NOTÍCIA

Edição 217

O problema é ficar

Educadores da área de cursos técnicos registram evasão elevada na modalidade e culpam a estrutura pedagógica das aulas para a ascensão dos índices de desistência

Publicado em 12/05/2015

por Ensino Superior

© Gustavo Morita
Alunos da Etesp: para especialistas, o currículo desatualizado dos cursos é um dos motivos para a falta de interesse dos alunos

Sob a perspectiva do número das matrículas pode até parecer que a educação profissional segue em voo de cruzeiro no Brasil. Nos últimos dez anos, o número de alunos matriculados na modalidade cresceu 83%, conforme dados da Pnad. Há filas para acesso a muitas escolas técnicas de ensino médio e cursos superiores tecnológicos. Economicamente, o país precisa da formação nesse nível para qualificar seu mercado de trabalho. Mas é preciso um olhar mais cuidadoso. O crescimento oculta um problema que se agrava: a alta evasão nesses cursos, que não tem sido captada pelas estatísticas oficiais.

“Não basta saber quantos alunos entram; precisamos garantir que todos saiam”, defende José Carlos Mendes Manzano, há 12 anos auditor educacional do Departamento Regional do Senai de São Paulo. É função de Manzano visitar todas as unidades do Senai para verificar, entre outros fatores, a evasão e suas razões.

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Segundo ele, o problema preocupa. Há cursos que registram até 40% de evasão – o que é tanto mais grave quando se trata de escolas gratuitas de reconhecida qualidade e com fila de acesso. “Uma escola pode ter dez candidatos por vaga e formar apenas metade dos alunos que entram”, complementa Fernando Leme do Prado, doutor em Educação e ex-presidente da Associação Nacional da Educação Tecnológica.

Cenário semelhante tem ocorrido nos cursos de ensino superior, que formam tecnólogos. Neste caso, diz a coordenadora de Educação do Senac São Paulo, Ana Luiza Kuller, as informações oficiais mais recentes mostram que a evasão oscila em torno de 13%, mas há relatos de evasão de até 60% nas instituições que aderem ao Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), programa federal que estimula a oferta de vagas na modalidade no ensino privado.

Demanda do mercado

O tema é de central importância no Brasil. A Educação Tecnológica engloba a formação de mão de obra qualificada para o mercado de trabalho por meio de três modalidades: os cursos livres de qualificação profissional, ou seja, que preparam para o trabalho, mas não ampliam a escolaridade (como um curso de informática ou costura); os cursos técnicos de nível médio; e os cursos superiores de graduação tecnológica, os chamados tecnólogos.

Em um cenário onde o país tem um grande contingente de jovens, em que o ensino médio vive uma crise, e a demanda por qualificação é crescente, a educação profissional poderia se tornar, a exemplo do que ocorre em outros países, uma alternativa viável para a população. É o que entende o recém-aprovado Plano Nacional da Educação (PNE), que estabelece com uma de suas metas um salto ousado no campo do ensino técnico para os próximos dez anos. A Meta 11 pretende “triplicar as matrículas da Educação Profissional Técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% da expansão no segmento público”, diz o texto.

Nesse sentido, o ensino técnico já vem registrando um crescimento expressivo. Segundo dados mais recentes do Censo Escolar, entre 2011 e 2013, quase 200 mil novos alunos escolheram o ensino técnico como projeto de futuro. Uma parcela importante é composta pelos emergentes da chamada Nova Classe Média. A oferta é puxada pelo crescimento da rede federal, que chegou a mais de 500 escolas, e pelo investimento federal (que inclui a rede privada), por meio do Pronatec. A previsão de gastos do governo com o programa chegava a R$ 6 bilhões, entre 2011 e 2014.

O paradoxo aumenta quando se sabe do interesse do mercado pelos profissionais do ensino técnico. Uma pesquisa da Fundação Dom Cabral com 130 empresas de grande porte mostrou que as maiores dificuldades de encontrar mão de obra se encontram nas profissões de nível técnico. “Os índices de empregabilidade são altíssimos. Mais de 90% dos egressos estão empregados”, diz Décio Moreira, presidente da Associação Brasileira de Educação Tecnológica.

Falta de dados

Mas, se há interesse crescente por esses cursos e o mercado precisa desses profissionais, quais são as razões para a desistência dos alunos? O tema preocupa as entidades que representam o setor e os pesquisadores da área, o que motivou uma das mesas de discussão no Congresso de Gestão promovido em março pela consultoria Humus, com apoio da revista Educação.

Como a evasão embute o componente da inadimplência, pode parecer que é a falta de recursos para pagar a mensalidade a causa da fuga de alunos. Mas as pesquisas vêm demonstrando que não é o dinheiro que afasta os alunos da escola. “Tudo indica que a inadimplência é secundária como causa”, afirma Prado. Por isso, as instituições se debruçam agora sobre as reais motivações dos alunos para abandonar seus cursos – e as explicações passam pelo domínio da pedagogia e da gestão escolar.

Não há explicações simples. Para Ana Luiza Kuller, do Senac, a questão é desafiadora pelo tamanho do problema e, em especial, pela falta de informações sistematizadas.

