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As castas

Os insondáveis critérios da carreira docente

Publicado em 10/09/2011

por José Pacheco

Dizem-me que não devo abordar "assuntos-tabu", mas o desassossego derrota a prudência, porque subsistem subtis formas de corporativismo, nas quais escasseia a autonomia das escolas.

Sabemos que educar pressupõe relação, estar com. Porém, subsiste um paradoxo: quanto mais longe o educador estiver da relação, da prática de sala de aula, maior salário aufere e mais elevado estatuto social parece deter. Beneficia-se de subsídios de função, de abonos, remuneração de "cargo superior". Estou crente de que, se cargos "superiores" houvesse, o mais elevado deveria ser o trabalhar com crianças. Porém, no sistema implantado, apenas as castas mais puras podem aspirar a aproximar-se dos deuses… As deserções para funções ditas "superiores" são tantas, que parece que os melhores professores são aqueles que conseguem libertar-se das agruras da sala de aula.

O sistema de castas infectou a profissão docente. Na hierarquia instituída, alguns trabalhos são tão impuros que apenas certas castas poderão realizá-los. E a remuneração – que difere de função para função, de docente para docente – é sintoma da infecção. O que justifica, por exemplo, o abismo salarial existente entre professores com diferentes tempos de serviço? Seguindo a lógica do funcionalismo público, quanto mais tempo se for fiel ao seu senhor, maior salário se auferirá – quanto mais servil, maior a recompensa. A lealdade ao Estado é recompensada, mesmo que pouco se trabalhe ou nada se faça.

E por que será que um doutor ou um mestre deve auferir maior salário que um licenciado? Quando eu já era mestre em educação, recebia salário de bacharel, só por ter optado por continuar professor do ensino fundamental. Mas não me queixo…

Considero injusto que haja salários diferentes para idênticos horários de trabalho. Considero imorais salários diferentes para o exercício da profissão nos mesmos espaços e em idênticas condições. Que razões ocultas legitimam que eu (professor aposentado) aufira o dobro do salário do meu filho (professor em início de carreira)? Por que se mantém a antiguidade como critério de graduação? Que alguém me ajude a entender!…

Os professores "inferiores" tudo suportaram com infinita paciência, porque sempre estiveram divididos. Ilustrarei com um (triste) exemplo.
 
Estalou uma polémica em torno dos critérios utilizados num concurso. Professores
excluídos diziam que outros passaram à frente, garantindo que foram colocados colegas com menos anos de experiência. A professora Sofia queixava-se de haver colegas que, "por não terem sido denunciados, foram colocados e vão ter regalias". O ministério afirmava que "não podia fechar os olhos às denúncias", mas havia quem manifestasse a opinião de que "a colega Sofia só pretendia passar à frente de tudo e todos" e que "como não há galhos para todos os macacos, começaram os desentendimentos" (sic). Uma só voz saudável se ergueu para comentar a polémica: "É aviltante aferir a falta de ética de alguns docentes, que falseiam dados. É o triste reflexo da falta de dignidade crescente da profissão de professor".

De que nos queixamos, se alimentamos mentalidades decadentes? De que nos queixamos, se não reagimos à depreciação das práticas e à sobrevalorização da burocracia?


José Pacheco



Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)



josepacheco@editorasegmento.com.br

Autor

José Pacheco


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