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Entrevistas

Pensar além do ensino

Abhinay Muthoo, diretor do Departamento Financeiro da Universidade de Warwick e um dos palestrantes do 16º Fnesp, recomenda ampliar as fontes de renda para garantir a sustentabilidade do negócio

Publicado em 25/08/2014

por Ensino Superior

Diretor do departamento de Economia da Universidade de Warwick recomenda ampliar as fontes de renda da instituição para garantir a sustentabilidade do negócio em longo prazo

por Melissa Becker, de Coventry (Inglaterra) | fotos Melissa Becker

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A diversificação de fontes de renda é o caminho mais seguro para garantir a saúde financeira das instituições de ensino. Na análise do diretor do departamento de Economia da Universidade de Warwick, Abhinay Muthoo, depender de apenas um agente de financiamento – seja ele o governo ou as mensalidades pagas pelos estudantes – pode ser fatal.

Antes de embarcar para São Paulo, onde participará nos dias 25 e 26 de setembro do 16º Fórum Nacional do Ensino Superior Particular (Fnesp), Muthoo conversou com a revista

Ensino Superior sobre os desafios das instituições educacionais para garantir a sustentabilidade institucional – tema central dos debates do Fnesp este ano.

Na entrevista a seguir, Muthoo ressalta a necessidade de planejamento em longo prazo. Para ele, as pressões financeiras não irão desaparecer em breve, mas ficarão piores. Neste contexto, as instituições deverão sair da zona de conforto e pensar arduamente em novos serviços e cursos. Muthoo acredita que as instituições de ensino devem até mesmo ser um pouco agressivas em termos de como fazer parcerias com o setor privado, por exemplo. “As universidades estão posicionadas para a destruição criativa como nunca. Livre-se das maneiras antigas e crie novas para substituí-las”, recomenda.

Ensino superior: Quais são suas principais impressões sobre a sustentabilidade financeira da educação superior em geral?
Abhinay Muthoo: O Estado, o contribuinte, não irá continuar financiando as universidades como elas gostariam. Esse período na Inglaterra acabou, pouco vem do Estado agora. Em outros países será diferente, mas virá. A lição que pode ser aprendida é planejar com antecedência. Nas universidades top americanas, a sustentabilidade financeira vem por meio de doações, o que não existe em grande extensão na Europa [e também é realidade no Brasil]. Outra coisa é que, na Inglaterra, o maior mecanismo de fonte de renda vem das anuidades pagas pelos estudantes. Mas não é sustentável, especialmente quando instituições têm de 30% a 40% das anuidades vindas de mercados internacionais. Esses alunos têm maior mobilidade e são mais seletivos. Deve-se construir uma marca forte dentro da sua comunidade, e haverá esse tipo de fidelidade, de querer ir para a universidade local. Isso é sustentável, em gerações.

Quais seriam os erros frequentes das instituições de ensino superior em relação à sustentabilidade financeira?
Aconselharia qualquer instituição a nunca depender de apenas um agente para prover suas finanças. Gestores devem pensar em como construir um modelo de negócios para a universidade. Vender a ideia para os estudantes de que eles são parte da comunidade e que é uma parceria para a vida toda. É o que Harvard e MIT fazem. É fantástico, o modelo americano realmente funciona. As instituições criam um fundo com doações, na maioria, financiado por ex-alunos. É uma base sólida. O segundo ponto é que as universidades precisam tomar parte na economia e na cultura da região, criando parcerias com o setor privado. Esse financiamento pode ser enorme.

Como instituições podem se aproximar da indústria para uma parceria de benefícios mútuos?
Podem-se oferecer os serviços da equipe acadêmica em diferentes formas. Na faculdade de economia da Universidade de Warwick, oferecemos diversos tipos de produtos. Iniciamos cursos executivos para indivíduos do setor privado. Cada disciplina tem algo para dizer para um grupo de empresas. Os departamentos devem pensar fora de sua zona de conforto. As empresas estão sedentas pelo conhecimento mais recente, para dar aquela margem competitiva. A universidade deve arregaçar as mangas e pensar em qual serviço ou curso feito sob medida interessaria a elas. Instituições devem pensar com criatividade, ser um pouco agressivas em termos de fazer isso. O empurrão não vai vir, muitas vezes, dos gestores seniores das universidades, mas da comunidade acadêmica. Há muito potencial aí.

