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Espaços sob medida

Bogotá se notabiliza por suas bibliotecas. E mostra que elas podem ser centros irradiadores de cultura e de práticas pedagógicas

Publicado em 10/09/2011

por Rubem Barros

Interior da Biblioteca Virgilio Barco, em Bogotá: suntuosidade

Há algumas décadas, a literatura infantil brasileira é objeto de atenção das ações de promoção de leitura na Colômbia. Nomes como Ana Maria Machado, Lygia Bojunga, Bartolomeu Queirós e Nilma Lacerda, entre outros, são reconhecidos pela qualidade de suas obras, muitas já traduzidas para o espanhol. Mas, de alguns anos para cá, em especial na última década, os ventos com novidades têm soprado em sentido inverso, da Colômbia, em especial da capital Bogotá, em direção ao Brasil.

A novidade tem a forma de bibliotecas de diversos tamanhos e modelos, todas elas, porém, com ingredientes em comum: são públicas, abertas a toda a comunidade (mesmo as escolares) e a elas é reservado um espaço de centralidade em suas respectivas zonas de ação. As bibliotecas de Bogotá foram o alvo central da visita feita por um grupo de educadores, de escolas de quatro municípios brasileiros, vencedores do concurso Escola de Leitores, promoção do Instituto C&A, com apoio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e das secretarias locais.

Segundo a secretária-geral da FNLIJ, Elizabeth Serra, a intenção dos organizadores da viagem foi, em primeiro lugar, a de mostrar uma experiência com bibliotecas, já que no Brasil elas são poucas e mal aparelhadas. "É muito importante que se possa viajar a outros lugares, conhecê-los e se colocar em comparação com eles. Assim podemos identificar os nossos problemas e os deles. É uma troca rica não só em relação ao outro país, aos caminhos que estão sendo tomados em outro lugar da América Latina, mas também dos docentes frente a seus pares", diz.

Além de ter a cabeça da rede nacional de 28 bibliotecas e museus vinculados ao Banco da República – a Biblioteca Luis Ángel Arango, com média de mais de 60 mil usuários por dia – Bogotá conta com mais duas grandes redes. Uma delas é a BiblioRed (Red Capital de Bibliotecas Públicas), formada a partir do início deste século, com 20 bibliotecas e ônibus itinerantes. A outra é a rede de bibliotecas escolares, com 120 unidades já construídas ou reformadas. Elas estão presentes hoje em 1/3 dos planteles, escolas-sedes de pequenos núcleos que congregam ainda outras pequenas subsedes localizadas na vizinhança.


Das suntuosas às comunitárias


As bibliotecas que integram as duas redes têm perfis diferentes entre si. Na BiblioRed, sistema patrocinado pelas Cajas de compensación, fundo similar ao Sistema S brasileiro, são quatro bibliotecas de grande porte, seis ditas locais (médias) e outras 10 "de barrio", ou comunitárias. A maior e mais suntuosa de todas, a Virgilio Barco, localizada dentro de um parque num bairro central de Bogotá, com 16 mil m2 de área construída e 36 mil m2 de área total, tem um acervo de 90 mil itens (75 mil livros e outros 15 mil em suporte eletrônico) e 64 funcionários diretos, dos quais seis são bibliotecários formados (limpeza e segurança são terceirizadas). Tem média de 3,5 mil visitantes diários, que sobe para 4 mil nos finais de semana, segundo a diretora Carmenza Sarmiento.

Já na Biblioteca Parque el Tunal, localizada ao sul da cidade, na região com a maior concentração populacional de Bogotá, a visitação diária nos finais de semana chega a 7 mil pessoas. Por dia, são 800 crianças de até 13 anos que se dirigem a uma seção especialmente voltada a elas. Cercada de escolas, a biblioteca forma, ao lado de um hospital e de um centro comercial, um tripé de atendimento às necessidades da população do entorno, em sua maioria de classe média baixa (os apartamentos dos conjuntos habitacionais da região têm por volta de 45 m2).

Em 2001, mesmo ano em que as duas unidades grandes foram inauguradas, a pequena La Marichuela, biblioteca de bairro vizinha aos limites do sul do Bogotá, ganhava um prédio novo. Hoje, os 27,7 mil títulos e 17 funcionários atendem a uma média de 150 usuários por dia e 250 aos sábados. Além do acervo, a biblioteca também oferece sessões de cinema aos finais de semana e "música para ver e praticar". A Associação Colombiana de Leitura e Escrita (Asolectura) mantém ali um de seus Clubes de Leitores, atividade de estímulo à leitura literária feita em parceria com a Secretaria de Educação.

Como diz Silvia Castrillón, presidente da Asolectura, quanto menores são as bibliotecas, mais importância adquirem em suas comunidades no trabalho de estímulo à leitura. A mesma relação suntuosidade/distância, simplicidade/atração também pode ser constatada na visita a duas escolas públicas. No Colégio Distrital República da Colômbia, fundado em 1971, a biblioteca foi reformada e ampliada para atender os 4,7 mil estudantes de suas três sedes. Liderada pelo bibliotecário Rafael Fabrízio, a unidade obteve o prêmio de melhor programa no Projeto Institucional de Leitura, Escrita e Oralidade, o Pileo, ação da Secretaria de Educação local em prol da cultura escrita.


