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O distrito que lê

Com uma variável simples, mas ausente em muitas cidades - o bibliotecário -, o distrito de São Francisco Xavier atrai sua população para o universo da literatura

Publicado em 10/09/2011

por Vinícius Novaes


O bibliotecário Sidnei Rosa: pequena revolução com medidas simples e constantes. (Foto: Gabriel Novaes)

Quem visita o distrito de São Francisco Xavier, pertencente ao município de São José dos Campos (SP), e próximo ao badalado centro turístico de Campos de Jordão, tem um motivo a mais para simpatizar com a pequena localidade, além do fato de poder transitar por ruas menos apinhadas e barulhentas que as do vizinho ilustre.

Na avenida 15 de Novembro, a principal, uma porta envidraçada revela um patrimônio incomum entre as pequenas cidades da Serra da Mantiqueira: um acervo de 13 mil livros, distribuídos em prateleiras, que formam corredores que desembocam numa pequena área ao ar livre.

A Biblioteca Solidária de São Francisco Xavier é, também, um sucesso de público – e de empréstimo de títulos, sua grande finalidade. Por mês, são efetivados cerca de 800 empréstimos. De fevereiro de 2004 a março deste ano foram 26.614 empréstimos. O distrito tem cerca de 2,8 mil moradores.

A história desse inusual polo literário começou há  mais de 15 anos, com alguns poucos livros amontoados na antiga cadeia do distrito. As crianças, usuárias do acervo para trabalhos escolares, tinham de passar pelo prédio da cadeia desativada para utilizá-lo. Isso começou a mudar em 2004, quando Sidnei Rosa, hoje com 40 anos, voltou à localidade onde nasceu depois de formar-se em biblioteconomia na Universidade Estadual de Londrina, no Paraná. Ao retornar, Rosa tinha em mente transformar São Francisco Xavier em um lugar de leitores.

“As crianças não tinham acesso, de forma decente, aos livros. E eu, como profissional, precisava fazer algo para mudar esse quadro”,  diz o bibliotecário. 

Enquanto procurava um lugar para a biblioteca, Rosa conseguiu que os pais cedessem a garagem da casa onde moravam e começou a melhorar o acervo com doações de pessoas próximas. O fato de o distrito ser um ponto turístico que atrai visitantes da região e de São Paulo ajudou. Quase a totalidade das doações foi feita por turistas que costumam frequentar São Francisco. Entre os títulos, algumas raridades, como a primeira edição de
Pauliceia desvairada

, de Mário de Andrade, datada de 1922.

A principal estratégia empregada por Rosa para estimular os empréstimos é o diálogo com os frequentadores e o boca a boca cidade afora. “Costumo perguntar a cada leitor o que achou do livro, se não quer pegar emprestado outro título daquele mesmo autor, ou de assunto ou gênero parecido. É uma boa forma de fazer a pessoa não parar de ler”, conta. 

A Biblioteca Solidária está bem à frente das bibliotecas das outras três cidades da região da Serra da Mantiqueira – Monteiro Lobato, Santo Antônio do Pinhal e São Bento do Sapucaí. Localizada a cerca de 50 quilômetros de São Francisco Xavier, a cidade de Monteiro Lobato tem 3.994 habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Local de uma das moradias do escritor que lhe deu nome, o município não transformou o interesse pela obra do criador das
Reinações de Narizinho

em hábito de leitura para seus moradores. A Biblioteca Municipal Ângelo Generoso Auricchio, inaugurada em 1996, tem um acervo de 10 mil livros,  entre eles
Urupês

e
Cidades mortas

, obras de Lobato. Mas o número e a frequência dos usuários são bem menores que os de São Francisco Xavier. De acordo com a auxiliar de biblioteca Yume Sakaki, são feitos cerca de 300 empréstimos por mês. O distrito também tem uma melhor relação de livros por habitante, 4,3 contra 2,5. 

