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Edição 223

Como o Big Data pode ser usado na educação

Com o uso de técnicas de análise de dados, escolas podem mapear o desempenho de seus alunos e melhorar a gestão administrativa, controlando problemas como a evasão

Publicado em 04/11/2015

por Daniella Grinbergas

 

Análise de dados pode ser muito útil na educação

 

Saber filtrar e extrair informações relevantes de uma grande massa de dados é uma das competências mais valorizadas pelo mercado atualmente. Aqueles que conseguem ser bem-sucedidos nessa tarefa passam a conhecer em profundidade os hábitos e preferências de seu público, uma vantagem estratégica para qualquer organização que deseja crescer e prosperar. Frequentemente utilizadas em áreas como o varejo, mercado financeiro e setor de tecnologia, as técnicas de Big Data agora estão conquistando espaço na educação, onde suas possibilidades de uso são variadas. Elas podem ser aplicadas tanto para tornar a gestão de uma escola mais eficaz como para melhorar o desempenho dos alunos.

“O volume e a velocidade de dados gerados vêm atingindo níveis sem precedentes. Para se ter uma ideia da dimensão disso, 90% dos dados disponíveis no mundo foram gerados nos últimos dois anos”, afirma Rachel Horta, CEO da Hekima, empresa que faz análise de Big Data. Na escola, a coleta de dados é feita por professores e gestores em situações como a atribuição de notas, a realização dos cálculos de frequência, o preenchimento do Censo e a aplicação de avaliações padronizadas. “Em um primeiro momento, reunir esses indicadores servia para prestar contas à sociedade e mostrar índices de desempenho. A ideia se encerrava aí. Entretanto, essas informações são preciosas e começam a ser entendidas como base para uma avaliação diagnóstica do ensino e para a tomada de decisões”, comenta Luis Antonio Laurelli, diretor executivo da Tuneduc, empresa de Big Data voltada ao universo educacional.

Mapeando o aprendizado

O sistema de inteligência funciona assim: a maioria das plataformas capta os dados, processa as informações e gera relatórios para avaliações. “Com essas devolutivas em mãos, dá para fazer uma análise minuciosa dos resultados e pensar em estratégias para melhorar os pontos deficitários”, diz Ricardo Madeira, professor de economia da FEA/USP e sócio-fundador da Tuneduc. Na prática, cada instituição de ensino escolhe as ferramentas que vai usar e as informações que pretende lançar e analisar. “Há recursos fantásticos. Usamos a ciência de dados para apontar os melhores caminhos para cada indivíduo”, aponta Madeira.

O mercado já oferta diversas plataformas, que incluem desde ferramentas como enquetes e simulados on-line para coletar informações a outras mais elaboradas, que permitem cruzar informações de diferentes fontes na produção dos relatórios. “Os gerenciadores de conteúdo escolar estão presentes na realidade de várias escolas. Com eles, as instituições conseguem saber a que horas o aluno acessa a ferramenta, quais matérias ele busca, com quem se comunica, por quanto tempo utiliza o programa. Essas informações podem ser relacionadas com outros elementos, como o aproveitamento escolar do estudante. São dados importantes que dizem muito”, exemplifica Laurelli.

O Colégio Dante Alighieri é uma das instituições que trabalham com técnicas de Big Data. “A proposta é dar instrumentos e números consistentes ao gestor, para que possa tomar as decisões acertadas”, diz Valdenice Minatel Melo de Cerqueira, coordenadora geral de tecnologia. E, para isso, não é mais preciso aguardar provas e notas que apontem se os alunos estão assimilando os conteúdos. “O professor já consegue preparar suas próximas aulas com base no feedback que teve em sala. Por exemplo: no fim de uma aula, ele lança um quiz e rapidamente consegue avaliar o quanto daquele conceito foi adquirido. Na seguinte, já estará preparado para reforçar o que foi a maior dificuldade em cada turma”, afirma.

Além de informações mais generalizadas, é possível ainda analisar alunos individualmente. “Em vez de recomendar um mesmo conteúdo para todos de uma turma, é possível fazer indicações específicas para cada um. Queremos cada vez mais personalizar a experiência do estudante e o que nos permite fazer isso são os dados que temos sobre ele”, explica Leandro Faria, CEO da Datastorm, empresa do grupo Stefanini especializada em soluções de Big Data e analytics. O Colégio Santa Marcelina, de Belo Horizonte, é um que está aplicando o conceito nas aulas de matemática e redação do 7º ano do ensino fundamental e nas do 3º do ensino médio. “Por meio dos relatórios oferecidos, o professor personaliza sua intervenção, indicando atividades, videoaulas, oficinas de produção de texto de acordo com as necessidades e possibilidades de cada estudante”, diz Rita Rangel, coordenadora pedagógica da instituição.

Outro recurso atraente para as escolas são os sistemas que permitem fazer comparativos entre estudantes de diferentes instituições. Algumas já fazem isso para verificar o desempenho de seus alunos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em relação ao das escolas concorrentes. “Ao identificar a natureza do erro ou do acerto, os professores têm condições de repensar suas metodologias e a organização curricular, atuando de forma mais eficaz. Analisando nosso desempenho com o resultado nacional, estabelecemos ações e metas visando a qualificação do processo de aprendizagem”, justifica Rita.

