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Como foi mesmo que eu nasci?

A adoção é cada vez menos tabu entre as famílias de pais não-biológicos, mas continua sendo tratada com receio e dificuldade em sala de aula

Publicado em 10/09/2011

por Mônica Krausz

Ivone Neuber, mãe adotiva dos gêmeos Rodrigo e Thomaz, de 9 anos, estudantes do Colégio Santo Américo, em São Paulo (SP), ainda se recorda da surpresa que teve quando seus filhos estavam no Jardim II. As crianças participaram do projeto "Nossas Histórias", em que os pais são convidados a escrever sobre as histórias das crianças na família. Uma pasta ia passando de família em família para que acrescentassem suas histórias. A ordem era decidida por sorteio. "Quando a minha família foi sorteada para receber a pasta, já havia passado por várias outras famílias. A maioria colocou fotos da mãe barriguda, da ultra-sonografia… A professora veio me entregar a pasta toda sem jeito e perguntou se eu me incomodaria de escrever sobre a história dos meus filhos", comenta. Nas pastas dos filhos, Ivone contou que esperava por um e teve a felicidade de receber dois (gêmeos). Colocou fotos dela no quarto todo decorado com só um berço. "Foi bom pra mim e foi melhor ainda para eles porque meus filhos tiveram uma história para contar. Eles contaram as suas histórias nas rodas de sua classe, as crianças fizeram perguntas e eles conversaram naturalmente. No final, muitos coleginhas diziam desejar ser filhos adotivos porque queriam ser filhos do coração", lembra.

O embaraço da professora dos filhos de Ivone Neuber está longe de ser incomum. "Hoje, fala-se com naturalidade de pais separados e recasados, de meio-irmãos, de pais solteiros, mas por que as pessoas ainda falam baixinho quando se referem à adoção?", questiona ela. A mesma pergunta aparece no livro Os Caminhos do Coração – Pais e Filhos Adotivos, da psicóloga Maria Tereza Maldonado. A resposta mais provável: preconceito e falta de informação. Seja qual for a razão, a escola é o melhor local para colocar o assunto em pauta.

Rosane Schiller, psicóloga do Santo Américo, conta como o projeto nascido em 2003 mudou de nome. "Antes, o projeto se chamava ‘Quando eu nasci’, mas percebemos que nem todos poderiam falar sobre o seu nascimento, porém todos tinham uma história na sua família, fosse biológica ou adotiva", explica.

Na Escola de Educação Infantil Bem Querer, no bairro paulistano do Campo Belo, as conversas sobre adoção costumam acontecer a partir das leituras das crianças. "Nossa ciranda de leitura tem livros com histórias de famílias adotivas, com histórias sobre diferenças raciais ou étnicas, entre outros temas", conta a diretora Maria Isabel Correia Caleiro. "A gente procura mostrar a diversidade nos livros de classe e trabalhar esses assuntos conforme vão surgindo." Segundo Maria Isabel, semanalmente, as crianças se reúnem em uma roda de conversa para falar das histórias que leram. Nesses momentos, às vezes surge a identificação e os alunos se colocam. "Eu também sou adotado" ou "meu amigo é adotado" e aí as professoras falam sobre a diversidade. "Em geral esses temas também surgem quando a gente trabalha a família e as características físicas", lembra. "A criança que sabe que é adotiva muitas vezes já fala que não parece nem com o pai nem com a mãe porque não é filha da barriga", conta.

Por isso, Maria Isabel julga essencial que os pais contem logo na entrevista de matrícula se seus filhos são adotivos. Assim o professor poderá se preparar para falar sobre o assunto quando ele aparecer em sala de aula.


Estigma

Mãe de três filhos por adoção, Fernanda Jehee, ficou contente quando encontrou o livro Conte outra vez a história da noite em que eu nasci (Editora Salamandra), de Jamie Lee Curtis, entre os livros da ciranda do livro da 1ª série da Escola Bem Querer. "Já conhecia o livro e foi uma boa surpresa ver que a adoção era um tema recorrente na escola, discutido com naturalidade", conta. "O que eu mais gosto é que, apesar de todos os problemas que o meu filho tem na escola, toda a dificuldade com os professores, com o comportamento etc., nunca disseram que isso era culpa da adoção", explica.

Culpar a adoção pelos problemas de disciplina dos alunos é o erro mais recorrente nas escolas que não têm conhecimento sobre o tema. "Ficamos chateados quando fomos chamados à escola do nosso filho para conversar com a diretora, a coordenadora pedagógica e com a professora de classe", conta Cecília Zelic, voluntária do Projeto Acolher, grupo de apoio à adoção de São Paulo. "O Tiago era bem sapeca, estava na 2ª série, estudava lá desde a 1ª. Elas ficaram dando voltas até que uma delas disse que achava que a causa da indisciplina era o problema do Tiago", lembra. "Não entendemos e perguntamos sobre qual problema elas falavam. Então disseram que a causa devia ser o problema da adoção", recorda-se. "Nesse momento, levantamos e dissemos que a adoção nunca tinha sido problema na nossa família e que não queríamos que a escola transformasse isso em problema", conta. Foi o que bastou para "agüentar até o final do ano e mudar o filho de escola". Cecília também acha importante contar sobre a adoção assim que a criança é matriculada, porque o assunto sempre aparece entre a criança e seus amigos. "Quando adotamos nosso segundo filho, os colegas do Tiago ficaram muito curiosos", lembra. "Para aliviar a curiosidade dos coleguinhas, enviei um livro infantil com uma história sobre adoção. A professora leu para as crianças e ajudou no entendimento da questão pela classe." Cecília acredita que os livros e reportagens sobre o tema podem ajudar muito o professor a se preparar.

