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O amor não é uma pedagogia

A ideologia moderna afirma que basta amar nossos filhos para educá-los bem. Terapeuta familiar francesa mostra que é melhor desfazer-se dessa perigosa ilusão, na escola e em casa

Publicado em 10/09/2011

por Ensino Superior

Eu te amo: esta bela declaração parece ter assumido o caráter de regra e está prestes a se transformar em pedra filosofal da nova educação. É o que constata a terapeuta familiar francesa Caroline Thompson num livro esclarecedor sobre o novo dom afetivo da transmissão.

"Para educar bem os filhos, basta amá-los, eis a idéia atual", escreve ela em La violence de l’amour (A violência do amor, na tradução literal para o português, editado pela Hachette Littératures, 231 páginas, 18 euros). De fato, quem já não assistiu ao ritual familiar da criança posta no centro da conversa ou da sala, objeto de todas as solicitações, de todas as atenções e cujos mínimos feitos e gestos são pontuados pelos adoráveis e insuportáveis "que gracinha que ele/ela é"? Quem não viu um ou outro pai afirmar a seu filho que o amava mesmo depois de tê-lo recriminado ou levemente repreendido? Que professor não terá ouvido um "na verdade, você não gosta de mim!", ao restituir a um aluno um dever de casa malfeito?

Essas falácias chegam a desenhar os traços de uma psicopatologia social. "Difícil punir um pequeno se você teme que ele deixe de gostar de você. Impossível se tornar autônomo na adolescência sentindo que papai e mamãe precisam de você. Assim, no ambiente familiar, onde antes a autoridade tinha um papel importante, hoje é o sentimento que organiza a relação. A lei foi suplantada pelo amor", prossegue Caroline Thompson.

A ponto de o amor ter se tornado uma nova "ideologia". Seu discurso contundente não é uma aferição. Como terapeuta familiar, Caroline Thompson observou em seu consultório os efeitos dessa revolução sentimental. "As numerosas patologias da separação que se exprimem do lado da criança são muitas vezes a expressão da dificuldade dos pais em deixar sua progenitura partir. Por trás de uma criança que tem dificuldades em se tornar independente freqüentemente há pais com dificuldades em libertá-la", explica ela.

A dependência dos pais com re­lação aos filhos pareceu-lhe um "fe­nômeno preocupante", daí ter feito sua genealogia. Dos gregos à civiliza­ção cristã, do nascimento do amor materno no século 18 à liberação das crianças no século 20, "do moleque ao principezinho", Caroline Thompson pesquisou, mergulhando na obra dos melhores especialistas, os fermentos dessa nova ideologia. Com o advento da individuação, afirma ela que "o amor se tornou então, pouco a pouco, o fundamento da família". No entanto, a autora não julga e se atém mais em descrever do que denegrir. Mesmo que ela se insira, falsamente, entre "todos aqueles que anunciam a morte da família". Pelo contrário, ela vai bem – escreve – mas mudou de figura. "Hoje, o chefe da família é justamente a criança." Ela se lembra de todos os pacientes divorciados que pedem "o aval do pequeno" para saber se podem refazer suas vidas. Ou ainda de uma paciente que lhe contou que havia deixado o marido para "pôr fim a uma situação que era prejudicial a seus filhos: não era bom para eles que fossem testemunhas daquela união sem paixão".


Confusão de sentimentos

Pois a centralidade da criança e a impregnação do amor filial fabricam muitas prisões douradas onde se desenvolvem as novas comédias ou tragédias domésticas e pedagógicas. Porque a escola é totalmente afetada por essa "confusão de sentimentos". Assim, "os pais parecem ter dificuldade em conceder a uma terceira pessoa o direito de vigiar (ou de julgar) seus filhos", revela Caroline. Ou, como acontece, eles delegam completamente a educação aos professores (autoridade, estabelecimento dos limites etc.), ou procuram subtrair sua cria às leis que julgam perseguidoras na instituição escolar (fazem-no especialmente apelando ao recurso do ensino particular, supostamente mais adaptado aos costumes de sua "tribo").

A emancipação das crianças de­sencadeou assim uma crise maior na transmissão de conhecimentos. A ponto de um dos papéis essenciais dos professores ser o de "propiciar que a criança aprenda uma relação que não seja fundada no amor, mas principalmente nesse processo de transmissão". Do lado dos pais, o de­senvolvimento educacional está obstruído pela vontade de preservar o livre-arbítrio da criança, que deve deixá-la fazer suas escolhas sozinha. E nisso a precocidade preocupa. Caroline Thompson se lembra de pais que foram consultá-la porque sua filha de seis anos choramingava e não conseguia decidir entre o sorvete de baunilha ou o de chocolate quando ia ao parque ou ao cinema. "Mas por que lhe dar a escolha?", perguntou a terapeuta aos pais, que nem mesmo imaginaram impor sua vontade à me­nina tão torturada e angustiada à simples idéia de tomar decisões a toda hora.

Mas esse excesso de amor esconde uma realidade menos cor-de-rosa, uma parte de sombra que contrasta com o conto de fadas da vida de Disneylândia. Atrás do "mito da criança perfeita" perfila-se a realidade da "criança roubada"; atrás da "gracinha de algumas manifestações de afeto", abrigam-se muitos fantasmas destrutivos sufocados. Como o caso de uma mãe que foi consultá-la porque sentia "vontades irreprimíveis de machucar seu filho". Isso posto, Caroline Thompson parece tolerar mal a nova "paixão pedófila", a era da suspeita generalizada dessa "vigilância digna de tribunal de Torquemada [Tomás de Torquemada, 1420-1498, o grande inquisidor espanhol] que nos leva a sexualizar o que não é sexualizado". Num gesto bem raro para uma psicóloga dos dias de hoje, Caroline Thompson não separa o íntimo do coletivo, mas não deixa de articular indivíduo e sociedade. Freud e seus discípulos, claro, haviam desmascarado o mal-estar da civilização ligando a psique à coletividade. Mas a moda de psicologismo seguia a tendência de acompanhar o movimento geral de reserva na esfera privada.

Sua formação em terapia familiar sistêmica – que supõe que um sintoma não pertence a um sujeito atingido, mas ao sistema social ou familiar em que está – permite-lhe passar facilmente de um ao outro. Para essa freudiana que estudou psicopatologia e psicanálise com Pierre Fédida (1934-2002, psicanalista que teve grande influência da fenomenologia), a conclusão é, no entanto, kantiana (Immanuel Kant, 1724-1804, filósofo alemão): "o amor não é uma ordem, mas um ideal".

Quais riscos essa "violência do amor" traz? Indivíduos "fragilizados" e uma sociedade cada vez mais "fragmentada", composta de átomos narcisistas e pouco autônomos, explica Caroline Thompson, que deverá dedicar-se em breve aos efeitos da "nova família" sobre a educação, no contexto do Conselho de Análise da Sociedade, esse think and tank da República, presidido pelo filósofo e educador francês Luc Ferry. A estudiosa tem assento no Conselho, do qual participa mensalmente.

O leitor pressente que as partes desse primeiro livro maduro esboçam pistas a serem exploradas. Ainda mais que família, para ela, é um negócio de… família. Neta de Gérard Oury e filha da cineasta Danièle Thompson, cujos filmes põem em cena famílias refeitas em segundas núpcias, a psicanalista gosta de especular diferentes registros. Criada num mundo de luzes e grandes andanças, Caroline Thompson não teve megalomania e escolheu explorar a parte imersa da psique. Para maior prazer do leitor.

(Tradução: Mônica Cristina Corrêa)

Autor

Ensino Superior


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