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Desde o império

Documentos mostram que mazelas atuais são parecidas com as do século 19

Publicado em 10/09/2011

por Rubem Barros

Uma carta de 22 de abril de 1838, data em que se comemorava o 338º aniversário do descobrimento do Brasil, serviu como elemento disparador de uma pesquisa que dialoga com a história para tentar entender os motivos presentes no adoecimento docente e suas relações com o ambiente de trabalho.

Naquela data, o professor Jozé de Araujo Lobo, a quem havia sido consignada em caráter vitalício a cadeira de gramática latina na Vila de São Mateus, a 220 km de Vitória, no Espírito Santo, abriu mão do privilégio. São Mateus era um local estratégico em função de seu porto, onde desembarcaram muitos dos escravos vindos ao Brasil.

Quarenta dias depois de designado para a cadeira, Lobo resolveu abdicar de suas funções. A alegação: o cargo "(…) é nocivo à minha saúde e prejudicial aos meus interesses particulares".

A partir dessa intrigante recusa ao exercício docente, tão pouco tempo após a nomeação – e num país em que, desde sempre, a segurança dos cargos públicos foi um objeto de desejo – as pesquisadoras Regina Simões, Maria Alayde Salim e Johelder Tavares foram a campo. Cruzaram dados, tais como as mensagens dos presidentes da província, os relatórios dos instrutores de instrução pública e um livro de registros com os processos das licenças médicas solicitadas por professores entre os anos de 1850 a 1885.

A pesquisa resultou no texto Formas de adoecimento de professores capixabas no século 19: diálogos com o passado no presente, um dos artigos do livro Trabalho e saúde do professor (Autêntica, 2008). Seu recorte temporal foi determinado pelo acesso ao primeiro estudo estatístico que permitia dimensionar o número de alunos e professores existentes na então Província do Espírito Santo, de 1878.

"Cotejamos esse material com pesquisas e estudos do século 20 e encontramos o mesmo quadro na educação de ontem e de hoje: prédios improvisados, condições insalubres para o exercício docente, carência de professores, muitos alunos por sala, baixos salários", ressalta Regina Simões, professora do programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo.

Uma outra convergência entre as duas épocas também chama a atenção: o fato de a educação, no plano do discurso, ser tratada como um valor central para fortalecer a idéia de nação. Em pleno Segundo Império, período que se associa à imagem de um D. Pedro II dado às artes e à cultura, a instrução pública era vista como meio de "consolidar os pilares do desenvolvimento e da governabilidade".

Mas, de 1882 a 1885, 24 dos 50 professores efetivos da Província do Espírito Santo, ou 48% dos efetivos (havia, ainda, 20 interinos), tiveram licenças remuneradas. Apesar de os motivos de concessão não terem sido preservados nos registros, na época a remuneração para o afastamento só era dada se o exercício profissional fosse o seu causador. E, como a maioria dos efetivos era de professores do sexo masculino (38), a maternidade também não era causa preponderante.

"Isso mostra que o professor estava buscando se afastar da sala de aula, que o seu local de trabalho era um local de risco, a ponto de ele não querer estar lá", explica Regina Simões. Para a pesquisadora, o descompasso entre o discurso de exaltação à importância da educação e a precariedade real criaram essas formas de resistência que perduram até hoje: a do adoecimento e do afastamento. Hoje, os sujeitos são outros. Mas os nós do tempo persistem.

Autor

Rubem Barros


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