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Mudança de mentalidade

Novo Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos busca mudar paradigma das relações de ensino e aprendizagem por meio da compreensão e do respeito à diversidade

Publicado em 10/09/2011

por Marta Avancini


O debate sobre as desigualdades e as exclusões que caracterizam o Brasil e a necessidade de superá-las está na ordem do dia. Lançado no final de 2006, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos é a aposta de que esse cenário possa modificar-se a partir de ações conjugadas. Resultado de três anos de trabalho do governo federal e de entidades da sociedade civil, o Plano é um documento norteador para a implementação de uma política pública no campo dos direitos humanos.


Organizado em cinco eixos, contém concepções, princípios, diretrizes e ações programáticas com o objetivo de difundir os direitos humanos nos âmbitos da educação básica, educação superior, educação não-formal, educação dos profissionais dos sistemas de justiça e segurança e, finalmente, educação e mídia. "Trata-se de uma iniciativa ampla, que envolve tanto a educação formal como a não-formal", comenta Aída Monteiro, coordenadora do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos.


Apesar de relevante, sozinho o Plano pouco pode fazer para estimular o debate e, mais do que isso, incorporar a cultura de respeito aos direitos humanos ao cotidiano dos brasileiros. Por isso, está articulado a um conjunto de ações que têm o objetivo de colocá-lo em prática, num processo em que as escolas e os professores de educação básica desempenharão um papel central.



Ação-chave: capacitar os docentes


Em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, o MEC lançou também o Programa Educação em Direitos Humanos. Seu marco inicial foi a publicação de um edital por meio do qual foram selecionadas 14 universidades públicas que desenvolverão projetos em duas linhas: estruturação e fortalecimento de comitês estaduais de educação em direitos humanos e desenvolvimento de ações de formação de professores nessa área. 


"O Comitê produz um campo de construção política, no sentido mais puro da palavra, para que essa mudança de ambiente seja consistente. Ao mesmo tempo, é preciso formar professores", pontua o economista Ricardo Henriques, titular da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.
 
Uma das finalidades dos comitês é levantar e registrar experiências bem-sucedidas em educação para os direitos humanos a fim de que elas sejam multiplicadas. "Há boas experiências no Brasil como um todo, envolvendo educação integral, formação de professores e formas de gestão. Se documentarmos com mais rapidez aquelas que obtiveram êxito, será possível acelerar esse processo", aposta o secretário.


A formação de professores é peça-chave no processo. Segundo a coordenadora do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, Aída Monteiro, a capacitação dos docentes, especialmente aqueles que atuam na educação básica, é fundamental para que se possa avançar, pois eles são responsáveis pela formação de crianças e jovens, o que potencializará a incorporação de uma cultura ligada a esses valores em escala maior do que a atual.


Mas é fundamental levar em conta o tipo de formação a ser ministrada: não basta que os docentes dominem o conteúdo das leis e normativas internacionais, é imprescindível que os princípios dos direitos humanos sejam incorporados à prática pedagógica e à sua vivência como cidadãos. "Educação em direitos humanos não é difusão de informações. É formar para um certo modo de vida e de conduta pautada por valores éticos", sintetiza o professor de Filosofia da Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), José Sérgio Carvalho, que coordena um projeto voltado à formação de docentes sobre o tema.
 
Ricardo Henriques ressalta que a educação nessa matéria implica, necessariamente, associar os conteúdos à prática: "É importante que o professor conheça a segunda geração dos direitos humanos, mas isso não basta. Na prática, é preciso exercitar a tolerância, o respeito, a capacidade de dar voz ao outro. O processo da pedagogia dos direitos humanos é constitutivo da sua lógica".


Por esse motivo, a formação de professores buscará ir além da mera inclusão da disciplina no currículo dos cursos de graduação ou da oferta de capacitações e oficinas. Trata-se de construir uma nova cultura e uma nova pedagogia, inclusive no âmbito das escolas. Pouco adiantaria, avaliam os educadores, uma determinação legal tornando compulsória a oferta de formação na área ou a distribuição de cartilhas sobre o tema. "É desperdício de dinheiro público", pontua o professor Carvalho.
 
O percurso de criação de ambiente propício à difusão dos direitos humanos e à formação docente, contudo, envolve mudanças culturais. Em primeiro lugar, porque a idéia de que as relações sociais devem ser pautadas por um arcabouço de direitos políticos e sociais é relativamente nova no Brasil, como lembra a presidente do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos.


Segundo, porque é preciso assegurar aos docentes uma formação que lhes possibilite aplicar, no cotidiano da sala de aula, os princípios relativos ao tema. Mas nem a formação dos professores nos moldes atuais, nem a escola, tal como está estruturada, possibilitam isso. "A formação não mune os professores com técnicas que vão para além de suas funções disciplinares", enfatiza o secretário Henriques.


Para modificar esse cenário, o Comitê pretende articular com o Conselho Nacional de Educação (CNE) a construção de diretrizes curriculares para a educação de direitos humanos no nível do ensino superior, a fim de que a matéria seja incorporada à formação inicial do docente. Paralelamente, buscará desenvolver materiais didáticos que dêem suporte ao trabalho do professor, articulando os conteúdos de direitos humanos com o currículo, sem transformá-lo em mais uma disciplina.



