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De trás para frente

Documento final da Conae, editado pelo MEC, ratifica a proposta de criação de um sistema nacional de educação, antiga aspiração que começa a se concretizar após a existência dos sistemas federal, estaduais e municipais

Publicado em 10/09/2011

por Ensino Superior





Dois meses após o fim da Conferência Nacional de Educação (Conae), foi divulgado no fim de maio o documento final que resume os principais debates que marcaram os cinco dias do encontro em Brasília. Com o resumo das propostas aprovadas em mãos, o Ministério da Educação (MEC) irá agora formular o novo Plano Nacional de Educação (PNE), que precisa ser aprovado ainda em 2010 pelo Congresso Nacional para entrar em vigor  no próximo ano. O PNE é o norteador dos rumos da educação no país nos próximos dez anos a partir de metas qualitativas e quantitativas. Durante o evento, o ministro da Educação, Fernando Haddad, comprometeu-se a seguir as diretrizes da Conae como base para o próximo PNE.

As 163 páginas do documento apresentam propostas divididas em seis eixos temáticos. Todos eles reforçam a necessidade da criação de um Sistema Nacional de Educação, princípio presente na Constituição Federal, mas que nunca funcionou da forma esperada. Tirar do papel de forma efetiva o regime de colaboração entre municípios, estados e União na garantia do direito à educação de qualidade é a principal recomendação advinda das discussões do eixo um, cujo tema era "O papel do Estado na garantia do direito à educação de qualidade: organização e regulação da educação nacional".

O termo Sistema Nacional de Educação não transmite a complexidade do que ele significa na prática: a ação coordenada e integrada dos três entes federados na organização dos sistemas de ensino, cada um cumprindo o que é de sua responsabilidade, mas trabalhando em conjunto. As legislações existentes hoje, entre elas a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e o atual PNE, já determinam que a oferta do ensino deve ser organizada a partir do regime de colaboração. Mas faltam "determinações comuns", avalia o professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) Jamil Cury.

"Desde o tempo do Império, o Brasil tem grandes orientações, diretrizes gerais que são válidas e algumas obrigatórias para todo o país. Começaram com a Constituição de 1934, que determinava coisas do tipo o ensino primário deve ser obrigatório e gratuito. Posteriormente tivemos os currículos mínimos. Mas nunca tivemos um sistema nacional que tivesse determinações comuns em muitos sentidos", analisa Cury, que foi membro do Conselho Nacional de Educação (CNE).

A previsão constitucional do regime de colaboração nunca se concretizou porque não houve uma legislação específica que "pusesse isso em marcha". Essa tarefa será do Congresso Nacional: delimitar as bases legais para criar o Sistema Nacional de Educação – o que ganha força às vésperas da formulação de um novo PNE que também deve conter essas diretrizes.

O artigo 23 da Constituição Federal determina que "leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os estados, o Distrito Federal e os municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional". Mas essa regulamentação nunca aconteceu de fato.

"Minha sugestão é que o SNE seja implementado por meio de uma lei complementar, como diz a Constituição. Há uma carência de uma ferramenta para regular essas competências", defende o deputado Carlos Abicalil (PT/MT)


Concorrência e competências


O documento final da conferência destaca que o que existe hoje no país não é um regime de colaboração, mas simples definições de competências. "A regulamentação do regime de colaboração e a efetivação do sistema nacional de educação dependem da superação do modelo de responsabilidades administrativas restritivas às redes de ensino. Desse modo, de forma cooperativa, colaborativa e não competitiva, União, estados, Distrito Federal e municípios devem agir em conjunto para enfrentar os desafios educacionais", diz o texto.

Para Abicalil, o que existe hoje é um regime concorrencial. "Quando há recursos vindos de um fundo há disputa por matrículas. Em outros casos, como o do transporte escolar, estados e municípios brigam para saber de quem é a responsabilidade pela tarefa", exemplifica.

Cury alerta que será difícil superar a "divisão histórica de competências". "Você tem um sistema federal que se ocupa basicamente do ensino superior e das grandes diretrizes do ensino básico: um mínimo de 200 dias letivos, gratuidade e obrigatoriedade do ensino, diretrizes curriculares, são orientações gerais. Mas, tirando isso, tudo mais pertence à autonomia dos estados e municípios", aponta.

O especialista acredita que essa autonomia de certa forma criou uma "flexibilização excessiva" dos currículos e das organizações pedagógicas em cada sistema de ensino. "A LDB extinguiu os currículos mínimos pressupondo que os estados e as escolas já eram maduros o suficiente para transformar diretrizes em projetos pedagógicos que tivessem perfis comuns. Mas o que ocorreu foi uma grande dispersão em termos curriculares e organizacionais", explica.

Sem uma base comum, Cury acredita que os resultados das avaliações educacionais em nível nacional ficam comprometidos. "Não posso querer aplicar a mesma avaliação se os programas curriculares são caixas-pretas. Ao mesmo tempo não podemos voltar ao currículo mínimo obrigatório. É importante assegurar a riqueza e a diversidade regional e ao mesmo tempo ter uma organização curricular e pedagógica que garanta a coesão nacional, esse é o ponto médio", defende.

