NOTÍCIA

Ensino Médio

Crise na escola

Do Lehman Brothers à hipoteca de subprimes, as relações entre a atual e persistente crise econômica mundial e o trabalho do professor em sala de aula

Publicado em 03/07/2012

por Luciano Velleda







Na Grécia, alunos e professores protestam contra as medidas de austeridade fiscal e o plano de reforma educacional

Quando o megainvestidor George Soros vem a público criticar a falta de regulação do mercado financeiro internacional, até quem tem dificuldade em entender os meandros e a lógica que movimentam a economia mundial percebe que há algo estranho no ar. Desde 2008, a crise econômica mundial permeia diariamente as manchetes do noticiário em todo o mundo, enquanto o cidadão comum, não especializado no assunto e pouco afeito às suas nomenclaturas, vê-se à deriva num mar desconhecido, sob o efeito de fortes ondas que vêm não se sabe de onde.



De fato, entender a crise econômica que aflige as nações mais ricas do planeta não é algo simples, menos ainda para os estudantes. Especialistas e analistas financeiros têm a convicção de que a origem da bancarrota mundial é a soma de uma série de atitudes inconsequentes de grandes corporações bancárias e instituições financeiras, sob os olhares complacentes de governos nacionais.



O efeito Lehman
Quando o tradicional banco de investimento americano Lehman Brothers, fundado em 1850, anunciou sua falência em 2008, o impacto da notícia desencadeou um efeito dominó que atingiu outros bancos e instituições financeiras nos Estados Unidos e na Europa. Para especialistas, a origem da questão esteve na “bolha” gerada no sistema imobiliário americano. O que não chega a ser uma novidade, pois a situação é similar a outras crises econômicas globais que têm ocorrido desde o começo do século 20, em intervalos regulares de tempo. Na prática, é o complexo resultado descontrolado de uma superexpansão econômica. No caso da crise imobiliária nos Estados Unidos, o crédito fácil gerou uma maior demanda, que por sua vez aumentou o valor das propriedades, e como consequência elevou o volume do crédito ofertado para financiá-las.



Quando uma grande parcela de compradores e tomadores de crédito começa a não conseguir honrar seus compromissos, a bolha estoura e a desordem financeira se espalha. Dessa forma, todos os bancos e instituições financeiras que haviam ofertado dinheiro passam a não receber o que lhes é devido. Para piorar, outros bancos, de diversas regiões do mundo, que também haviam investido nas garantias das negociações do sistema imobiliário dos Estados Unidos, igualmente ficam sem recuperar seus investimentos. E assim, o efeito dominó da crise se espalha por todo o sistema financeiro mundial.



Pedra cantada
No caso da situação americana, entrou em cena um expediente financeiro muito utilizado no país: a hipoteca. Com o incentivo do governo americano, que através do Federal Reserve (o Banco Central dos Estados Unidos) propunha desde 2001 um movimento de redução dos juros, a demanda por imóveis paulatinamente cresceu. Conjuntamente, o número de pessoas que hipotecavam seus imóveis para pagar dívidas, ou contrair novos bens, igualmente aumentou. Em alguns casos, havia inclusive a expectativa de que a valorização dos novos imóveis possibilitasse o pagamento da hipoteca, talvez até com lucro.



Nesse ambiente otimista, bancos, instituições financeiras e agências de crédito imobiliário passaram a oferecer crédito para parcelas da população de baixa renda (chamados de subprime na gíria financeira), por vezes até mesmo com histórico de inadimplência. Como o risco era maior, os juros também eram superiores, e a projeção de lucro de quem ofertava o dinheiro era igualmente mais elevada.



Espiral de queda
Como numa escada, cada instituição financeira vendia seus títulos da dívida a outros investidores, que por sua vez também os revendiam, todos operando em cima do comprador inicial, o cidadão de baixa renda. Quando os juros americanos começaram a subir a partir de 2006, a procura por crédito diminuiu, a demanda por imóveis encolheu e o valor das moradias baixou. Os juros mais elevados aumentaram a inadimplência daquela parcela da população economicamente mais frágil e todos os bancos e financeiras que haviam se apoiado em cima dos ditos subprimes passaram a ter prejuízos em série.



Por fim, a falta de crédito no mercado arrefeceu e, com menos consumo, a economia dos Estados Unidos entrou em uma espiral de desaceleração, com queda de lucro das empresas e aumento do desemprego.



O caso europeu
Na esteira da crise que nasceu na América do Norte, a turbulência econômica atingiu a Europa, pondo em xeque até mesmo a sobrevivência do euro. Bancos e instituições financeiras do Velho Mundo, ao mesmo tempo avalistas e credores das agências de crédito imobiliário americanas, sentiram fortemente o baque que soprou dos Estados Unidos e registraram prejuízos bilionários. Mas no caso europeu, não foi apenas isso. Um importante componente político oriundo na gênese da criação da União Europeia e de uma nova moeda, o euro, contribuiu decisivamente para a crise ainda em vigor e sem previsão de término.



