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Educação no Mundo

Argentina cria ensino médio a distância e outros modelos de curso mais flexíveis

Medida vem para reduzir o alto índice de abandono escolar, mas enfrenta críticas quanto à credibilidade dos diplomas

AFP Photo / Daniel Garcia
O maior programa de conclusão de estudos do país oferece aulas só duas vezes por semana, por três horas


“Meus netos me pediam que os ajudasse com a tarefa, mas eu não podia. Sentia-me muito impotente. Agora são eles que dizem que vão me ajudar”, conta, sorrindo, Modesta, 67 anos, que cursa o ensino fundamental de adultos na Escola N° 2 da cidade de Buenos Aires. Como Modesta, só nesta cidade e seus arredores há cerca de dois mil adultos que não concluíram o Ensino Básico. Em todo o país, o número chega a dois milhões. Caso se considere o ensino médio – que é obrigatório no país desde 2006 – são sete milhões adultos que não completaram seus estudos, dentre os 30 milhões de argentinos maiores de idade.

Para enfrentar o desafio, nos últimos anos distintas instâncias de governo, bem como associações civis e empresas privadas desenvolveram diversas alternativas para que os adultos concluam seus estudos. Especialmente os de nível médio, cujo certificado de conclusão se transformou em uma condição necessária para conseguir postos de trabalho de melhor qualidade.

Os programas de conclusão de estudos oferecem opções que vão desde o ensino a distância (pela internet), até monitorias especiais ou flexibilização de horários. Parece que tudo vale para aproximar a escola dos adultos que por alguma razão a abandonaram, o que também gera discussão entre especialistas: enquanto alguns acreditam na inclusão social que estes programas geram, outros apontam um relaxamento nas exigências aos alunos para serem aprovados nas matérias, atentando contra a qualidade da educação que é ministrada e a seriedade do diploma que se concede.

Aula em todo lugar
O programa de conclusão do ensino médio mais ambicioso da Argentina está sendo realizado pelo governo nacional. Trata-se do plano Finalización de Estudios Secundarios ou Plano de Conclusão de Ensino Médio (Fines) que, desde 2008, permitiu que mais de 513 mil pessoas concluíssem essa etapa. Hoje, uma em cada três pessoas que concluem o ensino médio na Argentina o fazem através deste programa.

A proposta exige cursar só duas vezes por semana, por três horas, até cinco matérias a cada quatro meses. Ao final de três anos (no máximo), recebe-se o diploma de conclusão. O único requisito para se inscrever é ser maior de 18 anos. Quando se compara este programa com o que é exigido pela escola de adultos tradicional, uma modalidade com uma longa história dentro do sistema educacional argentino, fica claro que o Fines é mais rápido: permite a diplomação cursando menos de um terço do que requer um curso tradicional: 648 horas-aula contra 2.025, em média. Por isso são muitos aqueles que advertem sobre a “baixa qualidade” do plano.

Outra particularidade questionada do Fines é que as aulas podem ser ministradas não só em escolas, mas em clubes de bairro, bibliotecas populares, igrejas, sindicatos e unidades básicas de grupos políticos. Ainda que o objetivo seja aproximar a educação da população, docentes e especialistas denunciam que, em muitos casos, ocorre “doutrinamento político”.

Os defensores do plano Fines argumentam que a educação de adultos sempre foi mais curta porque os alunos já têm uma trajetória e trazem aprendizagens adquiridas. E destacam especialmente o benefício da inclusão, uma vez que atinge pessoas às quais o sistema educacional não chegava. Assim estão lhes abrindo a possibilidade de começar a universidade ou ter uma promoção em seus trabalhos, dizem.

Ensino médio a distância
O Fines não é o único programa argentino para a conclusão do ensino médio. O governo da cidade de Buenos Aires lançou recentemente um novo plano que é cursado exclusivamente pela internet. Destinado aos adultos de todo o país, o programa se chama Terminá la secundaria (Conclua o ensino médio) e começará em agosto. Já mostraram interesse pela proposta mais de 200 mil pessoas, informou o governo da cidade.

