NOTÍCIA

Ensino Médio

Partícula maldita

Era o nome original da "partícula de Deus" anunciada recentemente, mas ainda não comprovada e sobre a qual não se sabe a real aplicação para a ciência

Publicado em 10/09/2012

por Luciano Velleda







Experimento no Grande Colisor de Hádrons, o maior acelerador do mundo

Os primeiros dias do úl­timo mês de julho trouxeram a público uma notícia que pode representar a maior conquista científica dos últimos 30 anos: a descoberta do bóson de Higgs. Jornais, revistas, televisões e mídias on-line de todo o mundo noticiaram com frisson a descoberta anunciada pelos cientistas do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), com 99,99% de certeza. Aos pouco afeitos à física quântica e ao Modelo Padrão da Física de Partículas, o que chamou a atenção foi a alcunha do possível bóson: a Partícula de Deus.


Para muitos, a impressão foi a de que os cientistas estavam anunciando a descoberta máxima da origem do Universo. Mas, mesmo não sendo isto que o apelido Partícula de Deus signifique, a descoberta do bóson de Higgs é mesmo grandiosa, capaz de emocionar a comunidade científica, normalmente tão cética e racional.

+ Leia mais: como relacionar o bóson de Higgs a conteúdos de física em sala de aula

#R#


A melhor das hipóteses
Corria a década de 1960 e a comunidade científica mundial se desdobrava em teorias para explicar todos os fenômenos da natureza, desde a constituição das partículas da matéria até a relação entre elas. Prótons, nêutrons e elétrons há tempos eram conhecidos, mas ainda havia muitas perguntas sem respostas. Entre tantas questões, pairava a dúvida sobre qual seria a origem da massa das partículas.


Em 1964, o físico escocês Peter Higgs propôs a existência de um campo invisível a permear o Universo. Segundo sua tese, as partículas que interagem com esse campo adquirem massa; as que não interagem não possuem massa e seguem vagando na velocidade da luz, como os fótons, a unidade básica da luz. O bóson de Higgs seria a unidade básica desse suposto campo invisível.


No começo da década de 1970 ainda imperava a discórdia entre a comunidade científica, com muitas hipóteses e teorias sobre as partículas subatômicas sendo formuladas. Foi então que a descoberta dos quarks, partículas que constituem os prótons e os nêutrons, elementos formadores do núcleo do átomo, deu crédito a uma teoria mais ampla, inicialmente criada pelo físico Sheldon Glashow, ampliada por Steven Weinberg e Abdus Salam, acrescida da tese de Peter Higgs, formando a teoria do Modelo Padrão da Física de Partículas. De acordo com esse modelo haveria 12 partículas elementares sustentadas por um campo invisível que concede massa a algumas delas, e não a outras.


Ideia posta, tese formulada, restava à comunidade científica comprovar por meio de experiências a existência de algumas dessas 12 partículas ainda desconhecidas. E assim, ano após ano, cada uma dessas partículas até então na prática inexistentes, mas previstas no famoso modelo, foi sendo aos poucos comprovada. Em 1977, o quark bottom foi descoberto. Em 1978, o glúon. Em 1995, o quark top. Em 2000, o tau neutrino. A cada nova descoberta, o modelo padrão adquiria mais consistência e credibilidade, firmando-se como a melhor teoria para explicar “quase tudo”.


Até que chegou o dia em que 11 das 12 partículas já haviam sido encontradas, com suas existências comprovadas em experiências científicas. Mas ainda faltava uma. Faltava justamente aquela cuja função é conceder massa às partículas: o bóson de Higgs. Sem ele, segundo a teoria proposta, os quarks­ e elétrons não teriam massa, seriam “raios de luz”. E sem quarks e elétrons não haveria átomo. Por fim, sem átomo, não existiríamos. Desse modo, a não descoberta do bóson de Higgs poderia levar por água abaixo o modelo padrão, até então a melhor de todas as teorias da física de partículas.


Sensibilidade editorial
Em 1993, após o físico Leon Lederman, ganhador do Prêmio Nobel de 1988, publicar o livro The God Particle, o termo Partícula de Deus ganhou notoriedade. O título do livro, no entanto, não foi obra do físico e sim da editora que o publicou. O título original proposto por Lederman era The Goddamn Particle, ou “A Partícula Maldita”, em tradução livre, uma referência explícita à dificuldade dos cientistas em encontrar a última partícula ainda não comprovada do modelo padrão.


A editora, no entanto, achou que o título original poderia não ser bem aceito no mercado e resolveu fazer uma singela alteração num jogo de palavras em inglês. Saiu Goddamn (maldita) e ficou apenas God (Deus). E assim, graças a um subterfúgio editorial, o bosón de Higgs tornou-se conhecido como a Partícula de Deus. O apelido acabou sendo o responsável por certa confusão fora do meio especializado, dando a entender que os cientistas estariam acreditando na existência de Deus. O mesmo ocorre agora com o anúncio da descoberta do Cern, quando os veículos de comunicação noticiaram exaustivamente a nova descoberta, mas nem sempre explicando a origem do termo.  