Um dos principais nós na construção de um Sistema Nacional de Educação está justamente no equilíbrio que deve haver entre a garantia de uma coesão nacional, respeitando-se ao mesmo tempo a autonomia de estados e municípios. "Isso é a grande dificuldade de todo e qualquer sistema federativo, seja aqui, na Rússia ou nos Estados Unidos. Você pode dizer que isso compete à União, outra pessoa pode dizer que compete aos poderes locais. É mais complicado em países grandes, com regiões e tradições culturais diferentes. Não será fácil", prevê Cury.

Na opinião do diretor de programas da secretaria-executiva do MEC, Arlindo Cavalcante de Queiroz, alguns "avanços" nos últimos anos abriram o caminho para a efetivação de um regime de colaboração, incluindo o atual PNE, que já seria "uma tentativa de pactuar metas". "Nesse percurso surgiram algumas necessidades de resolver a questão da colaboração como o Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica), que é um mecanismo de compartilhamento do financiamento da educação. Outro exemplo são os PAR (Planos de Ações Articuladas que precisam ser  elaborados por estados e municípios interessados em apoio técnico e financeiro do MEC)."

Queiroz defende que a experiência do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), criado pelo MEC em 2007, será "muito útil" na construção de um PNE baseado na importância de um sistema nacional de educação. "O PDE traz a ideia do planejamento articulado, isso vai ser um legado importante", diz.

O professor Cury acredita que a União deverá assumir um papel de "liderança", na construção desse sistema. "Como fazer isso sem se tornar centralizadora e autoritária, invadindo os espaços de autonomia? Essa é a questão principal. É preciso encontrar um meio termo em um sistema nacional para que você tenha elementos que contribuam para a coesão, preservando o que é necessário para que estados e municípios garantam sua autonomia", afirma.

Por essa razão, Cury defende que MEC, estados e municípios e conselhos de educação de todos os níveis precisam "sentar juntos" para definir um projeto de lei que possa colocar o sistema nacional de educação em funcionamento. "Isso deve ocorrer de forma consensual e precisa ser uma decisão permanente que não vá ser reinterpretada de outras formas por outros governos. O MEC precisa liderar e articular essa negociação", defende.


De olho no setor privado


Os delegados que participaram das discussões do eixo ressaltaram um elemento importante do sistema nacional de educação: o setor privado. O documento final diz que é "fundamental reiterar que a educação privada deve ser regulada pelos órgãos de Estado, devendo obedecer às regras e normas determinadas pelo Sistema Nacional de Educação".

"Quando se fala em regulação pretende-se ter clareza em relação ao que ocorre nos serviços de concessão. A educação é um serviço público, embora sua oferta possa ser privada. Hoje na Educação Básica os estabelecimentos não são obrigados a participar de todas as avaliações, a inscrição é facultativa", critica o deputado Abicalil.
Arlindo Queiroz acredita que o documento final da Conae reforçou a importância da educação como um direito universal, nos âmbitos público e privado, "em que a qualidade tem de reinar".

O setor privado já se manifestou e a princípio parece não temer a regulação. "O Estado tem mesmo de fiscalizar, é a função dele. Nós já participamos das avaliações, mas hoje o Estado não tem condições de fazer um exame que atinja a todos", afirma a presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Distrito Federal (Sinep-DF), Amábile Pacios.

Ela defende que os resultados das escolas particulares nas avaliações mostram que "não há do que reclamar em relação à qualidade". "Essa fiscalização de certa forma já existe porque não conseguimos abrir nossas escolas sem a aprovação do poder público e a cada cinco anos temos de renovar toda a documentação", lembra.
Na avaliação de Amábile, o Estado tem um grande "parceiro" na tarefa de fiscalizar o ensino privado: a família. "Qualquer instrumento não vai superar a eficiência dessa fiscalização. Ela é a primeira a dizer o que não está certo", defende.

Apesar de enfatizar o papel da regulação, nem o documento final nem as discussões durante a Conae determinaram de que forma ou por meio de qual instrumento seria feito esse acompanhamento.


Fórum Nacional de Educação


Após tantos dias de debates, propostas aprovadas e documento final publicado, o desafio é garantir que as diretrizes da Conae não fiquem só no papel – o que não seria uma novidade levando em conta outros momentos de discussão como este que pouco impacto tiveram na melhoria da qualidade da educação.

Por esse motivo, o eixo um também sinaliza para a importância da criação de um Fórum Nacional de Educação que seria responsável por acompanhar os resultados da Conae e pela implantação e acompanhamento do PNE, além de organizar as próximas conferências do setor. Esse grupo não teria funções normativas, como o Conselho Nacional de Educação (CNE), mas seria um espaço de discussão da "política nacional de educação". 

Arlindo Queiroz defende que é preciso "institucionalizar" as conferências nacionais de educação e o fórum terá um papel importante nessa tarefa. "As conferências são peças fundamentais na comunicação entre os governos e a sociedade civil na organização do sistema nacional. E quem chamaria esses encontros seria esse fórum permanente", aponta.

Segundo o documento da Conae, o Fórum terá "representação dos setores sociais envolvidos com a educação".  O documento não definiu quem irá compor esse fórum, mas durante a conferência, muitos setores defenderam que inicialmente o grupo seja composto pelos membros da comissão organizadora da Conae.

"O Fórum é uma representação sem capacidade executiva, seu foco será a formulação e o debate das políticas públicas. Na aprovação do PNE discutiremos como esse fórum será constituído, mas existe essa possibilidade", afirma Abicalil.

Autor

Ensino Superior


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