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Culpados ou inocentes?

Baixar conteúdos da internet, tão popular entre os jovens, pode trazer consequências legais, como querem projetos de leis em tramitação em mais de 30 países. A pressão da opinião pública tem resultado no recuo dessas políticas. Até agora

Publicado em 10/08/2012

por Luciano Velleda







NYT/The New York Times/Latinstock
Manifestação em Nova York contra leis de regulação da internet, no mesmo dia em que sites como o Google retiraram suas páginas do ar

Nascida sob a égide da liberdade, a internet está no banco dos réus dos tribunais de mais de 30 países em todo o mundo. Apoiados pela indústria cinematográfica, gravadoras musicais, editoras, Apple, Microsoft e conglomerados de mídia, os governos dos Estados Unidos, de 22 países da União Europeia, Austrália, Canadá, Japão, Coreia do Sul, México, Marrocos, Nova Zelândia, Cingapura e Suíça tramitam em suas casas legislativas leis que poderão alterar significativamente o aspecto mais importante da maior rede de comunicação do mundo: o livre fluxo da informação.  


Com diferentes nuances, o alvo principal dos diversos projetos de lei são os sites acusados de violar direitos autorais por exibir ilegalmente conteúdos como filmes, músicas, jogos, softwares e documentos, permitindo que os usuários efetuem o famigerado download – a ação de “baixar” arquivos no computador pessoal, nestes casos, sem custo algum. Entre os jovens, o ato de acessar tais arquivos, copiá-los e divulgá-los é tão popular quanto o último sucesso da música pop. O que muitos não sabem, e a névoa de insegurança jurídica ainda não permite ver com nitidez, são as consequências de tal ação.


A tarefa dos governantes dispostos a regular a internet, contudo, não será fácil. Gigantes da rede virtual como Google, Amazon, Wikipedia, Facebook e Twitter se opõem ferrenhamente à tentativa, alegando que tais medidas podem censurar o uso da internet, proibir a liberdade de expressão e inibir inovações tecnológicas. Ao mesmo tempo, passeatas e manifestações populares contra tais projetos têm agitado a Europa e os Estados Unidos, numa tentativa de chamar a atenção da sociedade civil para um assunto revestido de complexidade e que tende a atingir milhões de usuários que navegam na internet e não estão acompanhando a polêmica discussão. De forma confusa, diferentes ações estão na mira dos projetos que tramitam em vários países – desde o download sem pagar direitos autorais até a divulgação de fotos e documentos de terceiros, passando pelo controle de quais sites cada usuário acessa.


+Leia mais: como relacionar a liberdade na internet às disciplinas em sala de aula

Prisão à francesa
A França foi o primeiro país europeu a regular o uso da internet. No dia 22 de setembro de 2009, por 258 votos a favor e 131 contra, a Assembleia Nacional francesa aprovou a lei batizada de Hadopi, cujo objetivo é punir usuários que façam download e compartilhem conteúdo protegidos por direitos autorais. Um ano depois, após ser sancionada pelo então presidente Nicolas Sarkozy – que desde o início apoiou o projeto – a lei entrou em vigor. 


De acordo com as novas regras, o usuário que for descoberto “baixando” ou compartilhando arquivos protegidos por direitos autorais recebe primeiramente uma notificação por e-mail. Havendo uma nova ação, a segunda notificação é enviada pelo correio. Caso não mude seu comportamento e reincida pela terceira vez, o usuário vai a julgamento, podendo sofrer penas que vão desde o corte da conexão da internet, a aplicação de pesadas multas a até dois anos de prisão.


As empresas provedoras de internet também foram enquadradas e têm um prazo de até oito dias para enviar ao governo o nome e o endereço do usuário que pratique os atos agora considerados ilegais. Caso não o façam, terão dee pagar uma multa de ? 1.500 para cada usuário não identificado. Lan Houses e espaços que ofereçam internet sem fio igualmente correm o risco de serem multadas caso não cuidem adequadamente do modo como seus internautas utilizam a rede mundial de computadores.  


