar o prato". Ela não acreditou. Que coisa é essa que as coisas crescem com o calor? Fui ao banheiro e trouxe um termômetro. Expliquei: esse aparelhinho é para medir a temperatura do corpo, para saber se está com febre. Como é que ele faz isso? Mostrei o mercúrio dentro do tubo e segurei a base do termômetro entre o meu polegar e indicador. O calor do meu corpo fez o mercúrio subir… O mercúrio ficou maior.  Ela entendeu. Voltamos então à cozinha e pusemos a tigela sobre o fogo. Não demorou um minuto: a tigela desentalou… Aí conclui: "Quando você tiver um vidro tampado com uma tampa de metal e que não quer abrir, é só colocar a tampa do vidro na água quente. Ele abre sem que a gente precise fazer força…Foi assim que lhe ensinei as primeiras lições de geografia e de física… Acho que os objetos da casa são um maravilhoso laboratório. Isso, é claro, se tivermos imaginação e quisermos ensinar."


Rubem Alves



Educador e escritor



rubem_alves@uol.com.br

Autor

Rubem Alves


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