NOTÍCIA

Educação no Mundo

Foco profissional

Nos EUA, modelo de ensino médio integra conteúdo acadêmico e técnico já buscando a preparação do aluno para uma profissão

Publicado em 10/09/2011

por Luisa Leme, de Nova York

Uma das filosofias educacionais mais presentes nos EUA é aquela de que todos os alunos devem ter a oportunidade de ingressar em uma universidade. Atualmente, isso se materializa para 63% dos estudantes: eles terminam o ensino médio e chegam ao ensino superior sem escalas. Porém, destes, 30% se evadem no primeiro ano de ensino superior. Foi com o intuito de preencher essa lacuna que surgiu, no longínquo 1969, um novo formato para o ensino médio.

Consideradas um meio-termo entre o ensino técnico e o tradicional, as career academies (escolas de carreira, em tradução livre) são escolas menores, com até 200 alunos, que integram o currículo do ensino médio regular a uma grade curricular de caráter profissionalizante, com foco em uma profissão. O modelo trabalha com a expectativa de que, a partir da experiência, o aluno se aplique e busque a universidade para continuar estudando.

É o caso de Danilo Sena, aluno da Academy of Engineering and Green Technology in Hartford, em Connecticut, no Estado da Nova Inglaterra. Matriculado no último ano do ensino médio, Danilo tem contato diário com disciplinas como introdução à engenharia e engenharia digital. Em abril, ele e outros colegas de classe desenvolveram o protótipo de uma urna eletrônica – nos EUA, o voto ainda é no papel. “Quero entrar em uma universidade para continuar estudando engenharia. Terei uma vantagem grande sobre os outros alunos, porque já estou envolvido com a profissão”, conta.

O modelo das career academies foi pensado a partir de três premissas. A primeira é a criação de uma escola menor – chamada “academia” – dentro de um colégio público já existente. Assim, uma academia atende uma média de 150 a 200 alunos da 9ª ou 10ª série do ensino fundamental até o último ano do ensino médio. Esses alunos permanecem na mesma turma por todo ensino médio e, apesar de serem parte de uma escola, seguem um currículo exclusivo da academia.

Esse currículo (eis a segunda premissa) é interdisciplinar e focado em um tema profissional. Alguns exemplos de temáticas exploradas por academias em Nova York: contabilidade, turismo, saúde, design e novas tecnologias. No caso das escolas ligadas à National Academy Foundation, organização com mais de 500 academias, o currículo escolar é elaborado em conjunto com associações de profissionais de indústrias que integram o seu conselho gestor. Andrew Rothstein, diretor de currículo da NAF, explica que a entidade pergunta a esses profissionais quais elementos são os mais importantes e apropriados para incluir no currículo do ensino médio. Depois disso, são criados projetos que estruturam o curso, que também são integrados com a experiência profissional nas empresas parceiras.

Este é o terceiro elemento que define as career academies : as parcerias com o setor privado local. As empresas oferecem estágios aos alunos e também podem participar da formação do currículo interdisciplinar, integrando princípios da profissão ao conteúdo. Além disso, os estudantes se envolvem com projetos em grupo fora da escola e recebem orientação de mentores que são profissionais da área.

História
Em 1969, empresários de companhias elétricas da Filadélfia, Estado de Pensilvânia, fundaram a primeira academia como resultado da forte instabilidade social, altas taxas de evasão escolar e dificuldades na seleção de jovens para a indústria. Na época, a iniciativa era mais voltada ao modelo vocacional. Mesmo assim, espalhou-se para outras escolas, que agregaram novos temas. Após essa multiplicação, o modelo foi levado para a Califórnia, onde criou raízes mais fortes, e tomou a forma atual, que busca a formação para universidade através do foco profissional.

Charles Dayton, coordenador da Career Academy Support Network (CASN), ligada à Universidade da Califórnia em Berkeley, conta que estudos sobre as primeiras experiências no estado mostraram que alunos da academia tinham melhores índices de frequência, melhores notas e mais chance de se formar. “Levamos evidências para o Departamento de Educação do estado e estabelecemos a primeira legislação de apoio às academias em 1984”, explica. Hoje, existem mais de 500 academias na Califórnia.

