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Coisa de jegue

O descomunal absurdo da manutenção do "horismo"

Publicado em 10/09/2011

por José Pacheco

Uma secretaria de educação decidiu contabilizar os intervalos de dez minutos entre as aulas na rede estadual como horário para preparação de aulas e correção de provas. Na intenção de cumprir a lei federal, que determinou que docentes do ensino básico devem ficar 33,3% da jornada em atividades extra-aula, essa medida logrou "passar de 17,5% para 31% a carga horária extra-aula" (sic).

Por seu turno, o autor do projeto da lei federal afirmou que essa interpretação da lei é uma farsa e inquiriu: "Como o professor vai corrigir provas, preparar aulas, em dez minutos? Esse período é para ele tomar água, ir ao banheiro".

É preocupante pensar que há gente séria perdendo tempo com farsas afins. Farsa não é apenas a interpretação da lei – a manutenção do "horismo", mais do que exploração de mão de obra barata, é um descomunal absurdo, mais um dos sintomas da prostituição da pedagogia.

Também no horismo, Portugal e Brasil são países irmãos na desgraça. Cabeça entre as mãos, postado frente a uma secretária pejada de papéis, o diretor de uma escola portuguesa perguntou-me: O que é que eu faço?

Lia recados breves e concisos: professores exigiam horários à sua medida. Havia aquele que só queria dar aulas na parte da manhã, porque de tarde dava aulas num colégio particular. Outro só aceitaria trabalhar de segunda a quarta, porque nos restantes dias tinha de ir tratar da quintinha recentemente adquirida. Havia o engenheiro, que fazia da escola um part-time da sua atividade de gabinete de construção civil, reclamando um horário à medida do exercício da sua profissão de. engenheiro. Como este, havia o advogado, o arquiteto, e até um padre, que exigia a conciliação do tempo de aulas com o tempo de serviço prestado à paróquia. Também havia horários "esquecidos" no fundo de uma gaveta, que só veriam a luz do dia quando fosse conveniente. E reivindicações de horários para caçadores e vendedoras de feira…

O que é que eu faço? Sinto-me atado de pés e mãos. Mesmo cedendo aos pedidos, vejo que chegam atrasados às aulas. Vão tomar café, conversam com auxiliares e com outros professores também atrasados, enquanto os alunos, nas salas, fazem asneiras, e há professores sozinhos, desesperados com a bagunça. Quando a hora de entrada era 8h30, chegavam cerca das 8h45. Quando a entrada passou para as 9h, passaram a chegar cerca das 9h15…

Interrompeu a fala, quando chegamos à sala dos professores. Bem a tempo de escutarmos um diálogo exemplar:
Ó Lina, para que é que vais já para a aula? Tem calma, filha!

Mas a sineta já tocou.
Deixa-te disso. Olha, eu chego sempre tarde e saio o mais cedo que for possível. O que nos pagam não dá para a gente se consumir a aturar essa gentinha – E lá se foi arrastando até a sala de aula, num passo mais lento do que o de uma lesma com reumatismo.

Ouviste?! Não foi como eu te disse? E se lhes peço para cumprir o horário, riem-se de nós. Dizem que não oferecem horas gratuitas ao ministério, que não deveremos preocupar-nos com os desgraçados que não acompanham a aula. E dizem que somos uns burros, por ficarmos na escola para além da carga horária obrigatória.
Felizmente para a educação de Portugais e Brasis, os exemplos acima são raros. Se não, como poderia responder à pergunta do Hugo? Regressado à Ponte, tentava explicar-lhe o significado da estranha expressão "carga horária", quando o meu aluno perguntou: Ó professor, isso de carga não é coisa de jegue?


José Pacheco


Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)



josepacheco@editorasegmento.com.br

Autor

José Pacheco


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