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Para que serve a escola?

Textos de jovens leitores de jornal revelam dificuldade para fugir às opiniões veiculadas pelos meios de comunicação

Publicado em 10/09/2011

por Thaís Nicoleti de Camargo


Os vestibulandos brasileiros: senso crítico moralista e autodepreciativo

Na seção “Redação do Leitor”, do caderno “Fovest” (Folha de S.Paulo), são propostos, periodicamente, temas para reflexão. Com base neles, os estudantes redigem pequenas dissertações para treinar para o vestibular. Foi apresentado como tema aos leitores da publicação, alunos do ensino médio (candidatos a uma vaga nas universidades no final do ano), o seguinte trecho, extraído de um texto publicado na própria Folha:

“Pouco se discute no Brasil sobre as relações entre igreja e Estado, religião e liberdades civis. Essa discussão é muito presente nos EUA – onde a força da fé se tornou força política – e nas áreas de predominância islâmica – onde o extremismo muçulmano quer retroagir o Estado moderno a um serviçal de Deus. Esse retorno da fé religiosa à esfera política assusta e deve ser combatido” (Sérgio Malbergier – 15/5/07).

Na maioria das redações enviadas ao jornal, predominam as críticas à mídia, responsável, em última instância, pela ignorância da população, que se contenta em discutir o futebol e as telenovelas. Esse seria o motivo de as relações entre o poder e a igreja serem pouco debatidas na sociedade, o que, para muitos, era o objeto último da reflexão.

A sensação é que encontraram, dessa maneira, um gancho para desenvolver o tema, fazendo a discussão convergir para um aspecto mais superficial e, portanto, mais fácil de tratar. Não é preciso dizer que a estratégia não é das melhores, visto que o verdadeiro tema, a suposta ameaça representada pelo retorno da fé religiosa à esfera política no mundo moderno, ficou relegado a segundo plano.

Mais do que orientar os alunos sobre a melhor abordagem de um tema de redação de vestibular segundo a expectativa das bancas examinadoras, esta reflexão pre­tende chamar a atenção para certas idéias com as quais convivem os jovens – e que constituem o seu repertório crítico.

É flagrante a manifestação de uma espécie de senso crítico moralista e autodepreciativo, talvez desenvolvido especificamente para a confecção de redações de vestibular, quem sabe com o intuito de impressionar o examinador. Devem-se a esse comportamento intelectual afirmações do tipo “As discuções presentes no exterior sobre religião e o poder que exerce sobre a política é quase que uma raridade no Brasil onde, os fúteis comentários não falam nada além do futebol e da televisão”,  “Nos meios de comunicação como jornais, televisão e rádio o que predomina são assuntos que estão na mídia, ou seja, ficamos presos nas informações que a mídia nos passa, assim torna-nos cada vez mais pobres de cultura” (sic). Neste último, chama a atenção ainda o raciocínio tautológico (nos meios de comunicação, ou seja, na mídia, predominam os assuntos que estão na mídia). Continua na linha autodepreciativa o fragmento “Existe um dizer aqui no Brasil que fala que politica e religião não se discute, ou seja essas discusões não fazem parte da cultura dos brasileiros, porém essas dicusões enriquesem nosssos conhecimentos” (sic).

Agora, surge a idéia de que a finalidade das discussões (de um nível mais elevado) é algo vago como “enriquecer os conhecimentos”, uma espécie de diletantismo de pessoas “cultas”.  Essa infeliz visão da importância do conhecimento é bastante disseminada. Mais de uma vez, campanhas publicitárias usaram como mote para tentar convencer os consumidores a ler certas publicações a idéia de que era preciso ter assunto para conversar com os amigos.

De volta aos textos dos estudantes, ainda há quem justifique esse estado de “ignorância” do brasileiro em geral: “No Brasil é pouco comum a discussão de temas que escapem completamente ao cunho telenovelesco. Essas tramas tão tipicamente simplórias e até bastante fantasiosas há muito fazem parte do cotidiano do brasileiro. Sendo assim, acaba faltando espaço (e estômago) para a discussão de temas tão polêmicos como Igreja e Estado”.

Já outro estudante inicia o seu texto da seguinte maneira: “Atualmente no Brasil, com o avanço da globalização e tecnológicos, pouco se discute sobre as relações entre a igreja e o Estado. A temática da religião deixou de ser uma preocupação central e isto deve-se a visão e a mensagem que a mídia passa, através de jogos da rodada, dos telenovelísticos globais, os quais fogem de assuntos relacionados a esta temática”(sic). Ele atribui à mídia, bem como à globalização e aos avanços tecnológicos, a ausência de debate sobre religião e poder, no seu entender, uma questão bizantina.

Aparece ainda uma visão do Brasil como um lugar pacífico (“Nos dias atuais, o Brasil é um país onde quase não há sérios conflitos de religião e governo, talvez por que nós não temos esse tipo de desentendimento em nossa sociedade e preferimos discutir assuntos menos culturais como telenovelas e programas sem muita finalidade educativa. Ao contrário dos Estados Unidos, um país que tem experiência nesse tipo de discussão, pois eles conseguiram conciliar religião com política e governo, evitando assim grandes aborrecimentos”), o que estaria na base desse nosso superficialismo. Mesmo descontando a ingenuidade da maioria dos textos, é de causar melancolia a auto-imagem do brasileiro: somos ignorantes por destino, por opção ou simplesmente porque não precisamos ser “cultos”.

Embora possa ser um dado positivo o fato de enxergarem o Brasil como um lugar pacífico, preocupam o aparente conformismo diante da nossa própria ignorância (talvez vagamente reconhecida como traço cultural) e a nossa leniência ante a agenda midiática. Apesar de terem acesso à informação (todos fizeram uso do computador para enviar seus textos, todos são candidatos à universidade), parecem não cultivar nenhum tipo de envolvimento em questões que fujam à opinião acabada dos telejornais e revistas semanais, a mesma que criticam.

A leitura desses textos leva a uma reflexão sobre a sala de aula. Que lugar tem a formação em dias de tanta informação? É preciso ensinar a refletir, a construir o pensamento, a organizar criticamente os dados da realidade e, sobretudo, dar ao saber um sentido.   


– Thaís Nicoleti de Camargo, professora de português, assina coluna no caderno “Fovest”, da Folha de S.Paulo, e as colunas “Noutras Palavras”, na Folha Online, e dicas de português no site


www.gazetaweb.globo.com



 . É autora dos livros Redação Linha a Linha (Publifolha) e Uso da Vírgula (Manole)


 

Autor

Thaís Nicoleti de Camargo


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