NOTÍCIA

Gestão

Em busca do diálogo

Engajar professores num trabalho colaborativo é a principal dificuldade constatada por coordenadores pedagógicos, mas é possível superar o desafio

Publicado em 02/04/2014

por Christina Stephano de Queiroz

Getty Images

Se até meados da década de 1990 a figura do coor­denador pedagógico estava associada à necessidade de fiscalizar o trabalho dos professores, hoje, a função primordial desse profissional é a de garantir que o projeto político-pedagógico seja desenvolvido em parceria constante com os docentes. O diálogo entre as duas funções, entretanto, nem sempre é fácil.

Pesquisa da Fundação Carlos Chagas (FCC) atesta que os coordenadores encontram dificuldades em promover um trabalho conjunto com os professores. “Verificamos que a gestão democrática é um dos maiores desafios para os coordenadores”, diz Fabiana Silva Fernandes, pesquisadora da FCC, sobre a pesquisa realizada junto à Fundação Victor Civita, em 2011.

Para a pesquisadora, as dificuldades enfrentadas pelos coordenadores pedagógicos remontam às mudanças ocorridas na educação brasileira na década de 1990, quando o papel desse profissional tornou-se mais complexo e passou a incorporar novas funções, além da orientação pedagógica. 

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Conhecendo o projeto pedagógico
A falta de clareza das funções do coordenador pedagógico é real-mente um dos motivos para a dificuldade de diálogo, acredita o pedagogo Marcus Garcia de Almeida, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Em sua avaliação, a relação dos docentes com a coordenação pedagógica tende a ser conflituosa se a instituição não estabelece claramente os papéis e responsabilidades desse profissional, e tampouco o valoriza adequadamente. “As escolas que posicionam a atuação da coordenação com o papel e responsabilidade claramente definidos e valorizados costuma ter um trabalho pedagógico realizado de forma eficaz”, diz Almeida.

Para exemplificar, o pedagogo cita a própria experiência. Segundo ele, um dos principais desafios que enfrentou como coordenador pedagógico ocorreu em um curso de formação técnica de nível médio, quando atuava em uma escola particular de Curitiba. A instituição contava com um projeto político- pedagógico com forte orientação para formar alunos nas áreas de humanidades e incentivar o pensamento crítico, tendência contrária à demanda de um curso técnico, voltado para a formação para o mercado de trabalho. “Enfrentei dificuldades para articular o trabalho dos docentes de disciplinas técnicas à filosofia geral da escola, dilemas que pude solucionar quando passei a organizar as atividades baseado somente no projeto pedagógico da escola, sem inventar fórmulas mirabolantes”, explica.

Ele lembra, no entanto, que o projeto pedagógico é vivo, sendo necessário realizar reuniões operacionais para abordar problemas do dia a dia; encontros bimestrais para discutir resultados do período; e conversas anuais para tratar dos elementos que devem constar no projeto do próximo ano.

Formando formadores
Fabiana Fernandes, da FCC, concorda que os conflitos tendem a ocorrer quando os professores não estão engajados no projeto pedagógico da instituição. Nesse sentido, ela defende que investir em práticas de formação, bem como ajudar os docentes a ampliar sua capacidade de liderança, são caminhos para minimizar tensões. “Os conflitos podem ocorrer quando não há investimentos na formação permanente do coordenador, pois ele precisa posicionar-se como alguém cada vez mais experiente e que traga informações relevantes ao ambiente escolar”, reforça Fabiana.

A pesquisadora lembra que as formações permitem desenvolver temas relacionados às necessidades, dificuldades e potencialidades da instituição e ajudam a solucionar problemas específicos do perfil dos coordenadores. “Os ciclos formativos viabilizam, por exemplo, trabalhar a capacidade de liderança dos profissionais, bem como desenvolver estratégias para manter uma boa relação com os professores e motivá-los para o trabalho”, avalia.

Beatriz Gouveia, coordenadora de projetos no Instituto Avisa lá, defende que o coordenador deve assumir o papel de formador dos professores, ao estabelecer uma relação de parceria, deixando de lado a função de fiscalizador. Nesse sentido, aconselha que os profissionais contem com instrumentos para acompanhar a prática dos docentes, participando das aulas por meio de combinações prévias.

Para ela, esse tipo de iniciativa permite que o coordenador conheça melhor questões específicas de cada professor e de sua relação com determinado grupo de alunos. “É preciso evitar ações de inspeção. Os coordenadores devem ser parceiros e formadores dos docentes, atitude que reverbera de forma positiva na sala de aula”, assegura. Beatriz alerta, ainda, que outra postura a ser evitada é que o coordenador passe muito tempo solucionando emergências, sem poder organizar seu tempo de trabalho. No entanto, enfatiza que esse papel não é transformado de ‘um dia para outro’, sendo necessário, primeiro, que ele se assuma como formador e defina esse papel na escola.

