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Entre textos e imagens

Entidades que desenvolvem projetos em educomunicação vêem melhora na capacidade de entendimento e expressão dos jovens comunicadores

Publicado em 10/09/2011

por Cassiano José

A ONG Comunicação e Cultura, de Fortaleza, viveu a experiência de ser abandonada por um de seus parceiros (uma secretaria de educação de uma cidade cearense) e de ver o resultado de seu trabalho – jornais produzidos por estudantes – ser queimado no pátio de uma escola, na frente dos alunos. Reveses de uma instituição surgida em 1991 e que hoje, em associação com o poder público, administra dois projetos de educomunicação em quatro Estados brasileiros.

O maior deles é o Primeiras Letras, em que alunos do ensino fundamental fazem jornais editados pelos professores, a partir de textos desenvolvidos em sala de aula. O programa, criado no ano 2000, está em 893 escolas de 112 municípios do Ceará, 14 colégios do Pará e três da Bahia. Já o Clube do Jornal existe desde 1995 e está em 134 instituições de 31 cidades cearenses e 13 colégios de 12 municípios pernambucanos. Nele, alunos do ensino médio, capacitados pela ONG, fazem jornais para distribuição interna na escola. O colégio assume o compromisso de não pressionar os estudantes nem censurar o jornal.

No caso dessas publicações, a escola sequer tem acesso ao conteúdo durante sua produção. Ela só o vê quando chega da gráfica para ser distribuído. Segundo Daniel Raviolo, coordenador-geral da Comunicação e Cultura, isso não significa que os alunos estejam livres para fazer qualquer coisa. “Eles têm consciência da responsabilidade que é publicar uma notícia e são orientados a seguir um código de conduta”, explica. Antes de serem impressos, os jornais são lidos por profissionais da ONG, que observam se os jovens seguiram os princípios que devem orientar o trabalho. A Comunicação e Cultura mantém uma ouvidoria para receber as manifestações de diretores e professores das escolas e discutir eventuais problemas.

Para o jovem repórter, a participação no jornal escolar é quase sempre a primeira oportunidade de ser lido e experimentar a função social da escrita. O retorno, para o aluno, é o aprimoramento rápido de sua capacidade de expressão e a tomada de consciência de que é um cidadão com direito a se manifestar. Segundo Alexandre Le Voci Sayad, da Rede de Experiências em Comunicação, Educação e Participação (Rede CEP), da qual a Comunicação e Cultura faz parte, os benefícios para o estudante são muitos e se fazem perceber na trajetória posterior dele fora da escola. Por isso ele defende que a avaliação dos alunos não deve ser feita apenas durante a participação no projeto, mas, sempre que possível, por um período de tempo maior, acompanhando seu desenvolvimento pessoal e profissional no início da vida adulta.

Mais difícil ainda é mensurar o impacto dos projetos de educomunicação nas escolas. Daniel Raviolo diz que a Comunicação e Cultura ainda não desenvolveu um método preciso para obter esse tipo de informação. Sayad entende que é fundamental que o governo faça suas avaliações, por mais que elas não sejam perfeitas. “Tem problema? Tem. Demora pra aperfeiçoar? Demora. Mas não tem país desenvolvido no mundo que não avalie a sua educação. A Prova Brasil, por exemplo, é muito complexa, mas é a melhor avaliação que a gente já teve. É só com avaliação desse tipo que você consegue medir num país deste tamanho o que está funcionando e o que não está”, acredita.


Raciocínio abstrato

A Bem TV Educação e Comunicação, de Niterói, é outra entidade que desenvolve projetos com mídia em parceria com o poder público. Ela também já teve seus problemas. Márcia Correa e Castro, coordenadora- geral da organização, conta que já teve casos em que os jovens, entusiasmados com os projetos da Bem TV, começaram a ter atitudes hostis em relação à educação que recebiam em suas escolas. A solução encontrada foi estender os projetos também aos professores da rede pública e trazê-los para a educomunicação.

Criada em 1990, a Bem TV atende a 105 alunos e 30 professores de 13 colégios de Niterói, entre estaduais e municipais, localizados em comunidades carentes. Realiza projetos com vídeo e internet. De maio a outubro, professores e estudantes participam de três aulas por semana, com quatro horas cada. De outubro até o fim do ano, fazem um produto de mídia.

Márcia aponta que o grande benefício que os participantes dos projetos têm é uma melhora significativa na capacidade de raciocinar em termos abstratos. Também afirma que os conhecimentos adquiridos na Bem TV já abriram perspectivas de trabalho e renda para os jovens, embora as ações da entidade não tenham caráter profissionalizante. “Daqui já saiu um menino que virou fotógrafo profissional e uma menina que hoje é assistente de produção no canal Futura”.


Geração espontânea

As ONGs que trabalham com educomunicação têm como certo que a motivação, o interesse dos alunos em produzir mídia é decisivo para o sucesso dos projetos. As estudantes Maria Cecília Rodrigues Campos e Natália Brina Samenow são prova de que tais iniciativas podem surgir até nos ambientes educacionais menos prováveis, quando isso acontece pela vontade dos estudantes.

As duas, alunas do ensino médio, passaram um ano na Escola Internacional Fundação Torino, na Itália, num projeto de intercâmbio. Numa instituição em que os estudantes costumam, como trabalho de conclusão de curso, simular o ambiente de uma empresa, propuseram aos 17 colegas de classe produzir uma reportagem em vídeo. Decidiram retratar o abuso e a exploração sexual de crianças no Brasil e na Itália. “Queríamos fazer diferente, daí surgiu a idéia de trabalhar um tema social”, conta Maria Cecília.

Um ano de coleta de dados nos dois países resultou num documentário de 36 minutos, Children for Sale (Criança à Venda), com depoimentos de advogados, policiais, psicólogos e voluntários ligados ao combate à exploração sexual de menores. O vídeo foi exibido na Feira Internacional do Livro de Turim e na Universidade de Turim. Maria Cecília e Natália voltaram para o Brasil com o título de “Amigas do Unicef”, concedido pela entidade.
(Cassiano José)


Para saber mais


Como Usar o Rádio em Sala de Aula,de Marciel Consani (Editora Contexto, 2007)
Gestão de Projetos Comunicacionais, organização de Maria Aparecida Baccega (Editora Atlas, 2002)
Os Meios de Comunicação Vão à Escola?, de Claudia Chaves Fonseca (Autêntica, 2004)

Autor

Cassiano José


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