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Gestão

Ideal em risco

Se nada mudar, a crença de que a educação é um instrumento de ascensão social pode ruir no longo prazo, acreditam especialistas. Por isso, 2017 deve ser o ano das mudanças

Publicado em 17/02/2017

por Marina Kuzuyabu

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Em uma sala de reuniões do Instituto Data Popular, três profissionais tentam desenhar o cenário de 2017 para o setor do ensino superior privado. Com base em pesquisas realizadas e em informações coletadas nas mais variadas fontes, o diretor-geral Dorival Mata-Machado, o coordenador de pesquisas qualitativas Mitsuo Shida e a analista sênior Gabriela Mendes fazem previsões não só para o ano que está começando, mas para a trajetória de toda uma geração. Eles acreditam que o cenário é crítico e que se as instituições não se adaptarem, a ideia de que o ensino superior é uma ferramenta de ascensão social pode ruir.

Essa ideia foi identificada em uma pesquisa realizada pelo Instituto em 2016 a pedido do Semesp. “De acordo com o levantamento, 47% dos egressos do ensino médio de todos os grupos respondentes acreditam que somente com o diploma de curso superior conseguirão bons empregos e salários, estabilidade financeira e ascensão social, o que motiva os que já estão matriculados a continuarem os estudos e os que estão fora a desejar ingressar no ensino superior”, detaca Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp.

Ainda conforme a pesquisa, 30% dos jovens e adultos enxergam a crise como um incentivo aos estudos. A demanda por educação superior, portanto, não cairá no curto prazo, acreditam os pesquisadores. O desafio está em converter essa demanda em matrículas.

Em função dos altos índices de desemprego, principalmente entre os jovens, e da recessão econômica, a população está hierarquizando e reorganizando as finanças. Como o valor das mensalidades é considerado alto para uma parcela da população, e o retorno que esse investimento trará parece incerto, muitas pessoas estão adiando os planos de estudar.

O corte do Fies é outro fator de peso na composição desse quadro. No levantamento encomendado pelo Semesp, mais da metade dos potenciais calouros revelou que recorreria ao financiamento governamental para estudar. Reduzido para menos da metade em 2015, o encolhimento do programa fez com que o número de ingressantes no setor privado caísse pela primeira vez desde 2009.

Sem previsão de melhora em nenhum desses aspectos nos próximos meses – Fies restrito, desemprego em alta, economia em crise –, o ano de 2017 será desafiador como foi o ano de 2016 para as instituições privadas, acredita Bruno Giardino, analista do Santander. “A captação, que acontece até meados de março, ainda se dará em um cenário deteriorado. A confiança dos consumidores está abalada”, explica. Reforçando o que os pesquisadores do Data Popular disseram, Giardino afirma que a demanda continua em alta, mas ela não se converterá em matrículas enquanto o desemprego não der sinais de arrefecimento. “Os alunos estão na defensiva”, informa.

Para William Klein, CEO da Hoper Educação, o ano de 2017 pode registrar nova queda no número de ingressantes. “Houve uma grande perda no poder aquisitivo das famílias, mas há quem duvide de que já chegamos ao fundo do poço. Para alguns, ainda não”, declara.

As estimativas do Semesp apontam para uma retração de 2,6% no número de ingressantes (nos cursos presenciais) em 2016 em comparação com 2015. Já para 2017, o Indicador Semesp de Ingressantes (ISI) aponta para uma estabilidade – ou ligeira queda de 0,6%.

O crescimento do EAD
Já para os cursos EAD, o Semesp prevê uma alta de 3,8% no total de ingressantes em 2017 em comparação com 2016. A percepção é confirmada por Klein.

Embora o Censo tenha apontado para uma retração de 5,7% nos cursos EAD da rede privada em 2015 em relação ao ano anterior,o consultor afirma que a modalidade está crescendo entre seus clientes. A expansão é puxada por uma espécie de submodalidade do EAD: o semipresencial. Em vez de estudar totalmente a distância, o aluno matriculado nesse tipo de curso frequenta a instituição uma ou duas vezes por semana.

