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Ensino Médio

Problemas a mais

No ensino médio noturno, as dificuldades da etapa se aliam à sensação de violência. Secretarias de Educação tentam conter a evasão reformulando e adequando currículos às necessidades específicas dos alunos trabalhadores

Publicado em 07/10/2014

por Tânia Pescarini

Gabriel Morales
O fechamento de escolas devido à violência tem preocupado sindicalistas

Em dissertação de 2008 sobre a evasão escolar no ensino médio, a pesquisadora Dulcinéa Janúncio Marun, da PUC-SP, concluiu que tanto as expectativas quanto o destino social de alunos que apresentam retornos reiterativos à escola parecem muito mais marcados pela posição social de origem do que pelo grau de escolaridade alcançado. A conclusão pode ser um pano de fundo importante para compreender uma realidade ainda mais permeada pela questão social: o ensino médio noturno, do qual correspondem 30% das matrículas dessa etapa de ensino. Segundo o Censo Escolar 2013, desses, mais de 90% estudam na rede pública e mais de 40% trabalham. A modalidade tem sofrido ainda mais com a evasão escolar, influenciada por um fator extra: a sensação de violência no espaço escolar.

“A violência e a inadequação do currículo escolar empurram muitos jovens para o período da manhã, ou para a EJA. Observamos um forte movimento de redução do ensino médio noturno”, diz Maria Izabel Azevedo Noronha, presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp).

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Maria Izabel cita como exemplo a EE Abigail de Azevedo Grillo, em Piracicaba (SP). Segundo ela, a escola fechou o curso de ensino médio noturno devido à violência no bairro. “Havia gangues atirando ovos nos muros da escola, tentando com isso parar as aulas. Além disso, traficantes de drogas faziam ponto perto da escola”, diz a sindicalista. “Mas o fechamento afetou muitos alunos trabalhadores que precisavam das aulas à noite.”

No entanto, a violência está longe de ser o único dos males a afetar o ensino noturno. Além das dificuldades enfrentadas por quem precisa trabalhar e estudar ao mesmo tempo, a escola muitas vezes falha em cumprir com as expectativas dos jovens e de suas famílias, analisa o professor e pesquisador da Universidade de São Paulo, Roberto da Silva. Ele pesquisa a relação de jovens em conflito com a lei com a escola e alerta a respeito do desencontro gerado pelo medo da violência: “O discurso acerca de violência é maior e mais contundente que a própria violência”, diz ele, argumentando que é necessário que a escola e os professores compreendam melhor os processos de sociabilização da nova geração. “A geração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que hoje está no ensino médio, perdeu a rua como espaço de sociabilização. Em muitos casos o pai e a mãe trabalham. As funções primárias de sociabilização, que antes se concentravam no lar, foram transferidas para a escola. Então a criança e o adolescente passam a fazer na escola tudo o que antes faziam dentro de casa e na rua e muitos professores não sabem interpretar as manifestações dessa geração”, completa.

Mudança curricular
Preocupada em reduzir, ou ao menos manter estáveis, os índices de evasão para o ensino médio noturno e inspirada por mudanças curriculares introduzidas no Rio Grande do Norte, a Secretaria de Educação do Ceará lançou em 2009 uma campanha para modernizar o ensino médio noturno no estado. Rogers Mendes, assessor do gabinete do secretário de Educação cearense, conta que foram os próprios diretores de escola que pediram a reformulação do currículo do ensino médio. A discussão acerca do currículo começou durante uma série de seminários organizados no mesmo ano com diretores e coordenadores pedagógicos. Formou-se um grupo de estudo. “Uma das primeiras preocupações foi organizar melhor o tempo disponível para o aprendizado”, conta Rogers Mendes. Roberto da Silva concorda que “o tempo das aulas no ensino noturno deve ser otimizado, pois é menor, trabalham-se menos os conteúdos e não há possibilidade de saídas e atividades fora da escola”.

Outro aspecto que incomodava era o excesso de disciplinas, muitas com apenas uma aula por semana. “Isso dificultava a formação de vínculos entre alunos e professores, que se viam muito pouco”, conta Rogers. A solução encontrada foi a semestralidade: as disciplinas foram divididas em dois blocos, um para cada semestre, para que, ao longo do ano letivo, fossem dadas todas as disciplinas obrigatórias, além das novas disciplinas: formação para a cidadania e formação para o trabalho.