Sopa de protestos
No dia 18 de janeiro deste ano, cerca de dez mil sites hospedados nos Estados Unidos, entre eles o Wikipedia, Yahoo!, Facebook e o Google, protestaram na internet retirando seus sites do ar, chamando a atenção da opinião pública para os projetos de leis de regulação da internet em tramitação o país: SOPA (Stop Online Piract Act), em trâmite na Câmara dos Deputados, e PIPA (Protect Intellectual Property Act), no Senado americano. Diante da repercussão negativa, deputados, senadores e até mesmo membros do governo do presidente Barack Obama recuaram. Dois dias depois, ambos os projetos foram retirados da pauta de debates no Congresso dos Estados Unidos.


As duas propostas de lei, SOPA e PIPA, tinham como objetivo bloquear nos Estados Unidos sites estrangeiros que abrigam conteúdos que violam as leis de direitos autorais e de propriedade intelectual. A medida afetaria inclusive os sites de busca, como o Google, que seriam obrigados a aplicar filtros que o impediriam de indicar sites considerados ilegais pelo governo americano. Esses filtros já são usados na China, Síria e países islâmicos fundamentalistas.  


Usuários e empresas de internet alegam que a legislação promove a censura, muda a operacionalidade da rede mundial de computadores e prejudica sua capacidade de inovação. Os críticos contestam ainda as sanções impostas a quem viesse a desrespeitar a lei, invertendo a lógica de primeiro processar e depois punir. Isto porque, de acordo com a SOPA, os sites seriam suspensos antes mesmo de haver qualquer direito de defesa e condenação legal, pois a lei estipula um prazo de cinco dias para a aplicação das punições após a identificação de um site suspeito.


Enquanto os legisladores americanos propunham restrições à navegação na internet, seus colegas europeus concordaram no começo do ano em levar à votação no Parlamento Europeu o ACTA (Acordo Comercial Antifalsificação), espécie de acordo internacional antipirataria imbuídos da intenção de reforçar os direitos à propriedade intelectual. Entre outros pontos, o polêmico projeto pretende obrigar as empresas provedoras de internet a vigiar os sites acessados por seus consumidores.


Recuo europeu
Todavia, assim como nos Estados Unidos, a reação dos usuários, empresas e ativistas da mídia digital foi estrondosa e o que antes era empolgação por parte dos legisladores, rapidamente transformou-se em receio. Como resultado, no último dia 4 de julho, por 478 votos contrários e somente 39 a favor, o Parlamento Europeu rejeitou o acordo. Com isto, 22 dos 27 países membros da União Europeia não poderão ratificar o tratado em suas leis nacionais. Para além das fronteiras da União Europeia, o ACTA ainda pode ser aprovado nos Estados Unidos, Austrália, Canadá, Japão, Coreia do Sul, México, Marrocos, Nova Zelândia, Cingapura e Suíça. Como tudo na rede está interligado e muitas empresas de internet que prestam serviços no Brasil estão situadas nos Estados Unidos e na Europa, caso a lei americana ou europeia fosse aprovada haveria um efeito em cascata, já que tais empresas seriam obrigadas a operar segundo as novas legislações. Os ativistas e defensores da liberdade na internet nos Estados Unidos e no mundo por ora comemoram a retirada dos dois projetos, mas tudo indica que esta foi apenas a primeira batalha de uma longa guerra.


Brasil pioneiro
Na contramão das leis que andam assombrando os internautas e ameaçando a liberdade na rede mundial de computadores, no Brasil, o relator da comissão especial na Câmara dos Deputados que há três anos debate o Marco Civil da Internet apresentou no dia 6 de julho o texto final do projeto. A proposta ainda deverá passar por todas as aprovações no Congresso e pela sanção presidencial, mas desde agora, já é vista com bons olhos por usuários e empresas, colocando o Brasil num patamar de pioneirismo em se tratando de legislações de internet que não inviabilizam sua liberdade.


Segundo o projeto, as empresas provedoras de internet não poderão ser responsabilizadas pelo uso de seus consumidores. Tais empresas apenas poderão sofrer algum tipo de punição caso descumpram ordens judiciais de retirada de conteúdo específico. O Marco Civil proposto prevê ainda que os dados dos usuários permanecerão armazenados por um ano e o acesso a eles só será possível mediante ordem judicial. Somente grandes provedores deverão armazenar os dados, excluindo desta medida as Lan Houses. Ainda com relação aos dados, o projeto brasileiro estabelece que o usuário poderá saber quais informações suas são armazenadas e como são usadas, podendo, inclusive, pedir sua exclusão dependendo do caso.