Para o psicólogo Luiz Schettini Filho, autor de cinco livros sobre a relação entre pais e filhos adotivos, a abordagem do tema na escola é tão importante que os professores que têm alunos adotivos deveriam buscar ajuda em grupos de apoio à adoção. "Sem dúvida, o professor precisa de um preparo adequado para intervir em uma situação em que o aluno é motivo de curiosidade ou colocado em situação constrangedora" diz.

Para evitar problemas como os passados por Cecília, a futura mãe por adoção Andréa Collaço, de Brasília/DF, já está procurando escola para o filho que nem chegou – ela aguarda uma criança de até 5 anos. Andréa conta que foi bem recebida na maioria das escolas e que apenas reparou uma falta de informação generalizada sobre o assunto. "Só senti preconceito em uma escola em que a diretora ficou me cobrindo de elogios por ser tão caridosa e abençoada. Quando expliquei educadamente que adoção é filiação, não caridade, ela falou que meu filho teria de ser muito grato por tudo o que eu estava fazendo. Fui embora na mesma hora", diz.

Para Vanessa Clos, diretora da Escola de Educação Infantil Jardim Zona Sul, de Porto Alegre/RS, a escola não pode alimentar os preconceitos da sociedade. "Eu me sinto responsável pela formação de caráter dos meus alunos e pelos conceitos estabelecidos dentro da minha instituição de ensino", diz. "Temos vários alunos adotivos e, quando falamos de adoção com nossos estudantes, falamos do amor dos pais adotivos, da vontade que eles tinham de ter filhos", explica. Vanessa conta que também aguarda por um filho adotivo e já contou para todas as crianças e pais dos alunos que ela vai adotar. "Depois das férias, muitos vieram me perguntar se meu filho já tinha chegado", diverte-se. "Estão ansiosos!"


Literatura escolar

Ainda é difícil encontrar referências a famílias adotivas nos livros didáticos. Já aparecem famílias de pais separados, por exemplo, menções a crianças que vivem só com a mãe ou só com o pai, mas há pouca coisa sobre as famílias formadas por adoção. Uma das poucas referências encontradas está no Livro Integrado da Coleção Viver e Aprender, da Editora Saraiva, dirigido a crianças de 1ª série. Em seu capítulo sobre as famílias há várias ilustrações de famílias diferentes e entre elas, uma faz  alusão a uma menina adotada: "Mariana é adotada". Faltou explicar, porém, o que é ser adotada.

Em uma edição atualizada da mesma coleção, no livro do 2º ano, há uma referência mais completa, mas um pouco questionável. Diz: "Há crianças que não são criadas pelos pais, mas por parentes ou outros adultos. Isso acontece quando os pais não estão mais presentes ou não podem cuidar dos filhos". A falha aqui está em não ter acrescentado a palavra "biológicos" quando diz que há crianças que não são criadas pelos pais, mas por parentes ou outros adultos. E não ter acrescentado que esses "outros adultos" podem ser ou se tornar seus pais adotivos.

De acordo com um dos autores dos livros de História da Coleção Viver e Aprender, Elian Alabi Lucci, que também é pai adotivo, as diferentes realidades familiares devem aparecer nos livros didáticos porque as crianças têm necessidade de falar sobre esses temas. Ainda lecionando história no ensino fundamental, Elian conta que muitas vezes seus alunos vêm conversar com ele sobre adoção e que o fato de ser pai adotivo sempre o motivou a mencionar a adoção e a questão das crianças que não vivem com seus pais biológicos em seus livros didáticos. "A gente vê que por mais que os pais se esmerem, cubram de carinho, dêem um carinho até maior do que dariam para os filhos biológicos, os filhos adotivos costumam ter uma inquietude que nem sempre conseguem resolver com os pais, conversar com os pais sobre isso, e acabam recorrendo ao professor."

O livro de história de 1ª série, da Coleção Conhecer e Crescer, da Editora Escala Educacional, também traz uma referência, na página 33: "Uma família forma-se também quando pessoas passam a ter uma ligação de amor que as une umas às outras. Uma criança pode vir a morar com pais adotivos porque é escolhida ou porque escolhe novos pais, por exemplo". Aqui, talvez uma abordagem mais completa diria que "Uma criança pode vir a morar com pais adotivos quando não pôde ser criada pelos pais biológicos e por isso é encaminhada para uma família que queria muito ter um filho e escolheu adotá-lo".



*Mônica Krausz é jornalista e mãe adotiva de Vincent, que tem 7 anos.

Autor

Mônica Krausz


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