“Hoje, cerca de 80% das disciplinas têm mais de um tempo por semana, o que gera maior contato entre as turmas e os professores, que cultivam relações mais próximas”, diz Rogers Mendes. Outra vantagem oferecida pelo sistema semestral foi oferecer aos alunos a possibilidade de trancar um semestre na escola, retomando o ano letivo a partir de onde pararam, ao invés de perder o ano inteiro. “Muitos alunos encontram oportunidades de emprego no final do ano, devido ao turismo. São vagas sazonais e a oportunidade para os alunos retomarem os estudos de onde pararam aumentou muito a taxa de retorno à escola”, diz Rogers. Segundo ele, o maior impacto do programa foi visto na redução da evasão escolar, que antes de 2009 era cerca de 15% para o ensino médio e hoje fica em 5%, aproximadamente. “Boa parte dessa redução deve-se às mudanças no ensino noturno”, acredita.

Aluno trabalhador
Cada vez mais é consenso, entre especialistas e professores, que o mercado de trabalho deve e pode entrar no currículo do ensino médio regular. Para as turmas do noturno, a necessidade é ainda mais pungente. No Ceará, os professores planejam as atividades dadas nas aulas de Formação para o Trabalho a partir de debates com as turmas. As aulas, segundo Mendes, também precisam dialogar com o currículo tradicional. “Dentre as disciplinas temos informática, inglês instrumental e matemática financeira”, diz. O uso de laboratórios, sejam eles de informática ou de ciências, é importante porque o aluno que frequenta aulas à noite, em muitos casos cansado depois de um dia de trabalho, fica mais predisposto à dispersão. Daí a importância de aulas mais participativas e menos expositivas. “O novo currículo implica também mudanças de postura para o professor”, completa.

Para a secretária estadual de Educação do Mato Grosso do Sul e presidente do Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed), Maria Nilene Badeca da Costa, entretanto, o ensino médio noturno não deve ser pensado apenas para o aluno trabalhador. “São jovens, adultos e idosos que, por condições socioeconômicas, têm o ensino médio noturno como possibilidade de conclusão da escolaridade”, infere.

Outra abordagem de inclusão do jovem que frequenta o ensino médio noturno, principalmente para aqueles que moram nas periferias das grandes cidades, é o que Roberto da Silva chama de pedagogia social. “Estamos preocupados em sinalizar para a juventude portas de entrada no mercado de trabalho que não impliquem competir com as profissões mais tradicionais”, diz.

Ele aponta que grande parte dos meninos e meninas no ensino noturno em escolas de bairros na periferia já passaram por projetos sociais, “mas sempre na posição de cliente”. “Queremos que eles abracem essas profissões e passem a atuar no âmbito da escola e da comunidade, fazendo a mediação dos problemas sociais”, diz. Segundo Roberto, profissões como assistente social são exercidas por profissionais da área de humanas e instituições remuneradas pelo governo, oriundas das classes médias e sem a vivência dos jovens da periferia. São muitos, portanto, os caminhos da preparação para o trabalho. E os especialistas esperam que eles sejam trilhados.

Enfrentando a violência

O professor de ensino médio da rede estadual paulista Márcio, que pediu para seu sobrenome não ser divulgado, conseguiu superar o trauma da violência no ambiente escolar. Quando era coordenador pedagógico para o período noturno na Escola Estadual Renato de Arruda Penteado, na Vila Brasilândia, zona norte de São Paulo, entre 1999 e 2000, a escola passou por uma onda de violência que culminou no assassinato de uma estudante do ensino médio noturno. Ela foi morta no pátio da escola.

A partir daí, Márcio e outros professores deram início ao projeto Caminhos para um Novo Amanhecer, que envolveu alunos, pais e a comunidade da EE Renato de Arruda para acabar com a violência. “Fizemos caminhadas, havia encontros para leitura de poesia, tudo para sensibilizar a comunidade escolar em relação aos atos violentos cometidos dentro da escola”, conta o professor. “Também nos juntamos para pintar os muros e paredes das salas de aula, melhorar a infraestrutura, pois o prédio estava muito degradado e passava uma impressão de descaso e abandono, o que não correspondia à verdade”, continua.

Os resultados foram positivos para a escola e a comunidade, mas a violência ainda é um problema para os professores e alunos do ensino médio regular noturno, pois, segundo Márcio e outros professores entrevistados, falta segurança para muitas escolas funcionarem à noite.

Autor

Tânia Pescarini


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