Durante o mesmo período, o empresário Sanford Weill, presidente do Citigroup, decidiu apoiar o modelo, com o objetivo de formar futuros profissionais do setor financeiro. Assim, a primeira Academia de Finanças, patrocinada pela American Express, deu origem à National Academy Foundation, instituição hoje presente em 41 estados, atendendo cerca de 50 mil estudantes no país.

Os bons resultados trazidos pelas academias impulsionaram um debate sobre educação vocacional nos EUA entre os anos 80 e 90, época em que o mercado de trabalho ganhou novas profissões (designer gráfico, web designer, administrador de redes de informação, entre outras), que exigiam mão de obra com qualificação específica.

Empregadores passaram a questionar a lei Smith-Hughes, de 1918, que definia educação vocacional como preparação para profissões que não exigem um curso superior.

Esse movimento por uma maior profissionalização foi acompanhado do surgimento de um estigma em relação ao ensino técnico. “As academias eram vistas como uma maneira de direcionar alunos mais pobres para uma educação de segunda categoria, mas elas nunca tiveram como objetivo ser a única formação do aluno”, explica Robert Ivry, da MDRC, organização que avalia políticas públicas para populações de baixa renda. Para Charles Dayton, esse estigma existe até hoje. “A maioria dos pais quer um curso de quatro anos para os filhos. Ter como objetivo algo considerado ‘menos’ do que a universidade pode ser visto como se nivelar por baixo em termos de objetivos”, explica.

Em 1994, a lei School-to-Work (Lei de Escolas-para-o-trabalho), que trouxe fundos para a educação para o trabalho, estabeleceu que as academias receberiam verbas federais. Em 1998, o governo federal renovou o Carl D. Perkins Vocational and Technical Education Act (a lei Perkins), para melhorar a qualidade da educação técnica. A lei foi reeditada em 2006, direcionando fundos ao ensino técnico até 2012, mas reformulando a definição de “ensino vocacional” para “educação técnica ou de carreiras”, que deve alinhar conteúdo acadêmico e de habilidades para preparar alunos para profissões emergentes ou atuais e para ensino superior.

Atualmente, há cerca de 7 mil academias no país. O modelo é um dos formatos mais populares, representando 60% das escolas que recebem financiamento federal para comunidades pequenas de aprendizado – escolas menores com um currículo e professores exclusivos, que podem ser focadas também em temas como estudos sociais, meio ambiente e humanidades.

Sistematização
Os entusiastas das career academies apostam no modelo não só em função do interesse por uma mão de obra mais qualificada, mas também porque há pesquisas que indicam benefícios financeiros. Um estudo publicado em 2008 pela MDRC compara os estudantes das academias aos alunos que se candidataram a elas na 9ª série, mas acabaram frequentando outros programas e escolas (grupo de controle). Foram acompanhados 1.500 alunos por 12 anos (quatro de ensino médio e oito anos após a graduação). A pesquisa mostrou que estudantes das academias ganham 11% (ou US$ 2.088.00) a mais por ano do que alunos do outro grupo. Esses ganhos são mais expressivos entre homens, um grupo apontado pelo estudo como alvo de desemprego progressivo nos últimos anos. Os homens que estudaram nas academias chegam a ganhar 17% a mais (US$ 30 mil a mais em oito anos) em relação aos outros. Os resultados também mostraram menor evasão escolar, notas mais altas e mais créditos acumulados até o penúltimo ano do ensino médio. O estudo do MDRC, entretanto, não encontrou diferenças significativas nas taxas de graduação do ensino médio ou ingresso no ensino superior, mudanças que seriam esperadas após a introdução do modelo. “Ambos os grupos tiveram números de sucesso: 93% dos alunos (nos dois grupos comparados) se formaram no médio, 75% ingressaram na graduação e 50% concluíram o ensino superior”, diz Robert Ivry.

Para David Stern, docente da Universidade da Califórnia em Berkeley e diretor da Career Academy Support Network , há uma possível explicação para a diferença entre os resultados das pesquisas: o grupo de controle ingressou no ensino superior em grande número, então o efeito das academias pode ter se tornado menos significativo. “É possível também averiguar se as academias estudadas não recrutam estudantes que já iniciam o ensino médio com bom desempenho escolar”, especula.

