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A pedagogia do palavrão

Proibi-lo é impedir que encontremos a sua função na comunicação cotidiana

Publicado em 01/03/2013

por Gabriel Perissé

ilustração de Maria Eugênia no livro Salada de Let

O verivérbio (palavra criada pelo escritor Guimarães Rosa) é aquele termo exato, o mais adequado para expressar o sentido de determinada realidade. Verivérbio é aquilo que a gente diz, dizendo precisamente o que é preciso dizer…


Se assim é, o palavrão também terá seu lugar no mundo da escola. Proibi-lo é impedir que encontremos a função que exerce ou pode exercer na comunicação cotidiana. O palavrão só se torna um problemão… quando não sabemos valorizar sua pertinência.


Uma criança de 6 anos perguntou à mãe, ao voltar da escola para casa: “Mãe, por que é que eu posso falar ‘perna’ mas a professora não quer que eu fale ‘bunda’?”


A rigor, “bunda” nem chega a ser palavrão, mas os professores podem achar que essa palavra não soa bem dentro de uma sala de aula. No entanto, a escola e a família são os ambientes ideais para que ampliemos o nosso vocabulário! Quanto mais palavras, palavrinhas e palavrões soubermos, mais fácil será compreender o mundo, a sociedade e a nós mesmos.
#R#
O palavrão bem-educado
A hipocrisia consistiria em nos escandalizarmos com os palavrões (ou com aquilo que eles nos fazem ver), palavrões que, devidamente entendidos, são muito menos indecorosos do que outras palavras usadas no dia a dia.


Se analisarmos com atenção o sentido das palavras, certos termos considerados “pesados” são um sinal de respeito pela realidade, como nestes versos de Adélia Prado, do poema “Códigos”:


Filho da puta se falava na minha casa,
desgraçado nunca, porque graça é de Deus.


Desgraçado, dizem várias doutrinas religiosas, é o pior dos xingamentos, pois se trata de uma condenação eterna.


O palavrão será também “compensação cômica”, no dizer de Gianni Rodari, libertando os adultos da seriedade doentia. Algumas piadas “indecentes”, que não contamos na frente das crianças, talvez sejam a melhor forma de criticar situações de injustiça que discursos “decentes”, cultivados na mídia, na política, na academia e na religião, podem ocultar ou até… legitimar.


Proibir o riso catártico às crianças reedita um moralismo preocupadíssimo com o obsceno, mas que fecha os olhos para coisas muito mais censuráveis, como o estímulo aos preconceitos ou o combate à curiosidade intelectual.


Se alguém faz uma merda, é porque de fato isso aconteceu. Denunciada como tal, sem aspas e sem medo, deve ser corrigida com água e detergente o mais rápido possível! Uma ética incapaz de perceber a presença da merda e de dizer, com todas as letras, o que está empesteando o ambiente é uma verdadeira aberração: uma ética imoral…


Palavrão e sexualidade
Temas ou palavras proibidas devem ter espaço na família e na escola. São estes os melhores lugares para que as crianças e os jovens aprendam, com naturalidade, o que faz parte da vida.


Palavrões associados à sexualidade perdem grande parte de sua agressividade quando são pronunciados sem mistério ou malícia. Os palavrões que designam o ato sexual, a vagina, o pênis etc. nada possuem de pecaminoso no momento em que são tratados como palavras capazes de nos libertar da ignorância.


Seria pecaminoso da nossa parte, ou nem isso, simplesmente manifestação de estupidez educacional, e de imaturidade, fazer dos palavrões o foco maior do nosso interesse. Se um palavrão dá acesso a um tema importante para a educação no âmbito da sexualidade e do amor, torne-se ele, então, o deflagrador de uma conversa esclarecedora!


Poesia e palavrão
Os escritores, os poetas, os dramaturgos sabem que o palavrão tem hora certa e destinatário adequado. É sinal de mau gosto evitar um palavrão que seria a melhor palavra em determinado contexto (de crítica, de humor, de descrição objetiva) ou a melhor forma de convencer o interlocutor sobre as verdades que estão em jogo.


A palavra chula deixa de sê-lo no momento em que é empregada para expressar algo de modo inesquecível, como fez Gregório de Matos, no século 17, ao escrever sobre a cidade de Salvador:

De dois ff se compõe
esta cidade a meu ver:
um furtar, outro foder.


“O palavrão também é filho de Deus”, brincava um outro escritor. Graças à poesia, à literatura, ao teatro, podemos descobrir que o palavrão não é necessariamente uma palavra suja e que palavras “puras” podem ser utilizadas para a ofensa gratuita, para humilhar alguém, para destruir.


Na sala de aula, uma palavra em princípio “inocente” pode produzir efeitos devastadores, mesmo sem termos clara consciência a respeito. Ouvi certa vez que uma professora, por brincadeira, sem ironia ou sarcasmo, chamava seus alunos de “energúmenos”. Fazia isso em tom divertido, porque achava engraçada a sonoridade daquela palavra. Até que uma de suas alunas reagiu mal, dizendo que a professora não sabia o quanto aquela palavra era ofensiva, que era um xingamento dos mais horrorosos.


A professora foi consultar um dicionário, e descobriu o porquê.

Autor

Gabriel Perissé


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