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Educar para sobreviver

Escolas despertam para a importância da educação ambiental, mas ainda se ressentem da carência de metodologias integradas ao cotidiano

Publicado em 10/09/2011

por Carolina Cassiano

Já se passaram quinze anos desde as discussões da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92, e dez anos do Protocolo de Kyoto, quando mais de 160 países se comprometeram a lutar contra o aquecimento global. Enquanto o debate teórico amadurecia e culminava no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas das Nações Unidas – com a conclusão de que a redução da emissão de gases causadores do efeito estufa é capaz de desacelerar o aquecimento global -, os termômetros das cidades mostravam a palpável realidade das alterações climáticas, percebida pela população. Pesquisa recente do Ibope mostra que, mesmo entre aqueles com formação até o ensino médio e com renda de até um salário mínimo, 80% se dizem muito preocupados com a questão ambiental.

Acompanhando a tendência mundial, as escolas assumiram a responsabilidade de introduzir as questões relativas ao meio ambiente em seu dia-a-dia, com o intuito de formar cidadãos conscientes quanto ao impacto de suas práticas. Cada uma com fórmulas e métodos variados, com resultados que não podem ser avaliados com nota, muito menos no curto prazo. O desafio é sair do discurso vazio e criar novos hábitos entre os jovens.

Segundo o Censo Escolar 2004, quase todas as escolas brasileiras de ensino fundamental incluem educação ambiental em sua grade curricular. O salto é recente. Em 2001, 115 mil escolas, ou 61,2% do universo escolar, declaravam dedicar-se ao tema. Em 2004, eram 152 mil escolas – 94% do total. Nesses três anos, o percentual de escolas ligadas ao tema na região Norte passou de 54% para 93%; no Sul e Sudeste atingiu 97%.

O problema é como fazem isso. O Censo mostra que 66% das escolas declararam desenvolver ações de educação ambiental por meio de projetos; 38% utilizam a modalidade inserção no projeto político pedagógico e 34% o meio ambiente como tema transversal às outras disciplinas. O ponto de partida de cada uma está intimamente relacionado à iniciativa de um ou mais docentes em 59% dos casos. Os dados fazem crer que a educação ambiental ainda não está sistematizada como parte constante do programa da maioria das escolas. Ainda assim, há boas iniciativas em curso.


Transversalidade

Felipe Pacheco, estudante do 2o ano do ensino médio do Colégio Arquidiocesano, em São Paulo, achava uma bobagem reciclar. "Eu pensava ‘ninguém faz, por que vou fazer?’", diz. Na 8a série, o professor de ciências propôs um trabalho em que ele deveria verificar a quantidade de lixo que se produzia por mês em sua casa. "Isso me abriu os olhos", diz.

Na maioria das escolas, a educação ambiental é orientada pelos professores de ciências ou biologia, pela afinidade natural com o tema – nem sempre com a obrigação sistemática de sensibilizar alunos, mas com o objetivo de informar ou fazer refletir sobre as conseqüências da atuação das fábricas, da tecnologia, do consumismo excessivo e sobre a preservação do ar. Para formar um projeto de educação ambiental eficiente, no entanto, muitas escolas perceberam que precisam ir além da teoria em uma única disciplina. Por essa razão, muitas incorporaram nos currículos projetos transversais que mobilizam todas as matérias.

Assim fez o Arquidiocesano que, desde 2004, mantém o projeto Saber Cuidar, que incentiva a atenção ao meio ambiente, com as pessoas e com as relações. Motivado pela assembléia internacional que culminou na criação da Agenda 21, o projeto tem encontros de formação com professores, alunos e funcionários, para que todos discutam sobre o futuro do planeta e aprendam novos hábitos, como economia de papel e redução do uso de copinhos plásticos.

Também há medidas práticas, como a coleta de 10 mil garrafas pet junto aos alunos para fazer a ornamentação de Natal ou a coleta de pilhas e baterias para que não sejam descartadas com o lixo comum. Essa coerência entre discurso e prática é detectada pelos alunos, que aprendem com o exemplo. "Percebo que o Arqui aplica os conceitos que ensina. Isso diminui o risco de os ensinamentos ficarem apenas no blablablá", diz Felipe.