Revendo paradigmas e modelos


A ênfase na incorporação da educação em direitos humanos está ligada a objetivos maiores. No plano mais geral, é considerada uma ferramenta essencial no processo de construção da cidadania ativa e, conseqüentemente, de bases democráticas mais sólidas. "Não basta conhecer a lei, é preciso que as pessoas conheçam seus direitos, deveres e saibam reivindicá-los. Esse é o grande desafio para uma revolução cultural neste país", afirma Aída Monteiro.


No plano do sistema educacional, trata-se de um instrumento central na construção de um novo modelo de escola pautado pelo respeito à diversidade.  "Permite estabelecer, nos campos de aprendizagem da escola, elementos que dialoguem com essa questão. As múltiplas dimensões da diversidade – étnico-racial, de gênero, religiosa, sexual, cultural, ambiental, regional – são  constitutivas da agenda dos direitos humanos", diz Henriques.


Na medida em que exista a perspectiva de os direitos humanos se consolidarem como referência pedagógica no processo de ensino e aprendizagem, a diversidade passará a dar o tom das relações entre docentes e alunos. As diferenças e a multiplicidade de valores e referências culturais passam a ser encaradas como algo positivo, acredita o secretário.


"A questão da alteridade é a variável-chave no sistema de aprendizagem de hoje. Nesse processo, pode-se gerar um contágio positivo das práticas pedagógicas cotidianas, em que a escola reconhece e valoriza os saberes locais." Isso é importante para que se estabeleça, segundo Henriques, um espaço de interlocução entre professores e alunos no âmbito da sala de aula. "O campo real de aprendizagem está fragilizado, porque a escola não interage, não estabelece relação de troca, não traz aquilo que é do cotidiano desses meninos e meninas para o ambiente escolar."


A aposta é que essa realidade se altere na medida em que os direitos humanos passem a nortear as práticas pedagógicas. Isso pode provocar, como explica o secretário Henriques, um "salto de qualidade" na educação brasileira. Ele seria fruto do casamento entre os conteúdos das disciplinas e o sentido do que se ensina aos alunos na escola.


A questão remete a um problema estrutural da sociedade brasileira: a superação das desigualdades. Afinal, se o que se ensina na escola faz sentido para alunos, e se os conteúdos são incorporados às suas vidas, a educação poderá cumprir um papel relevante na construção de uma sociedade mais justa.


"O que queremos nesse caminho é mudar práticas institucionais. E isso tem que ver com uma inflexão de paradigmas na direção que interessa: reduzir desigualdades", resume Henriques. Para tanto, é preciso ir além da agenda tradicional, universalista, que prevê o acesso de todos aos direitos fundamentais – como, por exemplo, a educação. "É preciso incorporar questões do âmbito intercultural, da diversidade", complementa.

 



UM PERCURSO COMPLEXO

A experiência de José Sérgio Carvalho ( foto), professor de Filosofia da Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), revela que a formação de docentes em direitos humanos é complexa e demorada. Há cinco anos, ele coordena um programa de formação continuada, voltado para docentes da rede pública. A experiência concreta de colocar o programa em prática levou a uma série de mudanças ao longo do tempo. Por exemplo: inicialmente, o programa consistia em um curso aberto a todos os interessados. Hoje, o foco são as equipes das escolas.


"Percebemos que era importante atrair mais de um profissional dos estabelecimentos de ensino porque a intenção não é aprimorar a formação intelectual do professor, mas gerar uma mudança na cultura escolar", explica Carvalho. Por isso, a adesão ao programa é voluntária, pois para que a mudança ocorra é preciso que exista uma predisposição dos educadores.


Além disso, é fundamental que os conteúdos sejam efetivamente incorporados à vida e à prática profissional. "Os direitos
humanos não podem ser uma cereja do bolo", comenta Carvalho.


A metodologia do curso baseia-se em vários tipos de estratégias: são realizadas palestras, atividades culturais e grupos de estudo nos estabelecimentos de ensino e de planejamento de atividades nas escolas.


O objetivo é aliar a transmissão de conteúdos a ações efetivas. Atualmente, o programa está sendo realizado em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Embu e envolve 150 professores de 15 estabelecimentos de ensino.

 



LIBERDADE, IGUALDADE, FRATERNIDADE

As três gerações dos Direitos Humanos


– PRIMEIRA GERAÇÃO
Direitos civis e políticos, compreendem as liberdades clássicas.
Realçam o princípio da liberdade.
– SEGUNDA GERAÇÃO
Direitos econômicos, sociais e culturais.
Dizem respeito às liberdades positivas, reais ou concretas.
Acentuam o princípio da igualdade.
– TERCEIRA GERAÇÃO
Direito ao meio ambiente equilibrado, qualidade de vida, progresso, paz, autodeterminação dos povos e outros direitos difusos. Titularidade coletiva.
Consagram o princípio da fraternidade.



Fonte: Anistia Internacional


 

Autor

Marta Avancini


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