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Pesquisadora de Nova Jersey faz uso da terapia sistêmica para desenvolver técnicas que ajudem os professores a conduzir melhor as aulas para os alunos da geração do milênio por Paulo de Camargo Na perspectiva da pesquisadora Angela McGlynn, professora emérita do curso de psicologia da […]

Publicado em 22/04/2013

por Redação Ensino Superior

Pesquisadora de Nova Jersey faz uso da terapia sistêmica para desenvolver técnicas que ajudem os professores a conduzir melhor as aulas para os alunos da geração do milênio

por Paulo de Camargo

175_14Na perspectiva da pesquisadora Angela McGlynn, professora emérita do curso de psicologia da Mercer County Community College, em West Windsor, Nova Jersey (EUA), mais do que cativar os alunos com discursos empolgantes, o professor de sucesso do século 21 é aquele que pode sair de cena sem deixar o aluno desamparado, que permite desenvolver o espírito de colaboração e a inspiração necessária que motiva a aprendizagem.


Influenciada pelos princípios da terapia sistêmica – na qual os comportamentos psíquicos das pessoas são compreendidos à luz da dinâmica de suas relações – Angela trabalha sobre técnicas que podem ajudar os professores a criar em sala de aula um ambiente facilitador, que estimule a aprendizagem, e com foco especial nos estudantes de graduação.

Autora do livro Teaching today’s college students: widening the circle of success (Ensinando os estudantes universitários de hoje: ampliando o círculo de sucesso, em tradução livre), Angela esteve no Brasil em fevereiro para participar de um curso intensivo promovido pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo, momento no qual concedeu a seguinte entrevista para a revista Ensino Superior.

Ensino Superior: Em sua conferência, o tema motivação foi bastante enfatizado. Essa é uma questão-chave quando se fala no ensino para jovens?
Angela McGlynn: Sim. A motivação é o fator-chave para o desenvolvimento individual. Muitas vezes, a única motivação dos alunos é extrínseca, ou seja, obter o diploma. Contudo, o ensino de sucesso implica encorajar as pessoas a fazer o seu melhor, ou seja, a motivar-se internamente. Os professores precisam ter clareza de que não podemos dar ou transmitir motivação a quem quer que seja, mas podemos, sim, inspirar.

Como é possível inspirar os estudantes a se motivarem?
Inspiramos os alunos a se automotivarem quando os levamos a competir contra seus próprios limites, promovendo autoconfiança, provocando um sentido maior de vínculo e coesão interna da classe, formando uma comunidade de aprendizagem com espírito de equipe. A má notícia é que ninguém muda ninguém. Mas podemos mudar a nós mesmos. Podemos tentar algo novo, dar aulas diferentes e, se der errado, tentar novamente. Sempre haverá professores notáveis, que ficam na memória dos alunos, mas mesmo que eu não seja essa pessoa, ainda assim posso ser um professor muito bom, mudando algumas estratégias.

Que tipo de estratégias podem mudar?
Principalmente, mudar o foco da aula centrada no professor, dirigida pelos conteúdos ensinados, para a aula centrada no aluno, com foco nos processos. É preciso olhar mais para o que o aluno está fazendo e menos para o que o professor faz. A pergunta seguinte é: e como se cria uma aula centrada nos alunos e nos processos? É preciso trabalhar para instaurar um clima de sala de aula inclusiva: promovendo a participação, propondo discussões, ouvindo diferentes pontos de vista; ‘empoderando’ os alunos, estimulando o orgulho de descobrir e aprender.

Há várias técnicas para alcançar esses objetivos na educação básica, mas por que essa relação muitas vezes se perde no ensino superior?
A formação de professores de todos os níveis inclui dinâmica de sala de aula. Na faculdade, eles aprendem teoria educacional, estilos cognitivos e, quando entram na sala de aula, sabem algo sobre como ensinar. Nem todos são grandes professores, mas estão preparados para ensinar. Já na universidade, os professores têm formação avançada, mas talvez jamais tenham aprendido a educar, embora sejam especialistas em suas áreas. Especialmente nas universidades de elite, os professores lecionam uma disciplina por semestre e o resto do tempo dedicam à pesquisa e à produção escrita para revistas especializadas. Então, quanto mais alto se sobe na escada da educação superior, menos contato se tem com os alunos.

Por isso as formas tradicionais de ensino perduram?
Em geral, os professores universitários ensinam como aprenderam. O sistema se autoperpetua. Muitos professores vêm direto do doutorado e assumem um posto para ensinar. Por isso, prevalecem as aulas expositivas – embora 30 anos de pesquisa já tenham demonstrado que a aula expositiva é a maneira mais efetiva de compartilhar grandes quantidades de conteúdo, porém a forma menos eficaz para os alunos aprenderem.