Para muitos, esse modelo é o ideal, pois conjuga aspectos positivos das duas modalidades. Os estudantes têm contato físico com colegas, professores e tutores – característica da qual os matriculados no EAD tradicional se ressentem – e contam com a flexibilidade de estudar nos locais e horários mais convenientes.

De acordo com Klein, as instituições estão explorando esses aspectos e conseguindo atrair alunos que, atualmente, não conseguem pagar a mensalidade de uma graduação presencial. “O tíquete médio no EAD costuma ser três vezes menor”, pontua. “Com a renda da família em queda e a dificuldade de conseguir o Fies, o EAD desponta para muitos alunos como uma solução”, conta. Aquelas que já têm cursos EAD têm, portanto, uma oportunidade de crescer mesmo na crise.

A questão do financiamento
Na opinião de Bruno Giardino, também poderão se dar melhor as instituições que conseguirem driblar um dos maiores entraves ao crescimento: a falta de financiamento. Estão nesse grupo as que têm fôlego financeiro para oferecer parcelamento estendido (diluição do valor do curso em mais de 12 parcelas), descontos e linhas alternativas de crédito. Sobre essa última estratégia, sua eficácia tem um limitador, que é a imagem negativa dos bancos perante a classe média.

Quem faz a associação é a equipe do Data Popular, que nas pesquisas realizadas conseguiu captar esse traço. Segundo os especialistas, o brasileiro médio prefere contrair empréstimos com um banco estatal, como a Caixa Econômica Federal, que no imaginário deles é mais “compreensiva” em situações de aperto financeiro, com ações de cobrança mais brandas. Fazendo uma comparação, os pesquisadores lembram que por mais que os bancos privados tenham expandido suas linhas de crédito para a compra de imóveis, a grande maioria da população ainda prefere negociar com a Caixa. Sendo assim, apenas ampliar as linhas alternativas de crédito não será suficiente para suprir o Fies.

Para além do financiamento, o analista do Santander cita as abordagens agressivas de comunicação e marketing (presença na mídia e ações diretas de relacionamento), principalmente, como fatores importantes de conversão de potenciais alunos. A retenção é outra estratégia para evitar que o número de matriculados caia. “Por anos, o setor deixou de trabalhar adequadamente esse aspecto. O crescimento estava muito fácil”, analisa Giardino.

Além de monitorar os potenciais evasores – o que pode ser feito com a ajuda de ferramentas tecnológicas –, as instituições devem manter um bom relacionamento com os alunos, aconselham os especialistas. Ao identificar qualquer problema, é preciso apresentar soluções rápidas para evitar insatisfação e, consequentemente, deserção.

Outra aposta para esse momento de reorganização é identificar fontes alternativas de receitas, como o desenvolvimento de programas de capacitação para as indústrias e a associação com empresas para financiar ou modernizar laboratórios.

A redução de custos é mais uma frente importante. Sobre esse aspecto, Klein exemplifica que é comum encontrar cursos com currículos desatualizados. Nessas condições, disciplinas que com o tempo perderam a relevância continuam sendo ofertadas e, para piorar, numa carga horária acima da recomendada pelo MEC. Enxugá-las já produziria uma redução de custo significativa, avalia.

Reestruturação
Para os especialistas do Data Popular, o cenário pede uma estratégia mais ousada que consiga, de alguma forma, garantir aos jovens e adultos das classes B e C que eles terão retorno com os estudos. Mencionando o caso de um grupo de advogados recém-formados que, nos Estados Unidos, processaram a Thomas Jefferson School of Law por estarem desempregados (contrariando as altas taxas de empregabilidade anunciada pela instituição, dizem os acusadores), Mata-Machado e seu time de pesquisadores não duvidam de que o caso ecoe por aqui, provocando reações parecidas.

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Para ele, os jovens dessas classes sociais só se dispõem a pagar por um curso superior porque acreditam que vão conseguir bons postos de trabalho no futuro. Porém, com o cenário deteriorado, muitos não estão vendo esse retorno. Estão desempregados e isso está sendo observado por aqueles que estão pensando em se matricular, argumentam os pesquisadores. Se essa situação se prolongar, é possível que toda uma geração cresça desesperançosa com a educação.

