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Ato falho

À educação não cabe priorizar a preparação para o êxito econômico do indivíduo, mas a valorização da vida política e do bem comum

Um quadro-negro no qual, em letras desalinhadas, um jovem escreve: "O inssino no Brasiu è ótimo". Assim a capa da revista semanal de maior tiragem do país anunciou sua matéria sobre a má qualidade da educação brasileira. Melhor seria afirmar: apresentou um manifesto contra a "doutrinação esquerdista predominante em todo o sistema escolar privado e particular" (sic). Doutrinação alegadamente legitimada pela crença dos professores de que a finalidade maior da educação é ‘a formação de cidadãos conscientes’ e não ‘o ensino de matérias’. Analisemos, pois, essa dicotomia e seus pressupostos.

De início, cabe ressaltar que a vinculação da educação escolar com a preparação para o exercício da cidadania não é um capricho de professores mal preparados, nem um ardil de esquerdistas. Trata-se de princípio constitucional, reafirmado no artigo 2º da LDB. Esses diplomas legais, por sua vez, refletem uma discussão que remonta pelo menos ao início de nossa tradição filosófica. Na Política, Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) afirma que cabe à legislação regular a educação e torná-la ‘pública’ (politikós). Se a traduzirmos literalmente, a frase diz: tornar a educação política, ou seja, oferecer uma formação para a vida e os valores da Polis, da Cidade ou, se quisermos, da coisa pública (res publica). À educação não cabe priorizar a preparação para o êxito econômico do indivíduo, mas a valorização da vida política e do bem comum.

Assim também pensavam Charles de Montesquieu (1689-1755) e John Dewey (1859-1952): a república e a democracia exigem uma educação voltada para o cultivo das virtudes políticas da vida em sociedade. O que todos esses pensadores buscam ressaltar é que a educação tem, sim, um importante papel ético e político na formação dos cidadãos e de uma nação. E ela o cumpre não opondo, como sugere a matéria, o ensino de conteúdos escolares à formação para a cidadania, mas sim os articulando. De um ponto de vista pedagógico, o ensino de história ou de ciências não é simplesmente a transmissão de um conhecimento científico ou acadêmico axiologicamente neutro, mas uma forma de educar. Nós educamos e formamos nossos alunos, inclusive ética e politicamente, por meio do ensino da literatura, da história, das ciências, das artes.

E educar sempre implica critérios de seleção de conteúdos, estratégias e perspectivas. Implica ainda uma imagem de homem que se almeja formar, um tipo de relação com a sociedade, com o trabalho e com os outros. Em síntese, implica valores, posicionamentos éticos e políticos. Não há garantias infalíveis contra os riscos de doutrinação, nem na escola, nem na imprensa. As perspectivas educacionais de uma escola sempre refletirão valores e princípios de sua cultura institucional. Mas o farão sob a égide da autonomia e do pluralismo de que gozam na qualidade de ‘escolas públicas’. Autonomia que parece ausente em publicações que só vislumbram os interesses do que é privado e particular, omitindo, num revelador ato falho, o caráter e o interesse público da educação.


José Sérgio Fonseca de Carvalho

, doutor em filosofia da educação pela Feusp

jsfc@editorasegmento.com.br

Autor

José Sérgio Fonseca de Carvalho


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