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Criando um novo papel
A falta de recursos como salas em condições favoráveis de trabalho, materiais didáticos compatíveis com cada série escolar e ofertas de aprimoramento de estudos para a equipe pedagógica, além do excesso de procedimentos burocráticos, são apontados como aspectos que atrapalham o trabalho do coordenador. Mas, para Dora Megid, diretora da faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), é preciso, antes, redefinir funções, auxiliando o professor em suas atribuições pedagógicas, incluindo elaboração de planejamento, dúvidas na organização das aulas e escolha de materiais. Mas, na visão de Dora, as dificuldades ocorrem muito mais devido ao perfil das pessoas que trabalham na instituição, do que em função da natureza da escola. “Tive experiência em escolas particulares onde um coordenador pedagógico autoritário inibia e prejudicava o trabalho dos professores, mesmo tendo condições físicas e materiais de excelente nível. Em contrapartida, vivenciei processos positivos em escolas cujas instalações materiais eram precárias, mas onde a vontade dos professores, coordenadores e diretores proporcionou superações.”

Mesmo reconhecendo os desafios da coordenação pedagógica, Laurinda Ramalho de Almeida, professora do programa de estudos pós-graduados em educação: psicologia da educação, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), avalia que, hoje, o coordenador pedagógico é visto, de maneira geral, como um elemento a mais da equipe, estando presente na maioria das escolas, sejam elas públicas ou privadas. Laurinda lembra que, no Estado de São Paulo, por exemplo, a rede estadual possui “professor coordenador” como função e, na rede municipal da capital, existe o “coordenador pedagógico” como cargo. No entanto, comenta Laurinda, há professores que ainda se esquecem de que a principal função do coordenador é a pedagógica, ao exigir sua presença para solucionar todas as emergências do cotidiano. “Para evitar esse tipo de situação deve-se determinar quais são as atividades próprias da função, envolvendo o corpo docente nas discussões”, aconselha.

Perfil de diplomata
Para José Cerchi Fusari, pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), uma das principais características de um bom coordenador é a capacidade para lidar com conflitos. “O coordenador não pode derrapar, ou seja, passar a ser ‘amiguinho’ ou secretário dos professores. Ele deve saber como lidar com a humanidade dos funcionários, pois os conflitos estão em sua pauta de trabalho”, defende.

Fusari enfatiza que é preciso estar atento a determinados eventos, que podem sinalizar uma condução equivocada por parte dos coor­denadores. Entre eles a falta de atenção nas reuniões ou reações ruins por parte dos professores. “Docentes mudos ou conversando entre si durante reuniões são sintomas de que algo não vai bem”, alerta o pesquisador.

De acordo com ele, uma situação que tende a gerar conflitos se relaciona à gestão equivocada do tempo de trabalho dos professores. Dessa maneira, o coordenador não deve marcar reuniões nos horários de descanso ou alimentação e tampouco organizar encontros improvisados nos corredores das escolas. Outro momento no qual os coordenadores devem estar atentos diz respeito à mudança de período do quinto para o sexto ano, quando os alunos deixam de ter um professor de classe para ter vários, dedicados a lecionar cada matéria. Fusari opina que, como o coordenador não é especialista em nenhuma disciplina, deve investir em diálogos frequentes com os docentes de cada área, para entender bem como funciona seu cotidiano de trabalho e principais desafios que pode enfrentar.

Nesse sentido, o pesquisador acredita que os cursos de pedagogia deveriam oferecer qualificação específica ao cargo de coordenador, de forma a evitar a formação provisória que os profissionais acabam tendo no próprio dia a dia da escola. Ele sinaliza, ainda, que um bom coordenador pedagógico deve ter clareza a respeito da função social da escola no mundo contemporâneo.

Também é preciso estar por dentro das políticas educacionais e das leis que governam a educação brasileira, bem como do contexto em que elas foram produzidas. Além disso, é necessário conhecer a fundo o currículo da escola. “Com essas características, o coordenador pedagógico pode alinhar o currículo formal do país ao projeto político-pedagógico da instituição, sempre mediado pelo trabalho coletivo”, afirma.

Cargo sem leis

Integrante do grupo de estudos em Inovação Tecnológica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o pedagogo Marcus Garcia de Almeida, autor da série de livros A Escola no Século XXI, lembra que a Lei 5692/71, promulgada durante o regime militar no Brasil, instituiu a supervisão escolar ou pedagógica com o papel de fiscalizar a atuação do professor. Durante as décadas de 1950 e 1960 funcionou o modelo de inspetor de ensino (como era chamado nos Estados Unidos). Já a Nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB), passou a mencionar a ocupação de coordenador pedagógico, enquanto somente na CBO (Classificação Brasileira de Ocupação) de 2002, a função aparece especificada pela primeira vez. “Porém, apesar de definida na Lei e presente na CBO, a profissão ainda não é respeitada, pois as instituições ficam livres para organizar cargo e função conforme suas necessidades”, critica Marcus. De acordo com ele, a consequência do panorama é que algumas instituições revestem o papel desse profissional como se ele fosse um backoffice dos professores.

Autor

Christina Stephano de Queiroz


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