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Lentes divergentes

De um lado, representações sindicais de professores que se batem por um novo plano de carreira; de outro, a Secretaria de Educação, que defende valorização inicial e remuneração por desempenho. No cômputo final, quem perde é o aluno

Publicado em 10/09/2011

por Valéria Hartt

No mais rico estado brasileiro, a política do mérito serviu para colocar lenha no já aquecido debate entre gestores e a representação do professorado, que soma um longo repertório de críticas à gestão da educação. A Apeoesp, principal representação da categoria, reclama da política salarial e põe em xeque a estrutura da carreira.

 “No governo Covas, com a secretária Rose Neubauer, houve uma redução dos 35 níveis para os cinco atuais, o que praticamente eliminou a mobilidade. A carreira ficou fechada”, critica Carlos Ramiro, da Apeoesp.

Também sobram queixas à morosidade em reconhecer as promoções garantidas por lei. Um professor que conclui graduação chega a esperar de quatro a cinco anos pelo pagamento a mais, estima a Apeoesp.

Segundo a entidade, a situação no interior do estado é semelhante. Muitos municípios não têm plano de carreira ou não o aplicam, contrariamente às exigências legais. “Quando se compara o resultado do Saeb dos últimos 10 anos, a queda da qualidade no ensino municipal paulista é mais significativa que a queda na rede estadual. Conseguem ser piores que o Estado, que já é péssimo.” 

O governo se defende com números que mostram a diminuição do absenteísmo no magistério e credita a reação às resistências culturais.

“De maio para cá, o volume de faltas diminuiu entre 40% e 50%”, diz a secretária Maria Helena Guimarães de Castro, sem, no entanto, fornecer indicadores oficiais sobre o absenteísmo.

A secretária reconhece o atraso na política do magistério. “Não sei avaliar se o de São Paulo é um dos piores planos. Sei que as entidades têm críticas e até temos discutido uma nova proposta para a carreira. Queremos criar um grupo de trabalho para estudar uma revisão”, diz ela. A proposta, no entanto, não parece estar andando muito, pois a sinalização para a criação desse grupo já havia sido mencionada pela secretária em janeiro deste ano em entrevista à
revista Educação

.


Ingresso versus níveis

O gargalo, segundo a secretária Maria Helena, não é o achatamento da carreira, e sim o momento do ingresso. “Os melhores sistemas de ensino valorizam muito o ingresso, que é extremamente estimulante e competitivo”, diz. “É o caso da Finlândia, Nova York, Inglaterra. A mobilidade é pequena, mas a carreira é muito atraente no começo”, compara. Mesmo assim, a dirigente não aceita a afirmação de que o vencimento inicial em São Paulo é baixo. Diz que, comparado ao praticado no resto do país, não está disparatado. “Hoje, o professor em início de carreira recebe R$ 1.597 por 40 horas semanais. A hora-atividade é de 20%.”

Os números, na verdade, correspondem à remuneração, não ao salário inicial. Novamente, a secretária aponta uma visão divergente. “Sou contra distinguir”, diz, alegando que o que importa é o efetivamente ganho pelo docente. Porém, esse é um dos maiores motivos de embate com a categoria: a política salarial atrelada a gratificações.

 “Esse é o discurso do sindicato. Desde o ano passado, incorporamos duas gratificações, além de 5% de reajuste linear”, rebate.


Problemas de percurso


Instituído a partir do início deste ano, o novo plano para a educação paulista introduziu uma série de medidas que têm a finalidade de melhorar a qualidade da educação, entre elas a reforma curricular, a adoção de novos materiais didáticos e o aumento da equipe de coordenação pedagógica. Em meio à implantação das medidas, houve destaque para a premiação por desempenho, dada ao conjunto dos professores de cada unidade escolar que atingir objetivos pré-fixados.

Em meio a essa nova tônica, a secretária enfatiza que os incentivos estão presentes em experiências bem-sucedidas.

 “As carreiras de sistemas de ensino com muita qualidade reforçam os incentivos para quem está ingressando. Você diminui a distância entre aquele que entra e quem está às portas da aposentadoria”, sublinha. “Essa coisa de ter muitos degraus não é recomendada. Qualquer relatório da Unesco recomenda valorizar o ingresso e não o final. Essa visão da Apeoesp é muito corporativista e ultrapassada.”

Outro embate diz respeito à jornada definida pelo plano de carreira paulista. O que está em prática é uma jornada de 20 horas-aula, com 20% de hora-atividade, e outra de 25 horas-aula, com 5 horas-atividade. Fora isso, vale o conceito de jornada complementar, modulado a partir dessas duas arquiteturas. É um problema para a composição da carga horária.

“Dificulta”, admite Maria Helena. “Daí a proposta de criar a jornada de 40 horas, com dedicação exclusiva. Não será muito simples, porque 75% dos professores da rede têm duplo vínculo e não querem abrir mão disso.” Outra possibilidade é contemplar uma jornada menor, de 10 horas semanais, com a perspectiva de facilitar a composição da grade, especialmente nas disciplinas como física, química e biologia, que padecem da escassez de professores.  Por ora, uma idéia que nem chegou ao papel. “Ainda estamos discutindo o desenho de uma comissão de carreira, que, em geral, leva, no mínimo um ano”, projeta.

O que é difícil compreender é como a maior rede pública de ensino da América Latina ficou tanto tempo sem reformas de fôlego para a carreira do magistério. Nem mesmo o ingresso por concurso público tem sido cumprido à risca. Basta dizer que a rede ainda mantém 100 mil professores temporários e mais 20 mil professores eventuais. São 120 mil os que ingressaram por concurso.

“O problema é de escala”, justifica Maria Helena. “Temos uma rede com 240 mil professores e qualquer mudança que se faça tem grandes desdobramentos.” Com o mesmo raciocínio, considera complexa a transição da carreira atual para um modelo futuro. Mas considera difícil ir mudando a carreira por meio de reformas mais pontuais.

 “Não dá. Toda discussão de carreira é politicamente difícil e cria um ambiente de tensão”, sustenta. Talvez seja essa a lógica que tenha levado o governo paulista a ficar mais de uma década sem mudanças estruturais. “Na França, eles têm planos de 30 anos e ninguém mexe”, diz a secretária de Educação.

Autor

Valéria Hartt


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