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Arte e Cultura

“Olha para o que eu digo”

O modelo de formação que ainda predomina é a negação do que se pretende transmitir

Publicado em 10/09/2011

por José Pacheco

“Que lhes valeu todo o curso que fizeram durante longos anos? Em vão leram livros copiosos, beberam a caudalosa erudição dos catedráticos imponentes, como oradores parlamentares, fizeram provas escritas de inúmeras laudas, com letra miúda. Palavras, palavras, palavras que o vento levou (…) Pobres alunas, que não tiveram quem as orientasse a tempo! Depois de tanto trabalho, terão de fazer por si mesmas, e com enorme esforço, aguilhoadas pela pressa de quem já está no quadro do magistério, toda a cultura técnica que ninguém pensou ou lhes pode fornecer no momento devido.”

Quem assim nos falava era a Cecília Meireles. Em 1930! Decorridos 77 anos, o que mudou?

Se a competência dos professores fosse medida pelo número de cursos frequentados, a qualificação dos professores seria extraordinária. Se a qualidade das escolas pudesse ser medida pelo peso de diplomas e certificados, já teria acontecido uma revolução em cada escola.

Os professores acumulam “capacitações”, sem que isso corresponda a mudança, ou responda aos desafios que encaram na sala de aula. Se acreditarmos numa pesquisa recente (Naércio Filho, 2007), os professores que fizeram muitos cursos não melhoraram o aprendizado dos seus alunos. A pesquisa diz-nos que “quando se trata do ensino público e dos cursos de capacitação oferecidos aos professores dessas redes, a constatação é que eles não estão fazendo diferença no desempenho dos alunos, apesar de serem divulgados como uma das iniciativas para melhorar o ensino (…) o professor vai, fica ouvindo sobre várias linhas pedagógicas e no fim não aprende nada que consiga usar”.

O modelo de formação que ainda predomina é a negação do que se pretende transmitir. Se os formadores ensinam métodos activos a professores inactivos, o que fica? O professor aprende a teoria “transmitida”, ou a prática “praticada”? Os formadores parecem adoptar a máxima que diz “olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço”, ignorando que acontece formação quando o professor estabelece um diálogo entre o eu que age e o eu que se interroga, num processo social em que transforma o conhecimento que tem da realidade.Esta preocupante realidade brasileira não difere de outras realidades. Em Portugal, após o incremento da formação continuada de professores e do investimento de milhões de euros, os resultados foram decepcionantes – quase nada se alterou na atitude dos professores e pouco terá mudado nas suas práticas.

Cada professor estabelece as suas relações com o saber imerso em práticas que reflectem uma determinada racionalidade. A formação encontra-se intimamente ligada às condições do exercício da profissão e com elas pode interagir como factor de mudança. Porém, ainda há quem acredite na transferibilidade linear de saberes pretensamente adquiridos. Talvez porque se tenha esquecido que o modo como o professor aprende é o modo como o professor ensina…

Poderemos concluir que já tudo foi discutido sobre formação? Ou deveremos seguir a máxima de Pascal, que nos avisa que, por detrás de cada verdade, é preciso aceitar que existe uma qualquer outra verdade que se lhe opõe? Opto pelo Pascal e questiono: a formação acontece quando é “centrada na escola”, ou quando o professor está sentado na escola?

 

Autor

José Pacheco


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