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Entre a religião e a nação

Com a ascensão da Aliança Liberal ao poder, a igreja católica perde força e o ensino de religião cede espaço na escola

Publicado em 10/09/2011

por Rosane Pavam


Getúlio Vargas visita orfanato em Petrópolis em 1941: para os católicos, a visão liberal representava risco de desagregação social

Escola Nova era uma escola em permanente mudança, adaptada ao novo homem, a cada vez que esse homem surgisse. Contudo, esse pensamento humanista esbarrava em outras tradições filosóficas para as quais o homem era não sujeito, mas objeto de uma inspiração divina. Desde a Constituição de 1891 estava definido que o ensino seria laico nos estabelecimentos públicos brasileiros. Em 1934, tornou-se facultativo o ensino nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais. A Constituição de 1937 determinou que o ensino religioso poderia ser contemplado como matéria de curso ordinário das escolas, mas não poderia se constituir em objeto de obrigação dos mestres ou de freqüência compulsória por parte dos alunos.

Os segmentos conservadores mais influentes da igreja católica na década de 1930 não estavam satisfeitos. Mas, para os liberais, estabelecer a obrigatoriedade do ensino religioso na rede escolar constituía uma espécie de… heresia. Os católicos viam no liberalismo a mesma amea­ça de desagregação que atribuíam ao comunismo, segundo escreve a historiadora Helena Bomeny. "Ser individualista, liberal, era se insurgir contra as normais sociais, era contribuir para a desagregação social, – o que afinal seria tão contestador quanto a proposta socialista de intervenção." Os pioneiros da educação foram acusados de comunistas. O episódio do fechamento da Universidade do Distrito Federal (UDF), em 1939, ilustra a interferência de setores conservadores da igreja, liderados à época por Alceu Amoroso Lima, no alinhamento ideológico do ministério Capanema.

O ensino religioso nas escolas traduzia a ênfase do Estado Novo na educação moral de seus cidadãos, como observa o historiador José Silvério Baía Horta no livro O Hino, o Sermão e a Ordem do Dia: A Educação no Brasil (1930-1945). Mais tarde, diz ele, essa iniciativa seria enriquecida com ingredientes de civismo e patriotismo, resultando nas tentativas de reintrodução da educação moral e cívica nos currículos dos diferentes níveis de ensino e a proposta de criação de uma organização nacional da juventude, apresentada pelo ministro da Justiça, Francisco Campos, no início do Estado Novo.

O Brasil, como o via a igreja, era um país de fé, e a instituição precisava crescer dentro da realidade estatística nacional. Ao perceber que a Escola Nova lhe traria prejuízos, a igreja católica desistiu de lutar apenas por uma hora semanal de ensino religioso nas escolas brasileiras. Foi então que ela se voltou ao ensino particular subsidiado.

Muitas forças se articulavam, e não só a católica, em prol de fazer valer seu ponto de vista dentro da nova ordem, já que educação era a tônica dos discursos oficiais do presidente desde o início de sua longa gestão. Era imperativo, para cada um dos setores sociais, que se vissem encaixados no projeto nacional anunciado. Getúlio Vargas, conforme o vê o pesquisador Baía Horta, usou o sistema educacional a serviço da política autoritária ao pregar a educação como problema nacional e ao anotar que havia ligação entre educação, saúde e moral.

Por que seria perturbador enxergar a educação, nesse período, como problema nacional? Porque isso justificaria a intervenção do governo federal em diferentes níveis de ensino e uma crescente centralização do aparelho educativo. A partir de 1935, de problema nacional, a educação passou a constituir problema de segurança nacional, diz Baía Horta em seu livro. O ensino básico, intocado pelas reformas, é alvo da política de nacionalização, que tem seus antecedentes no final do século 19, quando os imigrantes se viram impedidos de preservar a autonomia educacional em escolas étnicas. Com Capanema, a política nacionalizadora teve seu termo final.

Em 1937, constituído o Estado Novo, os militares tomaram para si a tarefa de educar fisicamente as crianças. Quando davam suas aulas de ginástica, os homens de carreira militar guardavam o intuito eugênico de fortalecimento da raça. A eugenia, que estabelecia a crença no homem fortalecido pela condição racial, era abraçada pelo pensamento europeu de então, especialmente pelo nazismo. No Brasil, ela desautorizava o poder de fogo do descendente de índios e negros, subjugados e vistos como não detentores de qualquer tipo de saber. Eles precisavam se misturar aos brancos, em idéias e sangue, para se tornarem melhores. Aos alijados da civilização de cunho europeu restava aquiescer a um modelo de cultura de classe média, por vezes inacessível a suas miseráveis condições financeiras. Como escovar os dentes três vezes por dia se não há água corrente e potável na favela?