“As crianças são as que mais vêm à biblioteca, geralmente em época de provas na escola. Hoje em dia, todo mundo tem acesso à internet, o que tirou bastante o gosto das pessoas, e principalmente das crianças, em passar horas e horas lendo nas bibliotecas, como era o hábito antigamente”, garante.

Mas Yume aponta um outro problema, de ordem estrutural, que é comum a muitas bibliotecas brasileiras, especialmente escolares: a não informatização para catalogação do acervo.


Santo Antônio do Pinhal


Já Santo Antônio do Pinhal, localizada às margens da rodovia Floriano Rodrigues Pinheiro, que liga a região do Vale do Paraíba a Campos do Jordão, tem 6.560 habitantes e possui uma biblioteca com boa estrutura física.

A Biblioteca Municipal Monteiro Lobato guarda 7.751 livros. Entretanto, não existe nenhum tipo de trabalho de incentivo à leitura. O resultado é o baixo interesse da população pelo livro. De janeiro a março deste ano foram emprestados apenas 139 livros.

A professora de educação infantil e responsável pela biblioteca do município, Silvia Helena de Carvalho, considera o número bom, para o que julga ser o padrão atual de leitura.

Muitos livros que estão no acervo chegam por meio da Secretaria Municipal de Educação, órgão ao qual está ligada. Outra parcela é fruto de doações, muitas delas feitas por turistas, como em São Francisco. A relação livro/habitantes em Santo Antônio do Pinhal também é baixa: apenas 1,1 livro por pessoa – o menor índice da região.

Na vizinha São Bento do Sapucaí, a situação é melhor. O acervo gira em torno de 18 mil livros e a relação livro por habitante é de 1,7 livro por pessoa. O número de empréstimos é o que mais se aproxima do da Biblioteca Solidária: 350 empréstimos por mês. “Temos uma clientela adulta fiel”, diz Maria de Fátima Silva, escriturária que atua como bibliotecária.

Se os adultos são mais fiéis, as crianças frequentam a biblioteca em maior número. Sua presença, porém, está sujeita à “safra de provas”.  “Tanto é assim que, durante o período de férias escolares, o número de empréstimos cai bastante”, lamenta Maria de Fátima.

O diferencial

O volume de empréstimos de livros feitos na Biblioteca Solidária de São Francisco Xavier é um dado fora da curva em instituições similares e que, portanto, chama a atenção de forma positiva. Quem opina é Vera Lúcia Batalha Renda, professora do curso de Letras da Universidade de Taubaté.

Segundo a doutora em Estudos Comparados de Literatura em Língua Portuguesa pela USP, a média de 800 empréstimos mensais é um índice do bom trabalho de promoção de leitura feito na localidade.

“No Brasil, lê-se muito pouco e quando vemos um exemplo vindo de um distrito como o de São Francisco, com um hábito de leitura é tão alto, é animador”, diz.

A especialista atribui os índices à existência de um bibliotecário especializado. De todas as bibliotecas da região, é a única que conta com um profissional com formação específica. “É perceptível a influência do bibliotecário. Ele influencia as pessoas a ler mais. Rosa cumpre bem a sua função, que é a de conversar com o leitor, perguntar o que achou de tal livro, e o principal, indicar novas obras para os frequentadores”, diz Vera Batalha.

Além da atenção ao leitor, traduzida pelo contato e pelas sugestões de leitura, a Biblioteca Solidária de São Francisco Xavier tem outros projetos de incentivo à leitura, também pautados pela simplicidade e por essa relação de proximidade. Um dos de maior repercussão é o que promove encontros com os escritores da região do Vale do Paraíba e Serra da Mantiqueira. “O contato com o autor desconstrói aquela imagem de que quem escreve uma história é um iluminado. As pessoas percebem que o escritor é alguém que escreve também com muita transpiração, e não só com a inspiração”, afirma a especialista.

Autor

Vinícius Novaes


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