As duas questões ainda não abordadas pelo Marco Civil brasileiro são justamente as mais polêmicas: a que trata de crimes digitais (tema debatido em outro projeto na Câmara) e direitos autorais. Apesar de não fazer referência a estes temas, há consenso de que o atual projeto deve ser encarado positivamente por ser um balizador de direitos básicos e estabelecer determinados princípios a serem seguidos.


Espécie de lei-mestre, os legisladores brasileiros sabem que o projeto do Marco Civil é apenas o começo e que novas leis provavelmente serão necessárias para tratar de temas específicos. Quando chegar este momento, o usuário brasileiro de internet poderá saber melhor em que lado o país se posicionará. Por enquanto, a liberdade na rede de computadores que mudou as relações do mundo segue correndo solta pelos invisíveis fios da tecnologia moderna.   







Filha da Guerra Fria

A disputa entre Estados Unidos e União Soviética durante a Guerra Fria levou o governo americano a criar, em 1955, a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada (ARPA). Em sua estrutura, a agência desenvolveu o Escritório de Tecnologia de Processamento de Informações (IPTO) para pesquisar o programa Semi Automatic Ground Environment, que ligava vários sistemas de radares espalhados por todo o território americano pela primeira vez. Joseph Carl Licklider foi escolhido para liderar o IPTO. Anos mais tarde, trabalhando junto com Lawrence Roberts para desenvolver uma rede de computadores, ambos criaram o embrião da Arpanet, ao interligarem a Universidade da Califórnia e a Universidade de Stanford.


O termo internet surgiu pela primeira vez em 1974, quando Vinton Cerf, Yogen Dalal e Carl Sunshine publicaram, na própria Universidade de Stanford, a primeira especificação completa de uma rede TCP/IP global, tal qual conhecemos hoje.  Em 1983, entrou em operação a primeira rede de grande extensão. Cinco anos depois ela foi aberta para interesses comerciais. No Brasil, a internet chegou definitivamente em 1995. 









Interesses contrariados

No final de junho, o fundador e editor do site Wikileaks, o australiano Julian Assange, refugiou-se na embaixada do Equador em Londres pleiteando asilo político. O hacker e ativista político há anos desperta a fúria dos mais ricos e poderosos governos do mundo ao divulgar na internet documentos sigilosos extremamente comprometedores.


Suas ações têm constrangido tais governos e revelados detalhes sórdidos e escabrosos sobre questões de grande relevância mundial, como a Guerra no Iraque, no Afeganistão, atrocidades cometidas na penitenciária de Guantánamo, troca de favores políticos entre diplomatas, políticos e organizações militares, além de conchavos financeiros em campanhas eleitorais, entre milhares de outros documentos relevantes.


Apesar da importância de tais documentos, que em muitos casos desmascaram o jogo sujo do poder político mundial, obviamente os interesse contrariados são gigantescos e uma grande caçada contra Assange foi posta em prática pelos governos afetados, principalmente os Estados Unidos. Envolvido em uma acusação de estupro supostamente ocorrida na Suécia, o fundador do Wikileaks foi preso na Inglaterra e estava justamente lutando contra um processo de extradição quando optou por fugir da detenção domiciliar e pedir asilo ao governo equatoriano de Rafael Correa.


Assange e seu grupo de hackers que desafia os meandros políticos e sigilosos de poderosas nações são a face mais visível do quanto a liberdade da internet pode incomodar muita gente e, ao mesmo tempo, ser seu maior benefício.


Enquanto o fundador do Wikileaks luta contra a justiça inglesa e sueca e o que alega ser um complô para calá-lo, Kim Dotcom, o criador do Megaupload, um dos maiores sites de compartilhamento de arquivos da internet, cumpre pena de prisão domiciliar nos Estados Unidos por cometer crime de infração de direitos autorais, extorsão e lavagem de dinheiro. Em janeiro deste ano, o site foi tirado do ar pelo governo dos Estados Unidos. De acordo com a acusação, o Megaupload teria causado um prejuízo de mais de 500 milhões de dólares aos detentores de direitos autorais devido aos filmes piratas e outros conteúdos protegidos que circulavam na rede.


No começo de julho, Kim comemorou em sua conta no Twitter a derrubada no Parlamento Europeu do projeto que pretendia cercear o uso da internet e anunciou o retorno em breve do Megaupload, segundo ele “maior, melhor, mais rápido, gratuito e protegido de ataques”. 

Autor

Luciano Velleda


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