Talvez por isso a educação nesse período tenha se revelado meritocrática, para poucos e bons. Esse passou a ser o entendimento tanto de Anísio Teixeira, para quem era preciso fazer "a revolução dentro da ordem", quanto o de Lourenço Filho, colaborador direto de Getúlio, ou de Fernando Azevedo, auto-exilado em São Paulo durante o governo de Vargas.

A escola, obrigatória no papel desde o século 19, foi-se constituindo de exceções à obrigatoriedade, conforme explica Diana Gonçalves Vidal. Por exemplo, os meninos do campo, quando muito afastados do colégio, não eram obrigados a freqüentá-lo. Isso substituía a necessidade de o Estado construir para eles uma escola próxima de suas casas.

Mantendo a tradição brasileira de formar a elite, o ministério Capanema promoveu a Reforma do Ensino Secundário de 1942, priorizando a orientação clássica humanista, reservando a formação profissional e técnica aos "necessitados da misericórdia pública". Getúlio Vargas imaginava, assim, colocar os homens alijados a seu lado, como força-tarefa da nação conduzida pelos mais favorecidos. No seu governo, o aluno do ensino profissionalizante estava impossibilitado de ingressar diretamente na faculdade. Para ser aceito como universitário, o jovem teria de ter cursado a escola secundária, não a técnica. Mas ser um secundarista era uma impossibilidade para quem, desde jovem, precisava obter uma qualificação no mercado e ganhos maiores.

Por essa razão não floresceu na Era Vargas um projeto público para a educação universitária, concretizado somente em 1961 com a Universidade de Brasília de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. Em 1951, em regresso à vida pública depois do fim de uma temporada no exílio e no início do segundo governo Vargas, Anísio Teixeira transformou a Secretaria Geral da Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior na Coordenação Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a Capes.

Hoje, além de responsável por mais da metade das bolsas de pós-graduação no país, a Capes avalia cursos de mestrado e doutorado, além de financiar a produção e a cooperação científica. Em 1953, ela implantou o Programa Universitário, principal linha do órgão junto às universidades e institutos de ensino superior. Teixeira contratou professores visitantes estrangeiros, estimulou atividades de intercâmbio e cooperação entre instituições, concedeu bolsas de estudos e apoiou eventos de natureza científica. Nesse mesmo ano, foram concedidas 79 bolsas: duas para formação no país, 23 de aperfeiçoamento no Brasil e 54 no exterior. No ano seguinte, foram 155: 32 para formação, 51 de aperfeiçoamento e 72 no exterior.

Em 1961, a Capes subordinou-se diretamente à Presidência da República. Com a ascensão militar em 1964, Anísio Teixeira deixou seu cargo e uma nova diretoria assumiu a Capes, que voltou a se subordinar ao Ministério da Educação e Cultura. O site da instituição assinala 1965 como um ano de grande importância para a pós-graduação: 27 cursos foram classificados no nível de mestrado e 11 no de doutorado, totalizando 38 no país.

Dois dias antes de Eurico Gaspar Dutra passar a faixa presidencial a Getúlio Vargas, em janeiro de 1951, foi criado o Conselho Nacional de Pesquisas, o CNPq. Foram 155 os beneficiados com bolsas nas áreas de ciências matemáticas e físico-biológicas naquele ano; em 1999, já eram 41.968 em diversos setores. Com o fim da Era Vargas, os intentos reprimidos de uma educação democrática puderam reaparecer, antes que um novo ciclo de autoritarismo se desse com a ditadura militar de 1964. (Rosane Pavam)



Saiba Mais

– Os Intelectuais da Educação, de Helena Bomeny, Jorge Zahar Editor, 2001.
– Diploma de Brancura, de Jerry Dávila, editora Unesp, 2005.
– Na Batalha da Educação (Correspondência entre Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, 1929-1971), de Diana Gonçalves Vidal (org.), IEB-USP, Edusf e CDAPH-IFAN, 2000.
– Educação e Autoritarismo no Estado Novo, de Célio da Cunha, Cortez Editora/Autores Associados, 1981.
– O Hino, o Sermão e a Ordem do Dia (A Educação no Brasil, 1930-1945), de José Silvério Baía Horta, UFRJ, 1994.
– 500 Anos de Educação no Brasil, editora Autêntica e prefeitura de Belo Horizonte, 2000.
– O Mistério do Samba, de Hermano Vianna, Jorge Zahar Editor e Editora UFRJ, 2ª ed.
– Getúlio Vargas, o Poder e o Sorriso, de Boris Fausto, Companhia das Letras, 2006.
– A Revolução de 1930, de Boris Fausto, Companhia das Letras, 1997 (esgotado).

Autor

Rosane Pavam


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