Outra abordagem foi escolhida pelo Colégio Rio Branco, em São Paulo, que criou uma organização de combate ao desperdício, incentivo à reciclagem e busca da qualidade de vida. A escola elaborou um trabalho conjunto com a Eletropaulo, que pedia aos alunos que levassem as contas de luz à escola para mapear os gastos e propor a redução. "Usamos esse mote para fazer estudos em matemática, geografia, história, ciências e outras matérias, com o objetivo de levantar quais novas atitudes poderiam mudar e por que isso seria positivo para o mundo", diz Rosângela Guedes, supervisora pedagógica. O Rio Branco também passou a desligar as luzes do corredor em horário de almoço e das salas nos intervalos de aula.

Surtiu efeito. "Reduzimos em 80 kwh o consumo na minha casa", conta Tito Bicalho da Fonseca, dez anos, estudante da 4ª série. "Ninguém mais deixa a TV ligada quando sai da sala. Também aprendi a não poluir o meio ambiente e a andar mais de transporte público."

Segundo especialistas, ao trabalhar a educação ambiental, a escola deve ter claro o intuito de mudar hábitos dos estudantes, professores e funcionários. Afinal, educação ambiental significa ensinar a idéia de desenvolvimento sustentável, segundo a qual os crescimentos econômico, social e ambiental estão associados e não podem comprometer o futuro um do outro. "A educação ambiental está ligada a um conceito ético que quer criar uma cultura não-predatória, com estilos de vida diferentes dos nossos, que hoje caminham para um mundo insustentável", diz Célio da Cunha, porta-voz da Unesco no Brasil para a educação.

Daí a importância de o tema passar por todas as disciplinas e por toda a instituição. "É um assunto transversal, assim como ética e cidadania, daqueles que só se ensina se toda a escola estiver sintonizada e transpirando o mesmo modo de pensar e agir", conceitua Rachel Trabjer, antropóloga, lingüista e coordenadora de Educação Ambiental do Ministério da Educação (MEC).

Mas não são todos que afinam bem teoria e prática. O Censo Escolar 2004 mostra, por exemplo, que apenas 49% das escolas brasileiras que têm educação ambiental utilizavam a coleta periódica como destino final do lixo; 41% delas declararam queimar o lixo e apenas 5% o reutilizavam ou reciclavam.


Estudos do meio


Lucas Couto, da 3ª série do Colégio Elvira Brandão, ao lado da coordenadora Maria Lúcia Severo: atividade na escola estimulou-o a propor reciclagem no prédio onde mora

Os estudos do meio estão entre os projetos de maior efetividade quando o tema é meio ambiente. Levar os alunos a um trabalho de campo, em lugares cujo ecossistema se destaca – seja pela preservação exemplar ou pela impactante devastação local – surte efeito. Por meio do contato com esses cenários e seus moradores, as instituições sensibilizam os jovens para refletir e realizar sínteses coletivas e trabalhos.

Na lista dos principais destinos selecionados pelas escolas paulistanas estão Cananéia, Baixada Santista, Ilha do Cardoso, Paraibuna, Volta Redonda, Vale do Ribeira, Angra dos Reis e Pantanal.

No Colégio Santa Cruz, por exemplo, esse tipo de projeto começa no ensino fundamental e se estende até o primeiro ano do ensino médio, quando, durante um semestre, o professor de biologia ministra a disciplina "meio ambiente". O trabalho prevê que os alunos escolham um destino (Ilha Grande, Vale do Ribeira, Paraty, Pico de Itatiaia ou Amazônia) e passem dez dias visitando os lugares e conhecendo as comunidades de perto. "Eles dormem em redes, interagem com as pessoas, comem o que elas comem. O projeto é obrigatório e o objetivo pedagógico é sensibilizar o aluno", diz Fabio Aidar, vice-diretor do colégio paulistano.

Isabela Campos Deveza, de 16 anos, cursa o 2º ano do ensino médio no Santa Cruz. Viajou ano passado à Amazônia com a escola. Na bagagem de volta, trouxe uma nova visão de mundo. "Nossa demanda de consumo aqui chega à Amazônia em forma de devastação predatória dos recursos naturais. Enxergando isso, muda a sua maneira de consumir", reflete.

A estudante diz que outros valores foram também resgatados com a experiência. "A comunidade abriu as portas para nós e dividia tudo o que tinha conosco. Isso me fez valorizar esse tipo de carinho e de relação humana", conta.