Ler o mundo


Para isso, Fabrizio desenvolve uma série de atividades junto aos alunos e professores. Atua em conjunto com estes últimos a cada novo tema que é introduzido em classe, fornecendo a eles o material didático relativo à atividade. Para isso conta com o
Bibliobanco

, um acervo de didáticos. Mas vai além do trabalho disciplinar. Busca criar uma ideia da biblioteca como espaço livre, porém orientado, na busca da compreensão do mundo por meio da leitura. "A ideia é trabalhar ludicamente. A leitura significa ler as imagens, os lugares, as pessoas. A leitura é tudo", diz.

Já o Colégio Gustavo Rojas Pinilla está na linha da suntuosidade. Com 4,4 mil alunos em duas sedes, tem 6 mil m2 de área construída e um acervo de 6,5 mil itens em 480 m2. O projeto pedagógico também está articulado com a ação dos bibliotecários, que expuseram aos professores brasileiros a sua metodologia e a forma de avaliar as habilidades que suas atividades propõem. Ao final, no entanto, restou uma sensação de um jogral muito ensaiado, cujo treinamento não conseguiu tirar das crianças o peso de uma obrigação escolar enfadonha.


Bibliotecários ou professores


A posição de Fabrizio traduz um tema de tensão para a questão das bibliotecas, seja na Colômbia, no Brasil ou na Argentina: se há certo consenso de que o trabalho, no âmbito das bibliotecas escolares, deve estar integrado ao projeto pedagógico de cada colégio, dando à biblioteca e à leitura a centralidade que não têm por aqui, pairam dúvidas sobre o papel de professores e bibliotecários.

No modelo adotado por Bogotá, os poucos bibliotecários de formação são secundados por muitos bibliotecários maestros, pedagogos que assumem a liderança dos trabalhos de estímulo à leitura. A questão que se coloca aqui é se o bibliotecário de origem, sem formação específica para atuar em uma escola, está preparado para as particularidades desse ambiente.

Na Argentina, que em 2008 aprovou lei que obriga as escolas a terem bibliotecas, o modelo é outro: a preferência é por professores de origem que obtenham uma especialização em biblioteconomia, de modo a prover a parte organizacional sem perda do conhecimento pedagógico.

Numa primeira avaliação, feita ainda em Bogotá, as professoras visitantes saíram com uma certeza: se há uma política clara de construção de bibliotecas públicas e escolares e de incentivo à leitura, as práticas de docentes e bibliotecários não diferem muito daquelas dos professores brasileiros, quando não ficam aquém destas. Outro ponto é que os acervos de muitas bibliotecas escolares são pequenos, em especial em se tratando de escolas com um grande número de alunos. Traduzindo: com um pouco de apoio institucional, é possível dar um salto de qualidade na questão da leitura, ao menos nas escolas que já têm trabalhos voltados a esse campo.

Como mostra a experiência de Bogotá, tratar a leitura como questão central dos espaços públicos – escolares ou comunitários – pode fazer com que outras atividades girem em torno de seu universo.


* O jornalista Rubem Barros viajou a Bogotá a convite do Instituto C&A.

Função pública
Em 1952, a Unesco apoiou a criação da Biblioteca Pública Piloto para a América Latina, na cidade de Medellín, 264 km a noroeste de Bogotá. Alguns anos mais tarde, na mesma década, a Organização dos Estados Americanos (OEA) ajudou a criar a Escola Interamericana de Bibliotecologia, responsável pela formação de diversos bibliotecários que se espalharam pelo país. Esses dois marcos foram fundamentais, na visão de Silvia Castrillón, presidente da Asolectura, para o fortalecimento da visão da biblioteca como bem público na Colômbia.

Em 1976, lembra a ativista, o Ministério da Educação colombiano, já então alarmado com a qualidade do ensino, fez uma reforma na qual elegeu como uma das prioridades o trabalho com escrita e leitura. Decidiu-se então pela criação de mil bibliotecas escolares, localizadas em núcleos educativos. À época, Silvia organizou um programa de formação de docentes para a biblioteca escolar. A iniciativa estava em consonância com tendências mundiais. Na França, por exemplo, havia 584 bibliotecas municipais em 1964; em 2005 passaram a ser mais de três mil.

O programa colombiano, porém, foi desativado com a troca de governo, no início dos anos 80. Instaurou-se, a partir daí, uma visão que só viria a mudar a partir dos anos 2000: a de que, uma vez que a escola era uma instituição associada ao fracasso, o incentivo à leitura deveria dar-se fora dela.

"Discordamos disso. Não queríamos desescolarizar a leitura, queríamos que tivesse sentido para as crianças, mas com uma dimensão de trabalho. Que fosse tratada como um prazer que se conquista com esforço", relembra.

Na virada dos anos 90 para o novo século, começou-se a trabalhar com um novo propósito: o de que os organismos nacionais e internacionais reconhecessem o acesso à cultura escrita como um direito para o exercício da cidadania plena. Um documento nesse sentido foi firmado após um encontro que reuniu 2,4 mil professores e bibliotecários de todo o país em 2002.

A postulação continua em aberto. Segundo Silvia, o alto custo que implicaria para os governos, em função da necessidade de investir em bibliotecas públicas e escolares e na formação de professores, inibe a aceitação do acesso à cultura escrita como direito por parte dos organismos internacionais.

Autor

Rubem Barros


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