Campo de testes
Para comprovar a existência das partículas previstas no modelo padrão era preciso investir muito dinheiro na construção de imensas máquinas chamadas de aceleradores de partículas. A notícia da descoberta do bóson de Higgs veio do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), local onde se encontra o Grande Colisor de Hádrons (Large Hadron Collider, LHC), o maior acelerador de partículas do mundo, com 27 quilômetros de circunferência, construído a um custo de US$ 10 bilhões.


Em seu interior, os cientistas conseguem acelerar partículas a até 99,9% da velocidade da luz, chocando-as umas contra as outras e recriando uma espécie de pequeno Big Bang. A ideia é elementar. Se o suposto verdadeiro Big-Bang gerou a existência do bóson de Higgs vagando entre as outras partículas, uma versão menor da explosão, porém tão intensa quanto a original, também geraria. E assim, o LHC vai ajudando os cientistas a responderem questões sobre a criação do universo, a natureza da matéria e fenômenos observados no espaço. Como é impossível observar o mundo subatômico diretamente, os pesquisadores usam poderosos aceleradores para chocar feixes de matéria, procurando rastros de energia que indiquem a formação das partículas subatômicas.


No caso do bóson de Higgs, as medições nas colisões de partículas de prótons alcançaram uma margem de erro combinada de 4,9 desvios padrões (sigma), pouco menos que os 5 sigma estipulados para o anúncio de uma descoberta oficial. Por isso, os cientistas anunciaram a descoberta com a probabilidade de 99,9999% de chance de as medições estarem corretas. Ao mesmo tempo, os pesquisadores disseram que cerca de um terço das colisões feitas em 2012 foram analisadas e que o resto dos estudos é o que deve chancelar a descoberta com 100%.


Grandes mistérios
A descoberta do bóson de Higgs, a ser confirmada, será festejada com merecido entusiasmo, mas, na prática, trará ainda mais perguntas que respostas. Segundo os pesquisadores, o próprio bóson de Higgs possui massa. Se ele é o responsável por dar massa a outras partículas, o que então dá massa ao bóson de Higgs? E quais são suas propriedades? Como ele é formado?


O Modelo Padrão da Física de Partículas subatômicas, embora seja o mais aceito pela comunidade científica em geral, refere-se a apenas 4% do universo visível. Os outros 96% dizem respeito à matéria escura, à energia escura, e ainda outros elementos desconhecidos. Isso sem mencionar a gravidade, elemento fundamental do Universo e nem mesmo considerado pelo modelo, pois os cientistas ainda muito pouco sabem a seu respeito.


A incessante procura pela Partícula Maldita, como definiu Leon Lederman, ou a Partícula de Deus, como quis sua editora, ou simplesmente o bóson de Higgs, parece estar mesmo muito próxima do fim. Os mistérios da criação do Universo, contudo, ainda estão muito longe de serem desvendados.







Centro de excelência

O Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern) fica localizado ao noroeste de Genebra, na fronteira Suíça-França. São instalações enormes e dispersas, em pequenas cidadezinhas da região. O Cern foi fundado em 1954 e tem como países-fundadores a Bélgica, Alemanha, Dinamarca, França, Itália, Noruega, Suécia, Suíça, Holanda, Grécia, Reino Unido e Iugoslávia (depois retirada). Depois aderiram Áustria, Espanha, Portugal, Finlândia, Polônia, Hungria, República Tcheca, Bulgária e Eslováquia. Alguns países têm estatuto especial de observador ou associado: Índia, Israel, Japão, Rússia, Turquia, Estados Unidos e a Unesco. Além disso, muitos outros participam não como membros, mas envolvidos em programas, entre eles o Brasil. O orçamento do Cern vem de doações dos governos e é estipulado em francos suíços. O Cern tem cerca de 2.500 trabalhadores em tempo integral e mais de 11 mil cientistas e engenheiros participando de suas pesquisas










Perguntas sem respostas


“É muito bom estar certo”, declarou o físico Peter Higgs durante a coletiva de imprensa em que foi anunciada a descoberta do bóson de Higgs com 99,99% de certeza. Logo depois, ao ser perguntado sobre quais utilidades práticas tal descoberta poderia trazer à população em geral, o físico escocês reconheceu, para espanto de muitos, não saber. “Não temos a menor ideia do que fazer com o bóson (.). Ele vive apenas por um período muito curto, um milionésimo de milionésimo de milionésimo de milionésimo de segundo. Portanto, ainda não sei como isso pode ser aplicado a qualquer coisa útil”, disse o homem que teorizou sua existência há quase 50 anos.


Os avanços científicos, muitas vezes, são assim mesmo. Experiências com partículas subatômicas um dia realizadas nos laboratórios do Cern anos mais tarde deram origem à tecnologia de aparelhos hospitalares hoje utilizados para o diagnóstico e análise de tumores cancerígenos. Os princípios básicos da popular internet também nasceram nos laboratórios do Cern.


Embora Peter Higgs não saiba agora qual aproveitamento prático poderá ser feito do bóson que leva seu nome, é incontestável que sua descoberta é um significativo avanço científico. Contudo, a jornada para compreender os mistérios da criação do Universo está só no começo. Afinal, ainda nada se sabe sobre a matéria escura, a energia escura – responsável por manter o Universo em permanente expansão – a antimatéria ou as propriedades da gravidade – nem sequer se a gravidade possui propriedades.


Perguntas sem respostas. A eterna motivação para a comunidade científica seguir investigando a origem da vida.

Autor

Luciano Velleda


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