Culturas específicas
Outro motivo que explica a variação entre os resultados no que diz respeito ao desempenho acadêmico é a diversidade encontrada entre as academias do país. Gilverto Conchas, professor da Universidade da Califórnia em Irvine, que recém-concluiu estudos qualitativos sobre as academias, diz que, além de implementar os três princípios do modelo de maneiras diferentes, as academias acabam criando culturas específicas. “Elas podem selecionar estudantes visando uma performance acadêmica melhor, por exemplo”, explica. Um exemplo: enquanto academias da Califórnia são obrigadas a preencher 50% de suas turmas com alunos que podem abandonar a escola, outras academias no país recrutam estudantes que já possuem bom desempenho acadêmico.

Entre os problemas encontrados durante a implantação das career academies , especialistas identificam a dificuldade de implantar o currículo interdisciplinar que integra o tema profissional com o acadêmico. “Professores são formados hoje para ensinar sobre um assunto. E uma das dificuldades é fazer com que integrem seu currículo com uma profissão”, diz Charles Dayton. Além disso, a ênfase da política educacional norte-americana em testes padronizados tem reduzido o montante de verba destinado às academias.

“Há tanta pressão para atingir os objetivos da lei No Child Left Behind que as academias podem estar sofrendo dificuldades financeiras”, explica Robert Ivry.







Cardápio variado

O ensino médio nos Estados Unidos não é dividido em áreas para o aluno escolher. Isso porque os estados do país têm mais controle sobre a legislação e o programa de suas redes de ensino, o que dificulta a existência de grandes programas curriculares federais. Ainda assim, em todo o país o ensino médio é compulsório e dividido em três séries. Quase todos os estados têm as disciplinas ciências, matemática, inglês e estudos sociais como obrigatórias. O restante da grade é preenchido com disciplinas eletivas, que podem ser aulas com foco acadêmico ou cursos ocupacionais, classificados nacionalmente como Career and Technical Education (CTE).


As matérias eletivas ofertadas podem variar em cada escola. Os alunos podem escolher qualquer combinação de disciplinas. Algumas das mais comuns na área acadêmica são línguas estrangeiras, física, história da arte, teatro e astronomia. Em CTE são marcenaria, mecânica de carros, webdesign, programação e negócios. Cerca de 90% das 18 mil instituições públicas que oferecem o ensino médio nos EUA são regulares.


A parcela remanescente resume-se às CTE Schools, que podem ser de tempo integral ou regionais. A primeira tem o currículo integrado, e o programa das eletivas enfatiza somente matérias ocupacionais. De acordo com dados do National Center for Education Statistics (Nces), há somente 900 escolas desse tipo em todo o país. Já as regionais são centros que servem a diversas escolas de uma determinada área como local para ensinar as aulas do tipo CTE. Existem cerca de 1.200 deles.


Os cursos profissionalizantes nos Estados Unidos fazem parte dos estudos pós-segundo grau, essencialmente nas instituições conhecidas como junior colleges. Elas seguem o modelo dos institutos tecnológicos do Brasil, mas lá seu diploma é considerado inferior aos das universidades. Entrar em um junior college costuma ser simples – de maneira geral, exigem apenas inscrever-se e ter no mínimo 18 anos. Todas são pagas e custam em torno de US$ 2,5 mil anuais. Por outro lado, as universidades estabelecem critérios rigorosos de admissão, para selecionar os alunos que mais se destacaram no ensino médio. Elas levam em consideração a média das avaliações no 2º grau, a Grade Point Average (GPA), e as atividades extracurriculares que acontecem sob a supervisão das escolas, como as equipes esportivas, feiras de ciência, jornal da escola e bandas marciais.


Há também os exames nacionais de proeficiência que servem de qualificação. Os dois mais comuns são o American College Testing (ACT) e o Scholastic Aptitude Test (SAT). Acontecem pelo menos quatro vezes ao ano e todos os alunos do ensino médio podem se submeter a eles quantas vezes quiserem. ( Filipe Jahn )


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Autor

Luisa Leme, de Nova York


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