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Ensino Fundamental

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O processo de alfabetização ainda centrado no código e a dificuldade da escola em lidar com a diversidade são alguns dos fatores que podem explicar por que apenas metade das crianças brasileiras estão alfabetizadas na idade certa

Publicado em 06/11/2012

por Luciana Alvarez





iStockphotos
Quando um adolescente chega ao ensino médio sem saber ler e escrever adequadamente, isso significa que houve algum erro no processo de aprendizagem desde o início, a começar pelo primeiro ano do fundamental. Dados da Prova ABC – uma parceria do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), do Todos pela Educação, do Instituto Paulo Montenegro, e da Fundação Cesgranrio – mostram que apenas a metade das crianças de 8 anos no Brasil está alfabetizada. O número ideal, para que a questão não se tornasse uma bola de neve, seria algo próximo a 95%.


Ao entrarem na escola no 1º ano, tecnicamente as crianças são todas iguais, ou seja, todas analfabetas. Mas essa ideia de nivelamento é, na realidade, uma falsa impressão, porque alguns já sabem para que serve a escrita, têm interesse e contato frequente com ela, mesmo que ainda não decifrem as palavras. Isso porque em suas famílias alguém lê histórias para elas, usa lista de compras para ir ao supermercado, faz bolos seguindo receitas, etc. Outras crianças, no entanto, encontram-se mais distantes do mundo da escrita.
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O segundo grupo, obviamente, vai levar mais tempo para ter vontade de aprender a ler e escrever. “Existe uma dificuldade por parte das escolas em lidar com a diversidade. Elas tendem a tratar todos igualmente. Mas quem dá aula para a média está excluindo muitos”, afirma a professora Silvia Gasparian Colello, que leciona Psicologia da Educação no curso de Pedagogia da Universidade de São Paulo (USP), e é autora do livro A escola que (não) ensina a ler e escrever.


“O Brasil resolveu a questão da democratização, mas não sabe como lidar com a diversidade. A escola precisa criar e dar oportunidades para quem não teve, mas na prática não está preparada para receber esse aluno”, completa a autora.


Ojeriza à língua
Outro ponto que ainda hoje atrapalha a alfabetização das crianças, aponta Silvia, é a tradição centrada no código – na silabação, nas normas gramaticais e ortográficas – em detrimento do prazer da leitura e de se mostrar a escrita como uma possibilidade efetiva de comunicação. “Essas práticas roubam do aluno a vontade de dizer, de se expressar. Ao serem jogadas nesse esquema, as crianças que já não têm contato com a língua escrita no cotidiano vão criando verdadeira ojeriza. A primeira coisa que aprendem sobre a escrita é que ela é muito chata”, critica a professora.


Os professores dos anos iniciais também devem ficar atentos para não promover a desvalorização linguística do aluno que “fala errado”, recomenda a pedagoga. Afinal, cada um reproduz a língua que ouve em seu meio e uma variante linguística não pode ser considerada superior às demais.


“A criança que chega na escola já sabe falar, mas a professora diz que ela fala errado. Dessa maneira, em nome de ensinar a escrita, cala a boca da única linguagem que ela tem”, explica. Como resultado, as crianças ficam com medo da língua. E mais tarde, mesmo as que conseguem aprender o código, não são capazes de expressar opiniões, mas só uma escrita de chavões, uma escrita formatada. “Você ensina o sujeito a ler, escrever, mas não a ser usuário da língua escrita para se manifestar, se expressar”, diz Silvia.


Avaliações externas
Mas esses alertas não implicam dizer que o professor-alfabetizador é o grande responsável pelo problema. Falta de apoio, pouca capacitação, ausência de cursos de atualização, burocratização da escola são fatores que influenciam no fracasso do sistema de ensino como um todo. E, na opinião de Maria do Rosário Mortatti, presidente da Associação Brasileira de Alfabetização (ABAlf) e professora de pedagogia da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), as próprias avaliações externas, da forma com que vem sendo usadas, contribuem para fazer com que a escola não ensine adequadamente.


“A avaliação externa em si não é ruim; o problema é quando ela se impõe como norteador à atividade pedagógica”, diz Maria do Rosário. Com tanta visibilidade, bônus e políticas de incentivo atrelados a esses exames, infelizmente isso é algo que cada vez mais vem se tornando realidade. “O Ideb é mais um ranking, e as escolas estão se tornando lugares para treinar para a próxima avaliação. Um dos melhores municípios do Brasil segundo o Ideb adota simulados semestrais. Ou seja, a escola não quer ensinar a ler e escrever, mas dar treinamento para prova”, critica.


Toda escola deveria ter um caráter formativo, não de treinamento. Preparar para provas não é sinônimo de ensinar a ler e escrever. Mesmo porque, as avaliações como o Ideb não medem, por exemplo, como é visto o sentido da leitura e da escrita para os alunos, nem se o sujeito tem um pensamento crítico. “Muitos dos analfabetos funcionais são fruto dessa escola que não ensina, que quis preparar para avaliações. Os alunos não aprenderam o prazer de ler e escrever. Por isso, depois que termina a “tortura”, eles ficam livres daquilo, algo que só fazia sentido dentro da sala de aula. A leitura e a escrita quase não têm participação na vida deles”, afirma Maria do Rosário.


E nunca é demais ressaltar que, quando não aprende a ler e escrever adequadamente e no tempo certo, o aluno é uma vítima de um processo falho, e nunca deve ser visto como o responsável pelo fracasso. O estudante ser “carente”, “apático”, ter origem em uma “família problemática”, não são explicações plausíveis para justificar o não aprendizado. “Se temos tantas crianças que não conseguem ler e escrever, há algo de errado com o sistema. Não é possível que tenhamos uma população tão doente”, conclui a presidente da ABAlf.

Autor

Luciana Alvarez


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