Uma auditoria da Controladoria Geral da União, realizada em 2014, acusou a deficiência no controle dos sistemas do Pronatec, que não diferenciavam claramente alunos com matrículas ativas e desistentes. Além disso, o Ministério da Educação não vem publicando dados de repetência e reprovação segmentados para a educação profissional.

Na falta de levantamentos mais sistemáticos, os estudiosos da área reúnem indicadores e procuram estudar as causas do problema. As pesquisas existentes apontam diferentes grupos de causa, associados a fatores individuais e familiares, à instituição educacional e a fatores externos, como desemprego e mercado de trabalho. Um dos fatores externos mais apontados é a dificuldade de conciliar trabalho e estudo. “Não se consegue olhar o problema a partir de uma única lente”, acredita Ana Luiza Kuller.

Mas embora as causas externas tenham peso, os educadores estão convictos de que a solução do problema passa pela escola e está ligada ao divórcio entre quem ensina e aquele que precisa aprender. “Não importa a causa, a responsabilidade é sempre da escola”, acredita o auditor Manzano.

Para ele, mesmo os levantamentos feitos pelas próprias instituições, quando os alunos decidem cancelar suas matrículas, não são confiáveis porque há o constrangimento dos alunos em apontar as verdadeiras causas da decisão. “Na maior parte das vezes, o aluno está mentindo, porque a autoestima dele fica afetada. Não reconhece nem para si mesmo que a verdadeira causa é que não está entendendo nada do que vê nas aulas”, acredita.

Para Manzano, índices toleráveis de evasão não devem exceder a 4% ou 5% dos que se matriculam. “Quando começa a haver desequilíbrio, sempre podemos encontrar causas na ação escolar”, acredita. E quais são essas causas? No que compete ao domínio da escola, podem ser citados currículos desatualizados, falta de informações sobre a carreira profissional, inexistência de políticas para prevenir o abandono, falta de estrutura física da instituição e de ações de reforço de aprendizagem para o aluno.

Para Ana Kuller, nesse ponto, o ensino profissional encontra uma dificuldade adicional no perfil dos professores, que chegam ao mercado de trabalho sem o necessário conhecimento pedagógico. Com uma didática falha e sem conhecer o universo dos jovens, esse professor acaba por aprofundar as defasagens na aprendizagem e desencorajar os alunos, que, para completar, chegam com deficiências trazidas da Educação Básica. “Esse é o grande problema de fundo”, aposta Fernando Leme do Prado.

Para ele, as dificuldades encontradas atualmente pela educação profissional se devem principalmente a alunos que chegam mal alfabetizados e sem os alicerces para avançar nos estudos. “Esta situação só mudará totalmente quando a escola básica for melhor”, sentencia.

Mas Prado não defende a imobilidade. Na sua visão, está na hora de as escolas investirem no que chama de metodologias de ensino ativas, que não focam os conteúdos, mas a aprendizagem dos alunos, organizando a aprendizagem em torno de projetos, pesquisa e com novas práticas de avaliação.

Vínculos com os alunos

Para Carlos Artexes, ex-coordenador de Ensino Médio e de Currículo do Ministério da Educação e atualmente professor do curso de eletrônica do Centro Federal Tecnológico do Rio de Janeiro, o desafio principal do ensino técnico é a distância entre a teoria e a prática. “Ou se fica preso na prática cotidiana de apertar parafusos, ou se apresenta uma teoria distante do mundo real”, analisa. “A teoria que existe por trás de uma televisão é muito complexa e bonita, mas é preciso transpor isso para a realidade, pois o aluno precisará atuar de forma competente no mundo do trabalho”, exemplifica.

Outro dilema, na visão dele, é a distância entre professor e aluno, geralmente jovem. Para ele, os professores precisam construir vínculos com os alunos, inclusive para entender melhor suas expectativas. Há muitos alunos que procuram cursos técnicos, por exemplo, mas não querem atuar como técnicos. “Logo, o aluno tem dificuldade de entender e de se encaixar nesse mundo”, argumenta. Portanto, diz, há um aspecto educativo global que precisa ser valorizado na educação profissional. “Não há ensino técnico bom sem que haja consistência global da educação ofertada.”

 Lição de casa
Se as instituições de ensino médio e superior que oferecem educação tecnológica não podem interferir nos fatores externos, podem promover mudanças internas que pelo menos atenuam o problema da evasão na modalidade. A coordenadora de Educação do Senac São Paulo, Ana Luiza Kuller, reuniu 12 práticas de sucesso que podem ser adotadas pelas escolas.

1.  Liderança administrativa eficiente;

2. Práticas de ensino e aprendizagem eficazes;

3.  Programas de prevenção do abandono escolar;

4.  Disponibilização de informações sobre o curso;

5.  Acolhimento do aluno e orientação socioprofissional;

6.  Acompanhamento pedagógico sistemático do estudante;

7.  Formação pedagógica contínua de docentes;

8.  Desenvolvimento de ações de assistência social;

9.  Monitorias e tutorias;

10.  Desenvolvimento de atividades artísticas culturais, desportivas e acadêmico-científicas;

11.  Acompanhamento de egressos e retroalimentação curricular;

12.  Estabelecimento de canal de comunicação constante com os alunos.

Autor

Ensino Superior


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