Quando em 1992 os principais mandatários das nações mais ricas da Europa formularam o projeto da União Europeia, aliada à ideia de uma União Econômica e Monetária, a implantação de uma moeda única parecia o plano perfeito que afirmaria a soberania da Europa na geopolítica mundial. A união monetária entre países de economias desiguais desde o início gerou desconfiança, razão pela qual Reino Unido e Suíça, por exemplo, optaram ficar de fora da Zona do Euro. Aqueles países que concordaram, necessariamente, deveriam cumprir pré-requisitos financeiros, tais como não ter mais que 60% do seu PIB (Produto Interno Bruto) comprometido com a dívida pública e não ter mais que 3% do PIB de déficit fiscal.



Embora tenham estabelecido pré-requisitos fiscais, os responsáveis pela criação da moeda única não estabeleceram regras claras sobre o que aconteceria no futuro com os países que passassem a não cumprir mais suas obrigações fiscais. Para muitos analistas econômicos, a união monetária sem uma união fiscal entre os países membros da Zona do Euro é o erro determinante que ocasionou a crise que o continente enfrenta hoje, somente 13 anos após o início da circulação da nova moeda, em janeiro de 1999.



Endividados
Livres para gastar como bem entendessem e estimulados por vultosos aportes financeiros originários de um fundo criado pela União Europeia com o objetivo de alavancar a geração de riqueza, países de economias pouco competitivas, como Portugal, Grécia e Irlanda, e até mesmo outros mais fortes, como Itália e Espanha, gastaram muito mais do que podiam, descontrolando suas finanças e o equilíbrio fiscal de suas economias. Quando a crise americana estourou em 2008, esses países já haviam superado com folga os limites de endividamento e déficit fiscal estipulados na criação do euro.



Desde então, a Alemanha, a mais forte economia do bloco, responsável por um terço do PIB europeu e que sempre manteve suas contas em dia, assim como Holanda, Finlândia e França (que mesmo também tendo descontrolado sua contabilidade ainda é a segunda economia da Zona do Euro), tornaram-se os fiadores dos socorros financeiros. Somente nos últimos dois anos, 240 milhões já foram emprestados à Grécia, 85 milhões à Irlanda, 78 milhões a Portugal e, mais recentemente, 100 milhões aos bancos da Espanha.



Obviamente, os países que sempre se esforçaram para manter seu controle fiscal em dia, e que agora assumem a posição de comando nas regras do jogo, estão exigindo uma série de compromissos das nações cambaleantes para liberar dinheiro, tais como a redução dos gastos públicos, cortes em investimentos e benefícios sociais anteriormente adquiridos pela população.



Desdobramentos
O prolongamento de toda essa crise atinge agora até mesmo quem não integra a Zona do Euro, pois a retração da economia dos países em apuros prejudica os negócios entre as nações, diminuindo as exportações e afetando a indústria de quem, de um modo ou de outro, fez o dever de casa e manteve seu ajuste fiscal. O efeito em cascata espalha-se ainda por todas as regiões do globo, atingindo e todos aqueles países que mantêm negócios, direta ou indiretamente, com os membros da Zona do Euro. Quando tudo isso terminará e como, por enquanto, ninguém sabe.













Economês traduzido

Mesmo diante dessa complexidade e do “economês” que ronda a cobertura sobre o tema, professores acreditam que a crise pode ser levada para a sala de aula, no bom sentido. “Uma abordagem como essa permite ao aluno compreender a dinâmica financeira mundial, perceber os impactos na nossa vida cotidiana e também levá-los a entender a linguagem e o vocabulário desse campo do conhecimento que é a economia,” acredita Laura Nasser, coordenadora pedagógica do colégio Oswald de Andrade, de São Paulo. 



A crise do euro, especificamente, pode ajudar a traçar paralelos com outras situações históricas, como o crash de 29, lembra a professora de História do nono ano do ensino fundamental do Colégio Loyola, de Belo Horizonte, Daniela Lacerda. “Isso aproxima o aluno da História e do passado. Com isso ele se envolve mais, já que os temas abordados fazem parte do seu cotidiano, são discutidos em casa, mencionados nos telejornais e na mídia em geral. Assim a aprendizagem torna-se mais fácil e prazerosa”, ressalta.



Pensamento semelhante tem o professor de espanhol Jorge Infante, do Colégio Anhembi Morumbi, em São Paulo. “Para os alunos é um crescimento pessoal muito grande, porque eles sabem tudo sobre o lançamento do último celular, mas às vezes não sabem o que está acontecendo no Brasil e no mundo em que vivem”, afirma o cubano radicado há 12 anos no Brasil. 

Autor

Luciano Velleda


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