Atividades complementares

Para promover a discussão sobre o impacto das mudanças climáticas no Brasil e no mundo, o Colégio São Luís colocou cerca de 40 alunos do ensino médio em contato, via videoconferência, com outros 60 estudantes do Colégio Boa Viagem, de Recife, e do colégio The Grey Coat School, de Londres.


Felipe Pacheco, aluno do Arquidiocesano: projeto que o obrigou a verificar a quantidade de lixo caseiro abriu seus olhos para a reciclagem

Para esse evento, preparou aulas extras, fez reuniões e propôs uma pesquisa de campo, que os alunos fizeram com familiares e amigos, para saber o que as pessoas sabiam sobre o fenômeno do aquecimento global, quais medidas deveriam ser tomadas, quais aceitariam encampar. No encontro, discutiram a realidade de cada cidade e, ao final, os estudantes concluíram ser necessário o uso de meios de transporte coletivos como o metrô, de combustíveis alternativos como o biodiesel, além do rodízio de veículos.

Rodrigo Dornelles, do 3º ano, participou da videoconferência. Para ele, apesar de o tema ser sempre debatido na imprensa, o processo formador compete à escola. "Confiamos nos nossos professores mais do que na mídia, por isso a escola é tão importante para nos orientar, sensibilizar e sermos mais críticos. O debate ético e o convite à reflexão quem faz é a escola", diz.

Apesar de trabalhar com a transversalidade, o Colégio Oswald Caravelas, também de São Paulo, optou por criar uma disciplina que aborde exclusivamente aspectos do meio ambiente. No ensino médio, a escola oferece aos alunos opções para uma matéria eletiva a cada ano. Entre as do 2º ano, está a "biodiversidade".

No 1o semestre, além de discussões aprofundadas, o curso aborda ética e ajuda cada aluno a escolher um tema sobre o qual deverá escrever uma monografia, em moldes acadêmicos. "A escola ensina metodologia de pesquisa e cobra envolvimento dos alunos que, com isso, adquirem discurso político, postura crítica e sensibilizada", diz Adélia Pasta, diretora do ensino médio.


Com crianças

Na educação infantil, há escolas bastante empenhadas em propor trabalhos que desenvolvam hábitos responsáveis desde cedo, o que parece mais simples do que consertar comportamentos viciados. As iniciativas são bem diversas. Na Escola Viva, cujo projeto nasceu em 1991, há algumas frentes de ação: um trabalho educativo com professores e funcionários para desenvolver valores ligados à preservação do meio ambiente; um coletor de lixo reciclável instalado na porta da escola para a comunidade; e uma central de sucata, que recolhe objetos reaproveitáveis para utilizar no ateliê da escola, entre outros.

O plano pedagógico prevê o uso do quintal da escola, projetado com o intuito de aproximar crianças urbanas da natureza – coelhos, galinhas, marrecos, jabutis, borboletas, tatus, passarinhos e plantas. "O convívio com bichos e plantas ajuda a provocar conflitos, a exercitar valores em situações concretas, a discutir a relação com o outro e a respeitar a vida", diz Sônia Marina Muhringer, coordenadora de meio ambiente da escola e co-autora do livro infantil Verde e a Vida (Editora Ática).


Rachel Trabjer, coordenadora de Educação Ambiental do MEC: ações para oferecer ferramentas e conhecimento a professores e escolas públicas

Segundo a educadora, os pequenos absorvem esse conhecimento, aderem às práticas adequadas e logo viram fiscais dos adultos. "Eles levam para fora da escola, impedem os pais de desperdiçar, não matam insetos, ensinam o jardineiro a cortar certo a grama e ficam incomodados com a postura errada", diz. "O adulto resiste mais a abrir mão de hábitos. Nada melhor do que uma criança para fazê-lo rever sua postura", diz  Sônia.

Inspirado na Assembléia Geral das Nações Unidas, que proclamou a Declaração do Milênio e os "8 Jeitos de Mudar o Mundo", o Colégio Guilherme Dumont Villares resolver criar, como estratégia pedagógica, um personagem infantil para interagir com as crianças da educação infantil, o Dumonzinho. Por meio de histórias, criadas em classe, o personagem aborda temas como empreendedorismo, erradicação da fome, saúde, qualidade de vida e meio ambiente. Todo ano, uma história é publicada em livro.
 