Quanto às análises geradas, elas podem variar muito e algumas podem ser bem específicas. No Colégio Dante Alighieri, há relatórios exclusivos para coordenadores, professores, alunos e familiares. “Todo mundo participa do processo e acompanha a evolução do estudante. A divulgação é muito bem elaborada e há um cuidado muito sério: todos esses documentos são protegidos pela escola e garantem a privacidade de cada um”, reforça Valdenice. Desde que O colégio começou a trabalhar dessa forma, os gestores passaram a sentir um engajamento maior por parte das famílias e dos alunos na melhoria dos resultados. “Estamos mudando a cultura da escola e obtendo retornos incríveis e mais imediatos”, comemora a coordenadora de tecnologia.

Gestão administrativa

As técnicas de análise de Big Data também são aliadas na gestão escolar e podem ser empregadas com os mais diversos fins, inclusive para controlar a evasão escolar. “Por meio da análise estatística de determinados dados, somos capazes de dizer à instituição quais alunos estão propensos a abandonar o curso, antes mesmo que o problema se manifeste. Isso possibilita à escola fazer um trabalho de retenção proativo, e mais do que isso, saber quais ações de retenção são eficazes para cada aluno”, diz Faria, da Datastorm. Ele conta que são analisadas variáveis como desempenho, frequência, inadimplência, nível de satisfação e engajamento. Em uma universidade, por exemplo, os dados para essa análise incluem a distância do trabalho do estudante até a instituição de ensino, a renda estimada, a frequência, o desempenho e o número de ligações ao centro de atendimento ao aluno. “Quanto mais dados disponíveis sobre o jovem, maior a assertividade dos algoritmos. Em alguns casos de maior sucesso, chegamos a ter uma assertividade de 84%”, aponta Faria.

Como se trata de um sistema em nuvem, a implementação é rápida. As empresas oferecem as plataformas adequadas a cada instituição e as orientam sobre o uso. O tempo para obter os primeiros resultados depende da quantidade de dados armazenados. Quando há informações acumuladas, os resultados são gerados de forma imediata, segundo o CEO da Hekima. O problema é que muitas instituições não têm a cultura de captar e armazenar informações, o que dificulta a realização de qualquer análise no início do projeto.

Big data na rede pública

A entrada da tecnologia nas escolas públicas é lenta, mas muito promissora. Um bom exemplo vem de Salvador. “A Secretaria Municipal sempre teve uma prova padronizada para coletar dados do sistema educacional do ensino fundamental, mas essas informações nunca foram bem apuradas. Então, desenvolvemos ferramentas para fazer a devolutiva desses dados”, explica Laurelli, da Tuneduc. O chamado Módulo Prosa mapeia os pontos fortes e fracos de cada estudante, gera relatórios individuais e elenca as áreas prioritárias, sugerindo materiais de apoio a ele. Os resultados por aluno, turma e escola podem ser conferidos no site da Secretaria, de uma forma interativa e clara.

Sistema parecido foi implementado em Goiás. A Secretaria de Educação do Estado tem um banco de dados muito grande, com acesso diário de 20 mil usuários. “Uma nova plataforma de gerenciamento de dados ajuda a analisar grandes volumes de diversas secretarias de ensino espalhadas pela região”, conta Rachel, da Hekima. O sistema faz os cruzamentos de dados e analisa as informações, facilitando a elaboração de relatórios. Tudo isso visando o conhecimento do perfil de cada estudante e a melhoria no sistema de ensino.

Professores e tecnologia
Uma pesquisa feita pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), por meio do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), revelou que a maior parte dos professores das escolas públicas não faz uso dos recursos da tecnologia no seu plano pedagógico. Os dados mostram que apenas 28% deles usam a internet para publicação ou compartilhamento de conteúdos com os alunos. E o problema não é a falta de acesso à internet por parte dos estudantes: a mesma pesquisa aponta que 87% deles são usuários ativos. O problema? Grande parte dos docentes ainda tem receio, uma certa resistência à inclusão da tecnologia no dia a dia da escola.

No Colégio Dante Alighieri, a preocupação com a formação do professor nessas novas áreas é notável. “Como a tecnologia é recente, sabemos que os docentes não foram formados com um preparo para usar esse tipo de sistema. Por isso, fazemos reuniões frequentemente, discutimos com eles cada gráfico de performance, ensinamos a analisar os relatórios e sabemos que a interpretação é imprescindível para chegar aos melhores resultados”, diz Valdenice Minatel Melo de Cerqueira, coordenadora geral de tecnologia.

O mesmo acontece no Colégio Santa Marcelina de Belo Horizonte. “Nosso principal desafio é desenvolver a cultura da análise dos dados. É necessário criar situações nas reuniões pedagógicas para a análise. Alguns professores compreendem a importância desse recurso e espontaneamente buscam essas informações, outros ainda precisam ser estimulados. Mas certamente estamos evoluindo e melhorando o ensino com uso da tecnologia”, aponta a coordenadora pedagógica Rita Rangel.

Autor

Daniella Grinbergas


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