A única fase presencial do Terminá la secundaria serão as provas, que serão realizadas e corrigidas por computador, nas localidades de origem dos inscritos. Sempre com o objetivo de flexibilizar a educação, o programa ajusta o currículo a cada estudante em função de quantos anos de ensino médio tenha cursado. “É uma roupa sob medida”, dizem os idealizadores do programa. Para aqueles que não tenham passado em nenhuma matéria, o plano envolve 26 matérias que, cumprindo os prazos formais, dura em torno de três anos. O diploma será o de um ensino médio comum.

Mesmo que a proposta permita a inscrição de moradores de outras províncias argentinas, o plano despertou polêmica. O ministro de Educação nacional, Alberto Sileoni, enfrentando politicamente a administração da cidade, afirmou que o programa não tem validade oficial. A cidade garante que tem.

O que não desperta nenhuma crítica é o programa Vuelvo a Estudiar (Volto a Estudar), da província de Santa Fé. Ali, uma equipe do Ministério de Educação sai buscando, casa por casa, os alunos que abandonaram o ensino médio. Quase 1,6 mil já voltaram e estão terminando seus estudos, e agora buscarão outros 3,4 mil alunos.

As autoridades de Santa Fé explicam que o processo de retorno é artesanal: para cada criança é traçada uma estratégia diferente. Em uma primeira fase, as equipes de campo visitam os adolescentes, perguntam os motivos de abandono e lhes oferecem um leque de possibilidades para que voltem. Vuelvo a Estudiar surgiu como uma iniciativa do Gabinete Social de Santa Fé, integrado por dez ministérios que trabalham em conjunto sobre as problemáticas específicas dos setores mais vulneráveis da província. Tiram proveito de um novo sistema informatizado que conta com informações das trajetórias de cada um dos alunos que cursam o ensino médio ali.

Também na província de Córdoba há um plano para a conclusão do ensino médio. É o programa 1417, que começou em 2010 e está destinado a jovens que tenham abandonado o ensino a partir desse ano. Trata-se de um ensino médio em ciências sociais que reconhece os resultados prévios certificados. Dispõe de monitorias e de coordenação pedagógica e a oferta das disciplinas é anual.

O desafio do ensino fundamental
Muitos adultos – como Modesta – ainda têm de completar o ensino fundamental, e para eles também há planos oficiais e gratuitos. O programa Escuelas Primarias para Adultos y Adolescentes (Ensino Fundamental para Adultos e Adolescentes), da cidade de Buenos Aires, está destinado a adolescentes maiores de 14 anos e adultos sem limite de idade. Dura três anos e são cursadas duas ou três horas diárias de segunda-feira a sexta-feira. Os alunos obtêm um certificado oficial de conclusão do ensino fundamental. Há 85 escolas onde é possível assistir às aulas na cidade.

As trajetórias escolares dos alunos que chegam a estas escolas de adultos são muito diversas. As idades variam desde os 14 até quase 80 anos. Muitos são de países limítrofes, outros são argentinos. Os motivos pelos quais tiveram de deixar a escola têm a ver, na maioria dos casos, com a necessidade de trabalhar ou a ausência de pais que reconhecessem a importância de ir ao colégio.

Escola para travestis

Ainda que o responsável por garantir o direito à educação seja o Estado (e suas diversas instâncias), os governos não são os únicos que oferecem programas de conclusão de estudos. Após a crise econômica e social de 2001 e 2002, a Argentina viveu um rompimento muito forte da representação política dos partidos políticos tradicionais e então surgiram novos movimentos sociais que cobriram esses espaços. Entre tantos serviços à comunidade, muitos deles agora oferecem ensino médio, com certificado oficial, sob a forma de “ensinos médios populares”.

Um dos que mais chama a atenção é o Mocha Celis, exclusivo para travestis. Oferece um programa de estudo tradicional, mas com uma “visão de gênero” em cada uma das matérias. Em geral, estes movimentos têm uma orientação ideológica de esquerda, ou “antisistema”.

Além dos ensinos médios populares, há na Argentina uma variada oferta de institutos particulares que oferecem a conclusão do ensino médio com uma grade flexível e certificação oficial. Mas estas propostas não são gratuitas e, portanto, só podem ser cursadas por aquelas pessoas que tenham o poder aquisitivo para bancá-las.

Autor

Ricardo Braginski, de Buenos Aires


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