Este ano, a sustentabilidade ambiental é o foco do personagem. Em 2006, foi o processo de desertificação. "A meninada de até 10 anos é a mais consciente. É a geração dos tsunamis, da mudança de temperatura, do rio Amazonas seco, de Nova Orleans alagada. Estão com medo dessa realidade e precisamos lidar com isso, em linguagem infantil, para buscar a preservação da vida", diz a diretora, Eliana Aun.

Também na linha de materiais pedagógicos lúdicos vai a escola Trilha da Criança, que este ano desenvolve um álbum de figurinhas com o tema "Para preservar o meio ambiente, basta plantar a semente". Cada evento feito na escola gera um cromo. "Trouxemos uma pessoa que trabalha com coleta seletiva para uma conversa com as crianças. A foto virou uma figurinha", explica Ana Maria Pereira Teixeira, coordenadora pedagógica. Todos os alunos recebem o álbum, que contém explicações sobre os temas ilustrados, e também os cromos, que chegam em pacotinhos, alguns propositalmente repetidos, para que os alunos os troquem. O álbum, de 125 imagens, ficará completo até o fim do ano.

A escola, que tem como lema o cuidado consigo, com o outro e com o mundo, tem 19 compromissos, entre eles o combate ao desperdício e uso racional da água. "Todo mês, a garotada de quatro, cinco anos faz reuniões para discutir questões ambientais e o reaproveitamento de alimentos", diz Ana Maria.

No Colégio Elvira Brandão, as crianças são levadas a fazer experimentos para comparar a qualidade da água da torneira com a água de um rio, por exemplo. A turma do maternal foi ao laboratório observar quais materiais boiariam e quais afundariam, se jogados na água. "Aprenderam que não se  pode jogar nada no rio para não impedir a luz de entrar e para não encher o fundo de lixo", conta a professora do laboratório de ciências, Lídia Yamana.

O trabalho pedagógico da escola levou um dos alunos a propor uma campanha de reciclagem no prédio. Com ajuda da mãe, conversou com a síndica e agora está elaborando cartazes para o prédio todo, além de querer levar os latões de coleta seletiva para o edifício. "Tirar o lixo do meio ambiente é uma forma de melhorar o mundo e evitar que aumente o efeito estufa na atmosfera. Aprendi isso este ano na escola", diz Lucas Couto, nove anos, estudante da 3ª série. Lucas também quer ensinar as crianças do prédio a reciclar papel. "Fica bonito e dá para usar para escrever, desenhar, fazer jornalzinho e origami", diz.


Rede pública

Em nível nacional, o Brasil hoje tem uma política de educação ambiental, colocada em prática por meio de parcerias entre o Ministério da Educação e o Ministério do Meio Ambiente. O intuito é prover ferramentas e conhecimento a professores e escolas da rede pública para que articulem o debate sobre a educação ambiental na instituição e na comunidade. Entre os projetos, está a Conferência Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente, da qual participaram cerca de 20 mil escolas, que dá subsídios aos professores para a discussão de problemas locais e mundiais com alunos, professores e comunidade.

Também há um projeto de formação de professores, pelo qual já passaram quase 30 mil docentes, em seminários de três dias. "A estratégia é a construção do conhecimento dialógico, não reprodutor, mas produtor de diferentes formas de agir e pensar", diz Rachel Trabjer, do MEC.

A crítica da antropóloga é direcionada aos projetos isolados da proposta pedagógica. "As escolas acabam muitas vezes relacionando educação ambiental a uma coisa pontual, como plantar uma árvore, e não percebem que deve ser tratada como uma visão de mundo, elaborada a partir do meio ambiente", alerta. Ela diz que isso se dá por falta de preparo dos professores. "Infelizmente, isso ainda não é disciplina das licenciaturas, por isso o que fazem muitas vezes é voltado para o imediato."

Autor de diversas publicações sobre o meio ambiente para uso pedagógico, o professor Paulo Robson de Souza, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, concorda com Rachel. "As licenciaturas deveriam trabalhar o assunto e a universidade deve esvaziar as gavetas com o conhecimento sobre meio ambiente, para que venha a público em linguagem acessível", diz o biólogo, que acaba de lançar a coleção Valorizando a Biodiversidade no Ensino de Botânica, que orienta como explorar a flora do Pantanal de forma didática.

Autor

Carolina Cassiano


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