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Educação no Mundo

Inglaterra: dedo na ferida

Modelo híbrido das academias, antes voltado à substituição de escolas de baixo desempenho, passa a ser requerido por escolas privadas afetadas pela crise econômica

Publicado em 10/09/2011

por Fernanda Mena, de Londres

A crise econômica parece ter batido às portas do sistema educacional britânico. Na iminência de uma recessão que as obrigue a fechar as portas, escolas privadas têm recorrido ao governo do Reino Unido com pedidos de nacionalização. Trata-se de uma manobra polêmica que corre na contramão da cartilha de privatizações do governo de Margareth Thatcher (1979-1990) e que, segundo especialistas, confunde o papel do governo no que diz respeito à educação pública.

Isso porque, em 2002, o governo britânico criou um tipo de instituição educacional híbrido, nem só estatal nem cem por cento privado. Batizadas de "aca­demias", essas escolas são consideradas semi-independentes: são financiadas por uma parceria entre empresas ou instituições filantrópicas e o Estado, possuem liberdade de administração em relação aos governos locais e não precisam seguir à risca nem a integridade do currículo adotado pelo Departamento de Escolas nem a política salarial dos professores da rede pública. A idéia era incentivar a abertura de escolas em áreas mais pobres.

Até o ano passado, as "academias" vinham sendo estabelecidas em substituição a escolas de baixo desempenho ou em locais de alta demanda por vagas no sistema público. Em 2008, no entanto, o Departamento de Escolas se viu pela primeira vez às voltas com instituições privadas de educação requerendo status de "academia".

Com a baixa na procura pelo setor privado, pelo menos cinco dessas escolas já foram aceitas no esquema. Duas delas ficam em Bristol, cidade que concentra o maior número de instituições particulares da Inglaterra. As escolas que se comprometem com o novo esquema têm de abandonar a cobrança de mensalidades e os exames de seleção de alunos e adotar o currículo nacional apenas para as disciplinas básicas.

"Há anos que as mensalidades escolares aumentam num índice maior que o da inflação. É muito provável, portanto, que a crise esteja afetando essas escolas, diminuindo consideravelmente o número de alunos que podem arcar com esse custo. Certamente a crise implicará uma mudança de demanda para essas instituições", avalia Anna Vignoles, pesquisadora do Centro de Economia da Educação da London School of Economics (LSE).

"Durante uma recessão, o número de alunos inscritos em instituições privadas tende inevitavelmente a uma queda. É natural, portanto, que algumas delas procurem ajuda do governo em vez de simplesmente declarar falência", afirmou a um jornal britânico John Dunford, secretário-geral da Association of School and College Leaders (Associação de Líderes de Escolas e Colégios).

Conselhos regionais de educação da Inglaterra já acusaram um aumento na procura por vagas e identificaram uma maior proporção de novos candidatos oriundos do sistema privado. Em Londres, escolas do Estado já divulgaram que as inscrições de alunos bateram recorde neste ano, o que pode ser outro efeito colateral da crise financeira.

Para o diretor de educação da União Nacional dos Professores, John Bangs, "com a crise, a tendência é que mais escolas requisitem o status de academias ao governo". "A grande ironia é que as academias foram criadas para atender às necessidades de estudantes menos preparados, em especial nas áreas mais pobres do país, daí seu caráter universal na admissão de alunos. Para uma escola privada, essa mudança é complexa e não necessariamente benéfica para os alunos antigos e para os professores", avalia Bangs.

A notícia de que escolas privadas estariam sendo nacionalizadas causou mal-estar no setor. Em reportagem publicada no jornal britânico
The Guardian

, o ministro da educação Jim Knight afirmou que a atual crise econômica poderia elevar o interesse das escolas privadas no modelo de academias. Dois dias após a publicação do artigo, o ministro escreveu uma carta ao jornal condenando o tom da reportagem que, segundo Knight, daria a entender que uma política de resgate de escolas falidas estaria em curso. "As boas escolas privadas que respondem às demandas da comunidade e que estão dispostas a seguir as regras do modelo das academias, como admissão universal de alunos, são bem-vindas no setor público. Nesses casos, a qualidade de ensino que elas oferecem será disposta a todos, sem restrição em relação aos que não podem pagar mensalidades. E isso é uma vitória política", escreveu o ministro.

O Conselho das Escolas Independentes (ISC, na sigla em inglês, entidade responsável pelas instituições privadas) reagiu à notícia em carta aberta à imprensa. "A informação de que escolas privadas estão se tornando academias é puramente especulativa e baseada em falsas premissas de recessão", atacou o diretor-executivo, David Lyscom. "As evidências coletadas pelo ISC até o momento indicam que os pais estão muito mais interessados em negociar mensalidades do que em retirar seus filhos das boas escolas em que eles estão."

Dados do próprio ISC sobre a crise econômica de 1991 apontam em outra direção. Entre 1991 e 1996, as escolas privadas perderam quase 12 mil alunos. Foram necessários outros dois anos para que o sistema recobrasse o fôlego para uma nova expansão em 1998, agora ameaçada. Atualmente, cerca de 600 mil estudantes britânicos, ou 7% do total de alunos em idade escolar, freqüentam escolas privadas.

"Tornar-se uma academia não é exatamente o movimento ideal para uma escola independente", acredita Anthony Seldon, professor-chefe da Wellington College, uma das mais tradicionais do Reino Unido. "O primeiro grande efeito dessa mudança é que as escolas privadas vão passar de um modelo de seleção de alunos para outro de universalização. A queda na qualidade dos estudantes pode fazer com que muitos pais decidam retirar seus filhos da instituição e muitos professores abandonem esses postos", disse. "Acredito que existam alternativas às escolas privadas antes de recorrerem ao governo para se tornarem academias. O modelo de academias ainda apresenta muitas falhas. Mesmo assim, ele me parece uma melhor opção do que simplesmente fechar as portas."

Autor

Fernanda Mena, de Londres


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