Poderia citar exemplos?
Instituições podem se unir a empresas para fornecer treinamento in house, com melhor qualidade. Com criatividade, qualquer conexão é possível. Responsabilidade social é importante para companhias, o orçamento para isso tem aumentado. Ao mesmo tempo, universidades querem que graduandos desempenhem responsabilidade social corporativa. Empresas podem nos contratar para projetos voluntários, fazer o bem para a sociedade com financiamento do setor privado. As universidades se beneficiam financeiramente e, como resultado, se desenvolve um relacionamento e se constroem conexões para parcerias mais lucrativas financeiramente. É sobre ambas as partes pensarem criativamente. E elas terão de fazer isso.

Qual o maior desafio para as instituições de ensino manterem sua saúde financeira no momento?
Não se deve nunca parar. O mundo é tipicamente reativo: se reage ao ambiente, se reage à política do momento, à regulação. Universidades precisam ser proativas, liderar o caminho em debates de como as instituições são administradas. Não se vê isso ocorrendo com frequência. Pode ser da natureza da universidade, mas é ruim. Universidades devem estar à frente, dizendo o que podem oferecer, o que fazem, se engajando com o governo etc. Do contrário, haverá pressão constante. O ensino superior é, às vezes, usado como um futebol político. As universidades ficam no meio disso, sem poder refletir e estabelecer uma agenda.

Que desafios futuros o senhor prevê?
Um dos grandes desafios, nos próximos 25 a 50 anos, é como sobreviver na “vila global”. As forças da globalização são fortes, não podem ser freadas. As universidades devem aceitar isso, ao invés de tentar combatê-las. As tendências são maior integração e maior mobilidade estudantil. Empresas ao redor do mundo podem se engajar com universidades. O primeiro grande desafio é como lidar com a competição global. O segundo serão as finanças – e eles estão relacionados: as pressões financeiras nas universidades não irão desaparecer em breve. Ficarão piores por causa da competição internacional. Universidades com perdas constantes ficarão encrencadas. O terceiro ponto, nesta era de grandes expectativas e de questionamentos sobre custo-benefício, será: o que as universidades produzem de bom? Gastam muito dinheiro? Neste contexto, o desafio é inovação constante (as instituições conseguem inovar rápido o suficiente?) e como levar isso para a comunidade acadêmica, para o mercado. Estudantes cobram cursos que sejam adequados aos seus propósitos de vida.

Como as instituições particulares podem se diferenciar em um cenário tão competitivo como o que enfrentam hoje?
Precisam encontrar suas forças. Para isso, um exemplo é a análise conhecida como SWOT. Há dois modelos: um deles é fazer um pouco de tudo, em que há o risco de dispersão. Acredito que um modelo melhor seja selecionar as áreas fortes que se deve focar. Identifique cinco ou seis de 25 áreas, invista nelas e olhe com frequência se mudanças são necessárias. Mas procure por algo que se distingue em sua oferta. Se tem cinco fortes disciplinas, coloque-as para trabalhar juntas, oferecendo cursos inovadores. Unir disciplinas é importante em cursos de graduação e pós. Deve-se ver ainda se há algo especial a oferecer que outros não têm. Explore sua região, sua geografia e sua cultura para oferecer produtos distintos. Universidades no Rio, por exemplo, devem explorar o fato de que estão próximas ao mar, com praias e o Maracanã – o que o interior não pode – e, assim, oferecer algo diferente. Mesma coisa para pesquisa: fazer estudos em áreas do futebol, por exemplo. Mostre-se para o mercado, não tenha medo da sua situação.

Como capitalizar uma instituição para sempre oferecer o melhor ensino?
Deve-se contratar bons profissionais. A política de contratação, em termos de retenção, contratação e demissão, precisa ser de primeira nas três dimensões para ter a melhor equipe que puder. O capital humano é chave para a universidade. Se não, pode tentar fazer o que quiser que nunca irá funcionar.

Autor

Ensino Superior


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