As instituições, portanto, não podem apenas esperar uma recuperação da economia. Elas precisam agir e seguir o exemplo de uma universidade inglesa que prometeu reembolso de parte das mensalidades caso o egresso não consiga emprego em um prazo determinado. Mata-Machado reconhece que esse é um caso único e inviável de ser replicado em escala. Porém, a sua lógica sim pode e deve ser analisada com atenção.

Dessa forma, as instituições poderiam estabelecer mais parcerias com empresas para tentar inserir seus estudantes no mercado de trabalho. Isso poderia acontecer ao menos enquanto eles estão matriculados, pois garantiria uma fonte de renda importante para ajudar a custear a faculdade.

Fomentar o empreendedorismo seria outra saída por meio da criação de incubadoras que provessem aos alunos meios reais de sair da graduação com um negócio semiestruturado ou totalmente em funcionamento. Seja qual for a solução, a promessa de que a educação é instrumento de ascensão social deve ser cumprida de alguma forma, frisam.

Teto dos gastos
A aprovação da PEC 241 ou 55 também merece ser analisada nessa discussão sobre o futuro do setor educacional. A emenda constitucional criou um teto para os gastos públicos ao congelar as despesas governamentais por até 20 anos. As cifras serão corrigidas apenas pela inflação do ano anterior.

Na opinião de muitos especialistas, a medida afetará negativamente a educação, tendo em vista a necessária ampliação dos recursos para o cumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE). Para o ensino superior, as metas são elevar a taxa bruta de matrículas na educação superior para 50% (atualmente esse indicador está em 34,2%) e a taxa líquida para 33% (atualmente em 17,7%). Outro objetivo é elevar para 40% a porcentagem de matrículas novas na rede pública em relação ao total de matrículas novas na educação superior. Dados de 2014 mostram que essa proporção é de 5,5% hoje.

Um dos críticos é José Marcelino de Rezende Pinto, professor da Universidade de São Paulo e membro da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (Fineduca). Em sua opinião, a educação superior será uma das mais afetadas, juntamente com a educação infantil por concentrar as metas mais ambiciosas. O primeiro impacto será sentido na rede federal, que além de não crescer, poderá sofrer com a falta de verbas. O aumento do número de professores horistas é apenas uma das consequências esperadas. “O mesmo Congresso que aprovou o PNE por consenso assina agora a sua certidão de morte”, lamenta o professor.

A evasão também deve crescer na rede pública com a redução das políticas de assistência estudantil. Com menos verbas disponíveis, pode haver restrição dos serviços de alimentação e transporte, além de diminuição da oferta de bolsas, acredita Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Contra aqueles que dizem que o orçamento do MEC já cresceu suficientemente nesses últimos anos – o que pode levar à suposição de que o problema não é a falta de recursos, mas sim de gestão –, Marcelino reforça que, entre 2006 e 2013, os gastos em educação acompanharam o crescimento do PIB e praticamente se estabilizaram a partir de 2010. Não houve, portanto, um incremento extraordinário de recursos na área.

Mais do que congelar, o estabelecimento do teto pode reduzir a injeção de recursos em educação, conforme simulações feitas pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira (Coff), da Câmara dos Deputados. Caso a regra tivesse sido aplicada em 2010, com vigência a partir de 2011, o governo federal teria deixado de gastar R$ 73,6 bilhões em manutenção e desenvolvimento do ensino. Em valores corrigidos, seriam mais de R$ 89 bilhões que a educação deixaria de receber (veja mais no quadro da pág. 19).

“Para construir mais escolas e contratar professores, é preciso dinheiro. Não existe milagre”, reforça Daniel Cara. Portanto, a perspectiva de que o governo deixará de investir na educação como vinha fazendo representa para o cientista político um retrocesso. “A área da educação encontrava-se em um processo de expansão insuficiente, mas verificável. Além disso, as ideias gerais que norteavam as políticas públicas eram boas, embora as políticas carecessem de uma gestão eficiente. Esse processo foi interrompido. A qualidade de toda a educação básica deve piorar”, analisa Cara. Em sua opinião, essas mudanças não afetarão a demanda por educação superior. Mas a qualificação dos estudantes deve sim ser abalada, gerando uma reação em cadeia da educação básica para o ensino superior. A situação pede atenção.

Autor

Marina Kuzuyabu


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