NOTÍCIA

Edição 237

O que é sinestesia

Figura de linguagem reúne palavras de planos sensoriais diferentes, como em “voz macia”

Publicado em 15/03/2017

por José Luiz Fiorin

the perfect christmas mix of baubles

sinestesiaO poema Recordação, de Cecília Meireles, começa com os seguintes versos: Agora o cheiro áspero das flores/leva-me os olhos por dentro de suas pétalas. Nele, a poeta junta vocábulos que remetem a duas ordens sensoriais distintas: cheiro (olfato) e áspero (tato).

Trata-se da figura denominada “sinestesia” (do grego syn, que significa “reunião”, “junção”, “ao mesmo tempo” e esthesia, “sensação”, “percepção”), que é reunião de termos pertencentes a planos sensoriais diversos: por exemplo, palavras referentes à audição e ao tato, ao olfato e ao paladar, etc.

No capítulo C de Dom Casmurro, de Machado de Assis, há o seguinte passo: No quarto, desfazendo a mala e tirando a carta de bacharel de dentro da lata, ia pensando na felicidade e na glória. Via o casamento e a carreira ilustre, enquanto José Dias me ajudava, calado e zeloso. Uma fada invisível desceu ali e me disse em voz igualmente macia e cálida: “Tu serás feliz, Bentinho; tu vais ser feliz.”.

Nele, aparece o substantivo “voz”, que é da ordem sensorial da audição, determinado pelos adjetivos “macia” e “cálida”, que pertencem ao domínio sensório tátil. No capítulo LXIII de Memórias póstumas de Brás Cubas, aparece “luz” (visão) “úmida” (tato): Virgília amava-me com fúria; aquela resposta era a verdade patente. Com os braços ao meu pescoço, calada, respirando muito, deixou-se ficar a olhar para mim, com os seus grandes e belos olhos, que davam uma sensação singular de luz úmida; eu deixei-me estar a vê-los, a namorar-lhe a boca, fresca como a madrugada, e insaciável como a morte.

Mistura

A sinestesia é uma figura da mistura, em que se expande o significado de um termo que indica uma sensação ao ser combinado com outro de ordem sensorial diversa, para criar uma percepção diferente do mundo, intensificando, assim, o sentido.

Essa figura ocorre bastante na linguagem cotidiana. Lembremo-nos de expressões correntes como “voz áspera”, “perfume doce”, “olhar frio”, “sorriso doce”, “cor berrante”, “gosto macio”. No entanto, foram os poetas simbolistas e póssimbolistas, como os surrealistas e os expressionistas, que fizeram largo uso das construções sinestésicas, pois sua poesia pretendia alcançar uma percepção totalizante da realidade. É de Baudelaire o poema Correspondências (tradução de Jorge Pontual)

Da Natureza, templo de vivos pilares,
Uma fala confusa muitas vezes sai;
Pela selva de símbolos o homem vai
Sob a contemplação de íntimos olhares.

Como ecos distantes que confundem tons
Numa crepuscular e profunda unidade,
Tão vasta como a noite e a claridade,
Conversam os perfumes, as cores, os sons.

Há cheiros frescos como dos recém-nascidos,
Doces como oboé, verdes como um jardim
– e outros triunfais, ricos e corrompidos,

Com toda a expansão dessas coisas sem fim,
Como âmbar, almíscar, benjoim e incenso,
Que cantam os sentidos e a mente em ascenso.

Cor de vogal

Arthur Rimbaud estabelece a cor das vogais e mostra as sensações que cada uma delas apresenta, em “Vogais” (tradução de Augusto de Campos):

A negro, E branco, I rubro, U verde, O azul, vogais:
Ainda desvendarei seus mistérios latentes:
A, velado voar de moscas reluzentes
Que zumbem ao redor dos acres lodaçais;

E, nívea candidez de tendas e areais,
Lanças de gelo, reis brancos, flores trementes;
I, escarro carmim, rubis a rir nos dentes
Da ira ou da ilusão em tristes bacanais;

U, curvas, vibrações verdes dos oceanos,
Paz de verduras, paz dos pastos, paz dos anos
Que as rugas vão urdindo entre brumas e escolhos;

Ó, supremo Clamor cheio de estranhos versos,
Silêncios assombrados de anjos e universos:

– Ó! Ômega, o sol violeta dos Seus Olhos!

Exemplos

Outros exemplos: Batem asas de auréola aos meus ouvidos,/ Grifam-me sons de cor e de perfumes,/Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,/ Descem-me na alma, sangram-me os sentidos (Mário de Sá-Carneiro, Álcool).
Mais claro e fino do que as finas pratas / O som da tua voz deliciava… / Na dolência velada das sonatas / Como um perfume a tudo perfumava. / Era um som feito luz, eram volatas / Em lânguida espiral que iluminava / Brancas sonoridades de cascatas… / Tanta harmonia melancolizava. (Cruz e Souza, Cristais).

Indefiníveis músicas supremas,/ Harmonias da Cor e do Perfume …/ Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,/ Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume … (Cruz e Souza, Antífona).

A sinestesia pode ser visual: por exemplo, quando, para transmitir a sensação de gelado (tátil e gustativa), mostra-se uma garrafa suada (visual).


A forma da sinestesia

Um teste mental ajuda a entender a sinestesia como a figura que reúne termos de planos sensoriais distintos, como em “O silêncio é doce”. As imagens abaixo têm nome: Buba e Kiki. Quem é quem? Tendemos a associar a forma redonda ao som “arredondado” da palavra “Buba” e a reconhecer a imagem pontiaguda no “pontudo” nome “Kiki”. (LCPJ)

sinestesia2

 

Autor

José Luiz Fiorin


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