Pensando na graduação, o que a senhora apontaria como fator mais relevante para obter resultados efetivos em sala de aula?
Basicamente, é preciso cuidar da atmosfera da sala de aula. O clima tem grande poder e isso é muito importante, da pré-escola até a pós-graduação. Em todos os níveis, a dinâmica do clima influencia os estudantes a desenvolver suas habilidades de aprender. Se o aluno está ansioso, se não se sente incluído, se percebe que não é bem-vindo, possivelmente terá dificuldades para aprender. Por isso, o primeiro dia de aula é o mais importante do semestre e dá o tom do que vai acontecer.

Que sugestões de atividades para o primeiro dia de aula a senhora ofereceria para os professores?
O objetivo mais importante do primeiro dia de aula é deixar os alunos com vontade de voltar. O aluno precisa sentir que o professor é acessível, que chegou a um lugar com senso de comunidade, que o curso valerá a pena. É indicado conhecer um pouco mais sobre cada um dos alunos e fazê-los interagir. Vale realizar um exercício ou uma discussão que possibilite se apresentarem e que estimule a interação e a troca de contatos. Eu sempre digo aos professores: façam contato visual com todos os seus alunos.

A senhora tem uma crítica às aulas puramente expositivas. Como deve ser a dinâmica em geral das aulas?
Eu não digo que devemos pensar em miniaulas, mas seguramente recomendo que a cada 15 ou 20 minutos se mudem o ritmo e a estratégia da aula. É preciso alternar constantemente o ritmo da classe. Depois de uma exposição de 15 minutos, por exemplo, os alunos podem trabalhar em grupos por outro período, e assim se cria uma nova dinâmica. Há muitas formas de estimular a participação dos alunos, também. Pode-se pedir que resumam algum ponto da discussão do dia, que troquem informações entre si, que apresentem suas explicações ao grupo… há muitas formas.

A utilização dos recursos tecnológicos, nesse contexto, é uma conduta conveniente ou obrigatória?
Acho que os recursos tecnológicos devem ser utilizados quando forem eficazes para que se alcancem os objetivos didáticos e os objetivos de aprendizagem. A tecnologia pode trazer grandes vantagens se for adequada e se funcionar bem. Mesmo a nova geração não quer a tecnologia pela tecnologia. Deve ser algo que faça sentido no contexto das atividades acadêmicas. Pensemos numa apresentação de power point, recurso tão comum. Para muitos alunos de hoje, pode ser uma aula aborrecida. Mas também pode ser muito eficaz, se utilizada adequadamente para promover aprendizagem. Os alunos são muito receptivos aos professores que sabem utilizar a tecnologia, como dispositivos eletrônicos, vídeos, etc., mas não têm por que usar a tecnologia só por usar.

Qual a importância para os educadores de conhecer melhor o comportamento dos alunos nativos do mundo digital?
Esses jovens possuem características que impactam no modo como aprendem em sala de aula. Por exemplo, a comunicação social intensa e constante por meios eletrônicos – por smartphones, e-mails, mensagens instantâneas, redes sociais. Eles aceitam esse ambiente como normal, cresceram rodeados de dispositivos eletrônicos e interagem por meio deles. Preferem aprender em seu próprio tempo e em seus próprios termos e querem trabalhar de forma colaborativa. Isso abre perspectivas interessantes de trabalho em sala de aula, principalmente na formação dessa comunidade de aprendizagem da qual falamos anteriormente.

A senhora falou sobre a importância da motivação, mas, a despeito das características das novas gerações, não é verdadeiro também dizer que demonstram menor grau de maturidade em relações às gerações de seus pais?
Há diferenças geracionais, que resultam da experiência, do estilo de vida e da educação dos pais. Isso significa também distiguir fatores como renda e cultura, pois importa o fato de o jovem graduando ser o primeiro da família a entrar em uma faculdade. De modo geral, podemos dizer que as pessoas das gerações passadas recebiam menos orientações, eram menos protegidas e contavam com poucas políticas oficiais de proteção. Se pensamos na classe média e alta, sim, a geração millennium, como chamamos essa nova geração, é a mais protegida que existe. Os pais estão sempre envolvidos na vida dos filhos. Chamamos de pais helicópteros, pois estão sempre sobrevoando. Resulta disso que o relacionamento entre os millennium 
generations e seus pais é muito próximo.

Diante do desafio, é possível dizer que os professores universitários estão ficando mais atentos ao ensino?
Sim. Tenho visto que os professores cada vez mais procuram se reunir em pequenos grupos e conversar sobre as aulas que dão. Por necessidade, mais e mais docentes falam disso. Há uma mudança grande na educação e os professores reconhecem isso. Afinal, se os alunos não estiverem aprendendo, de que adianta o que fazem em sala de aula? Eu diria que muitos professores universitários estão comprometidos com o desafio de se tornarem grandes professores, e esta seria uma tendência ainda maior, se não houvesse tanta pressão para que se tornem grandes pesquisadores.

Autor

Redação Ensino Superior


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